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2.3 ASPECTOS GERAIS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

R ESERVA DE F AUNA Á REA NATURAL COM POPULAÇÕES ANIMAIS DE ESPÉCIES

3. EXPERIÊNCIAS MODELO

3.1. RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE MAMIRAUÁ

A discussão sobre qual o tipo de unidade de conservação é o mais indicado por si só parece um pouco infrutífera se não forem levados outros fatores. Sendo o objetivo comum entre os defensores de uma e de outra forma de áreas protegidas a preservação dos recursos naturais, o cerne da discussão seria: como essa preservação pode ser feita da melhor forma. (Dourojeanni, 2001). O simples decreto de uma área como unidade de conservação de proteção integral e expulsão das populações humanas de seu interior não irá garantir a preservação da biodiversidade nela contida, se esse ato não for acompanhado de ações para tornar essa preservação efetiva. Uma Unidade de conservação de proteção integral sem plano de manejo, sem regularização de sua situação fundiária, sem fiscalização por parte do órgão ambiental, cercada de população pobre e sem perspectiva e para a qual a criação do espaço protegido, significa tão-somente restrições, sem que nenhum tipo de benefício lhe seja apontado, estará menos protegida que uma Área de Proteção Ambiental (APA). Este é o quadro apresentado por grande parte desses espaços. Somente como exemplo, segundo dados do próprio IBAMA, 55% das unidades de conservação não possuem planos de manejo. (Mercadante, 2001).

Uma das questões alegadas pelos preservacionistas seria a dificuldade de manejo de uma unidade de conservação quando há presença humana em seu interior. Sustentam que as unidades de conservação de proteção integral em quantidade e extensão são insuficientes para cumprir seu papel de preservadoras da biodiversidade, devendo, dentro do possível, contribuir também para o desenvolvimento regional. Entretanto não apontam saídas práticas, limitando-se a afirmar que é necessário que se permita a visitação dessas unidades de conservação e interação da população que a cerca com o interesse de preservá-la, esclarecendo, da melhor forma possível, sua importância para manutenção da qualidade de vida e a condição de inexistência de presença humana em seu interior. Para tanto o manejo

dessas Unidades deve fazer-se de forma aberta e democrática, de modo a evitar-se confronto com seus vizinhos. Ressalta-se a importância de coexistirem Unidades de Conservação de várias categorias e usos de forma complementar.

É flagrante a necessidade atual de conciliação entre sócio-ambientalistas e preservacionistas, os debates entre os dois grupos fez com que, nos últimos 40 anos houvesse uma mudança do ponto de vista da proteção ambiental, que antes se baseava somente em questões estéticas e éticas, e atualmente centrada no desenvolvimento sustentável. As comunidades tradicionais, inicialmente ignoradas, passaram a ter um papel mais importante, principalmente quanto a seus conhecimentos tradicionais de manejo dos recursos naturais.

A proteção do meio ambiente necessita mais de ações que de discussões, não quero passar a interpretação errônea de que as discussões são infrutíferas, não é este o meu entendimento. Reconheço que os problemas envolvendo as questões ambientais devem ser discutidas em busca de soluções, entretanto, a natureza demanda medidas mais que urgentes, sob o perigo de não haver mais sobre o que discutir daqui a alguns anos. Toda discussão deve levar a ações efetivas e estruturadas, de forma a se tornarem mais eficazes.

A título de exemplo, cito uma experiência bem sucedida e reconhecida internacionalmente: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá que, por razões que desconheço, não é citada pelos ambientalistas ortodoxos, que teimam em exemplificar apenas o que não dá certo em termos de desenvolvimento sustentável.

No dia 2 de julho de 2004 a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) reconheceu um conjunto de unidades de conservação, localizadas no estado do Amazonas, como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade. O conjunto inclui o Parque Nacional do Jaú, de 2,272 milhões de hectares, que já tinha o status de sítio do patrimônio desde 2000; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Amanã, de 2,350 milhões de hectares; a Estação Ecológica de Anavilhanas, de 350 mil hectares, no Rio Negro; e parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, correspondendo aos 260 mil hectares já implementados. O novo sítio passou a ser conhecido como Complexo de Conservação da Amazônia Central ou, em inglês, Central Amazon Conservation Complex.

No total, a reserva de Mamirauá tem 1.124 milhão de hectares e lá vivem cerca de 12 a 15 mil pessoas. Nos 260 mil hectares onde o manejo sustentável já está implantado – área incluída no novo sítio - vivem 6.500 ribeirinhos. Eles estão aprendendo, com pesquisadores e técnicos, a incluir a variável de sustentabilidade em suas atividades tradicionais - pesca, extração de madeira e agricultura familiar – além de experimentar novas atividades de baixo impacto ambiental, geradoras de emprego e renda, como o ecoturismo, o extrativismo de sementes oleaginosas e o artesanato. Mamirauá está entre os 5 melhores destinos de ecoturismo, no guia britânico Lonely Planet Guide.

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá localiza-se no Estado do Amazonas, na confluência dos rios Japurá, Solimões e Auati-Paraná, compreendendo uma área de 1.124.000ha, inserida inteiramente em ecossistema de várzea. É a maior unidade de conservação no Brasil formada por florestas inundáveis e também a única criada para proteger a várzea amazônica. A partir de 1996 foi iniciado um trabalho de extensão florestal junto às comunidades, cujos objetivos principais foram fortalecer as relações com os usuários de madeira na Reserva, incentivar a exposição de dúvidas, expectativas e dificuldades relacionadas a essa atividade, investigar conhecimentos existentes e incentivar o sentido comunitário do manejo florestal.

Durante discussões sobre as condições das comunidades e a legislação florestal, acordou-se implementar o manejo florestal comunitário mediante Planos de Manejo Florestal Sustentável Simplificado (PMFSimples). Em 1999, iniciou-se as primeiras etapas de implantação de um modelo de manejo florestal participativo em um dos nove setores da área focal da Reserva, com a realização de pesquisas participativas, treinamento operacional de moradores e usuários da reserva, envolvidos na extração florestal e incentivo à participação das comunidades no manejo florestal. As 7 comunidades do Setor escolhido para o manejo negociaram a divisão do setor entre eles; 5 comunidades participaram nas etapas de criar Associações Comunitárias, realizar levantamentos de estoque e a seleção de árvores a serem retiradas; a elaboração de PMFSimples e Planos de Controle Ambiental (PCAs). Os planos foram aprovados e em 2000 ocorreu a primeira exploração legal de madeira da Reserva. Atualmente o manejo florestal controlado está sendo implantado em 4

dos 8 setores da Reserva, sendo que este ano, 10 comunidades estarão envolvidas nesta atividade.

O Programa de Manejo Florestal Sustentável do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá tem como objetivo principal a promoção da conservação das florestas de várzea da Reserva, mediante implantação de um modelo de manejo florestal sustentável participativo em toda a área, realizado pelas comunidades locais e adequado às condições econômicas, culturais e ecológicas da reserva. Assim, um modelo experimental, atualizado e adequado à região, deverá ser implementado em toda a zona de uso sustentado e monitorado com instrumentos de avaliação e controle bem definidos. A extração desordenada de madeira pode colocar em risco todo o ecossistema, além de levar algumas espécies à extinção local. A proposta de manter os habitantes da reserva e envolvê-los na conservação dos recursos é inovadora e precisa ser implementada, podendo tem um efeito demonstrativo importante para as demais unidades de conservação da Amazônia.

Esse projeto começou quando o primatólogo José Márcio Ayres, em 1983, em viagem pela Amazônia, percebeu a importância de preservar a área e Mamirauá, transformando-a em reserva ambiental; entretanto, o modelo preservacionista predominante da época não concebia a idéia de proteger uma área sem expulsar seus habitantes. A saída encontrada pelo pesquisador foi criar um novo tipo de área protegida: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), genuinamente brasileira. Inicialmente a idéia recebeu muitas críticas tanto dos ambientalistas quanto da população da área, pois os primeiros afirmavam a impossibilidade de preservação e presença humana; já a população não gostava da idéia de viver dentro de uma área protegida.

Primeiramente foi criada na área a Estação Ecológica de Mamirauá, em 1990; transformada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá em 1995, quando foi criada esta nova categoria pelo governo do estado do Amazonas. A Lei do SNUC incorporou essa nova categoria entre as unidades de conservação de uso sustentável (art. 20, da Lei n° 9.985/2000). Em 1998 foi criada a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Amanã, localizada entre a RDS Mamirauá e o Parque Nacional do Jaú, formando um gigantesco corredor ecológico. Do complexo de áreas protegidas, justamente o Parque Nacional do Jaú, unidade de proteção integral, administrada pelo IBAMA, é o único que

apresenta conflitos com invasores, devido a problemas de fiscalização. A RDS Mamirauá é administrada pela organização não governamental sem fins lucrativos Sociedade Civil Mamirauá, que recebeu recentemente o prêmio da UNESCO na categoria Ciência e Meio Ambiente e é composta por pesquisadores, extencionistas e agentes comunitários locais nas áreas de meio ambiente, saúde, nutrição, educação ambiental, extensão rural, integração política e ecoturismo.

A importância do complexo ecológico Mamirauá-Amaná-Jaú pode ser vista pelos seguintes números:

Reserva de Mamirauá Reserva de Amaná Parque Nacional do Jaú

Área 11.260 Km² 23.500 Km² 22.000 Km²

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