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EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS PEDAGÓGICAS A PARTIR DE ABORDAGENS SOBRE A CIDADE E O URBANO

PROFESSORES DA RME DE FLORIANÓPOLIS 86 4.1 DA FORMAÇÃO À ATUAÇÃO: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA

5 A CIDADE E O URBANO NO ENSINO DE GEOGRAFIA ESCOLAR NA RME DE FLORIANÓPOLIS

5.2 EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS PEDAGÓGICAS A PARTIR DE ABORDAGENS SOBRE A CIDADE E O URBANO

Uma atividade desenvolvida com alunos da então 6ª série do EF na escola Batista Pereira da RMEF cujo objetivo foi desenvolver conceitos ligados ao urbano e rural utilizando um jogo de computador possibilitou ao aluno reflexões sobre a complexidade44 das relações que são e que podem ser estabelecidas quando se tem uma visão ampla do espaço urbano e este em conjunto com o espaço rural.

Ao aluno permitiu-se estabelecer relações que antes não se alcançava. Nesse contexto, entre as várias reflexões extraídas a partir do jogo, que foi utilizado como meio para que aspectos da realidade urbana dos alunos pudessem ser debatidos em sala de aula, algumas chamam

44 Para Morin, “a complexidade é um problema, é um desafio e não uma resposta. [...] mas, se quisermos um conhecimento pertinente, precisamos reunir, contextualizar, globalizar nossas informações e nossos saberes, buscar, portanto, um conhecimento complexo”. (MORIN, 2001, P. 559 E 566).

atenção nesta atividade onde os alunos relatam, com base em suas tarefas pedagógicas, que:

(75) No início do jogo começamos por uma pequena área urbana, sem saneamento básico com fontes de energia pequena, recursos hídricos com baixo custo. Depois fizemos uma pequena área rural. Não temos ainda área industrial. Temos ligações com outras cidades e pretendemos fazer com que nossa cidade aumente e evolua, colocaremos meios de transportes, delegacias, escolas melhores, postos de saúde... Queremos também aumentar a área rural, criar uma área industrial, colocar saneamento básico, aumentar a área comercial para gerar mais empregos... Estamos com mais ou menos 400 a 500 habitantes. [Grupo 4].

Um olhar com um pouco mais de atenção permite-nos compreender como a cidade vai sendo construída no imaginário dos alunos a partir de referências que vão sendo postas como padrão de desenvolvimento, de urbanização e apregoadas de melhor “qualidade de vida” (discurso do IDH) no país. A “evolução” de uma cidade se dá, na concepção dos alunos, pelo investimento em alguns equipamentos urbanos como “delegacias, escolas, postos de saúde” (leia-se segurança, educação e saúde), além dos investimentos nos meios de transporte obviamente para garantir o fluxo das mercadorias, pois “temos ligações com outras cidades e pretendemos fazer com que nossa cidade aumente e evolua” e não poderia ficar de fora o favorecimento à “industrialização” afinal de contas, como pode haver “evolução” fora desta realidade?

Ora, o discurso que o aluno reproduz refletem induções que vão sendo alimentadas como verdades inquestionáveis sobre a cidade. A mídia, as firmas, os interesses do capital imobiliário, da construção civil, das agências de turismo, do capital especulativo são alguns dos atores que em defesa de seus próprios interesses não medem esforços para construir e disseminar das mais diversas formas a ideia de uma cidade ideal próxima à perfeição, na qual as mazelas, oriundas da pobreza são de responsabilidade do próprio “cidadão” que “não se esforçou suficientemente” para superar sua condição de excluído.

A escola transformadora que tem entre seus propósitos o compromisso com a formação para a cidadania não pode se omitir diante desta realidade. Esse indiferentismo urbano pode ser debatido e

combatido no ambiente escolar como referência inicial para ações cidadãs que extrapolem os muros das escolas. A Geografia tem um papel importante nesse contexto, cabe a ela não permitir “que os alunos saiam da escola reproduzindo um sistema que os sufoca.” (STRAFORINI, 2004, p. 56).

O atual discurso em formação sobre Florianópolis é a da “Capital da Inovação” tema do concurso realizado pela Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico Sustentável, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal da Receita da Prefeitura de Florianópolis que, desde 2008, realizam um concurso de desenho para escolher a ilustração da capa do carnê do IPTU45.

As ilustrações presentes nas capas dos carnês do IPTU em Florianópolis nos dão uma pista de como a cidade é vista pelos alunos do Ensino Fundamental. A figura 9, por exemplo, que ilustrou os carnês em 2008, reproduz uma cidade através de seus pontos turistificados, em especial a ponte Hercílio Luz e o mar (praias). Outros elementos naturais como os morros e o Sol, completam essa paisagem, onde curiosamente as pessoas não aparecem.

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Segundo Site da PMF o concurso é realizado entre os alunos do 1º ano à 8ª série e envolve a cada ano diferentes temas. Para a escolha da capa do IPTU de 2012 o tema foi: Florianópolis, Capital da Inovação – Como ideias, conhecimento e cooperação podem transformar a nossa cidade? Ainda segundo o site o objetivo do concurso é estimular a reflexão entre os estudantes sobre o papel de cada um para garantir um futuro com qualidade para Florianópolis, desde os cidadãos, as comunidades, os gestores e a administração pública. Disponível em <http://portal.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/22_08_2011_15.02.11.28525832f37eb0331 74e25924c281bb5.pdf>. Acesso em 07/12/2011.

Figura 9 – Desenho vencedor do concurso IPTU 2008 – Carlona D. Nichele, Escola Básica Municipal Osvaldo Machado (Ponta das Canas).

Fonte:

<http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/evento.php?pagina=eventopagina&event=2 47>. Acesso em 07/12/2011.

Existe uma harmonia no cotidiano da cidade na qual, mesmo as filas de carros na ponte, que pode ser vista no desenho vencedor de 2009 (figura 10), não se apresenta como um problema de mobilidade urbana. Nessa representação da cidade, a presença humana, fora de suas casas ou carros, também não pode ser vista, à exceção de um pescador solitário que à beira mar, aparece pescando em frente a um barco. Chama atenção que este desenho foi feito por um aluno da escola desdobrada municipal Costa de Dentro, que está localizada em uma comunidade de pescadores de Florianópolis.

Figura 10 – Desenho vencedor do concurso IPTU 2009 – Mylo Inchausti Langly, Escola Desdobrada Municipal Costa de Dentro.

Fonte:

<http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/evento.php?pagina=eventopagina&event=2 47>. Acesso em 07/12/2011.

O desenho abaixo representa a visão de um aluno, sobre sua cidade, que estuda em uma escola da localidade de Ingleses, região norte da ilha de Santa Catarina.

Figura 11 – Desenho vencedor do concurso IPTU 2010 – Carine Isabelle Hermann de Oliveira, Escola Básica Municipal Gentil Mathias da Silva (Ingleses).

Fonte:

<http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/evento.php?pagina=eventopagina&event=2 47>. Acesso em 07/12/2011.

Nesta ilustração (figura 11), a cidade aparece com fortes características da ocupação humana. A natureza “esquecida” dá lugar às casas, prédios, ruas asfaltadas e sinalizadas. A presença de árvores e flores sugere áreas de ajardinamento. Essas representações são características da região dos Ingleses onde se encontra a escola Gentil Mathias da Silva. Nesta área no município de Florianópolis, conforme anteriormente dito, existe uma maior presença de equipamentos urbanos, quando comparado com outras áreas do município, em especial da região sul da ilha de Santa Catarina. Ingleses é, também, uma das regiões de maior concentração populacional do município, assim, as pessoas são representadas fazendo uso dos ambientes externos, divididos entre a caminhada em família com o animal de estimação pelo passeio público e o uso de automóvel.

As figuras 12 e 13, desenhos vencedores do concurso IPTU 2011 e do concurso Jovem Inovador 2011, respectivamente, mostram duas cidades distintas. Na primeira (figura 12) Florianópolis é representada como uma cidade onde os lugares e as pessoas estão, em aparente equilíbrio. Não se percebe a existência de algum descompasso social ou ambiental. Pessoas recolhem lixo das prais e plantam árvores na construção de uma paisagem ideal para a cidade.

Figura 12 – Desenho vencedor do concurso IPTU 2011 – Yasmin Alflen Bello da Silva, Escola Básica Municipal Batista Pereira, Alto Ribeirão.

Fonte:

<http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/evento.php?pagina=eventopagina&event=2 47>. Acesso em 07/12/2011.

apresentadas, passa uma ideia de comunhão pacífica entre os ambientes naturais da cidade e as construções humanas formando uma paisagem urbana, possivelmente, desejável. Mas como alcançar essa “harmonia urbana”? Será que, o simples pagamento do imposto garante o ideal de cidade expresso nos desenhos?

Figura 13 – Desenho vencedor do concurso Jovem Inovador 2011. Fonte:

<http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/evento.php?pagina=eventopagina&event=2 47>. Acesso em 07/12/2011.

Um olhar mais atento ao desenho vencedor do concurso Jovem Inovador 2011 (figura 13) nos mostra que a pergunta feita para o aluno (Como ideias, conhecimento e cooperação podem transformar a nossa cidade?) foi respondida, através do desenho, de acordo com o que se observa no cotidiano da cidade, ou seja, um grande número de vias, e viadutos, privilegiando os carros, notadamente em maior quantidade do que ônibus, bem como pessoas disputando o espaço das ruas com os automóveis, pois o desenho não possui calçadas para pedestres nem tão pouco ciclovias.

A “capital da inovação” insiste em seguir modelos urbanos pautados em paradigmas, cujas origens estão distantes da realidade local, que inundam as cidades de carros, viadutos e prédios. O Sol por detrás da ponte e o ajardinamento presente entre as vias de rolamento apresentam-se como que para diminuir o impacto do concreto e do asfalto.

Quase como um imaginário do que é céu e do que é inferno, o “moderno é bonito” e o “não-moderno é feio”, onde, o que é bonito

mostramos, damos visibilidade e o que é feito invisibilizamos. Tudo depende porem, das necessidades e dos interesses políticos e econômicos46.

A crítica não é direcionada ao desenho feito pelo aluno, ao contrário, ele proporciona o alerta de como a cidade é percebida. Existe uma tendência em associar esse tipo de investimento e aporte num tipo de progresso do moderno. A mensagem que nos parece querer passar os carnês de IPTU, ou melhor, a mensagem que a administração pública deseja passar, é a de que à população, cabe o pagamento do tributo urbano para que se possam garantir esses aspectos da “modernidade” na cidade e, garantir a tal qualidade de vida almejada.

A partir das análises feitas até aqui, temos, através da Geografia Escolar, a possibilidade de promover uma discussão em sala de aula sobre a importância da participação popular nas decisões que dão forma e conteúdo às nossas cidades como exercício de cidadania. Para que essa participação se efetive é necessário que se reconheça pertencente à cidade não como simples morador/consumidor de seus bens e serviços, pagador de tributos e impostos e sim como sujeito histórico que, nesta condição, é agente de transformação desse espaço.

Os itens que se seguem são tentativas de ilustrar possibilidades de atuação pedagógica visando esse (re)encontro com a cidade. No item 4.3 colocamos em discussão a contribuição da História Oral na compreensão dos monumentos/documentos através de um olhar geográfico sobre a cidade na perspectiva da formação cidadã. No item 4.4 reapresentamos, com um pouco mais de zelo, o estudo do meio, como abordagem pedagógica sobre a cidade e o urbano no ensino de Geografia Escolar.

5.3 MONUMENTOS E DOCUMENTOS: OLHARES SOBRE A