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Exportação dos excedentes de energia elétrica

3 ASPECTOS LEGAIS E REGULATÓRIOS

3.3 Conexão da central à Rede

3.3.6 Exportação dos excedentes de energia elétrica

Uma central de cogeração pode ser concebida, na maioria dos casos, para operar em paridade à demanda térmica ou à demanda elétrica do investidor (indústria, prédio comercial, etc.). Assim poderá haver a necessidade de complementação à carga de eletricidade, que deve ser contratada da distribuidora local ou de outro agente gerador, conforme explanado na seção 3.3.4, pág. 56.

Da mesma forma, poderá também haver sobras elétricas ao longo da operação de uma central de cogeração (ver figura 3-2, pág. 42), que podem ser sazonais ou contínuas, o que deve ser previsto já nos estudos de viabilidade do projeto, de acordo com as oportunidades de venda dos excedentes. Um bom exemplo é observado no setor de produção de açúcar e álcool no Brasil. Tradicionalmente, estas centrais de cogeração operam com sazonalidade entre os períodos de safra e entre safra. Durante o primeiro período, estas atuam com auto-suficiência térmica e elétrica. Já no período de entre safra, quando não há produção industrial e consequentemente demanda térmica, as mesmas tornam- se consumidoras de eletricidade para manterem suas cargas essenciais e seus sistemas de irrigação da lavoura. Atualmente, com alguns incentivos tarifários (ver item 3.4) e com o aumento do preço da energia, estas centrais observaram a oportunidade de mercado e passaram a ser, além de produtoras de açúcar e álcool, exportadoras de eletricidade, dada a grande disponibilidade do combustível bagaço de cana-de-açúcar.

Esta opção de venda de eletricidade pode ser a chave para a viabilização de muitos empreendimentos de cogeração, principalmente os que possuem baixo fator de uso ou grandes variações na demanda elétrica. Entretanto, a opção por vender os excedentes deve ser amparada pela devida outorga do poder concedente (vide seção 3.2, pág. 38).

A autorização para comercialização dos excedentes de uma central de cogeração é dada em conjunto ou separadamente da outorga para a produção de energia elétrica, concedida pela ANEEL, que poderá ser efetuada sob três formas:

 Exclusivamente para autoprodução – neste caso, a planta de cogeração poderá complementar a sua demanda elétrica com a rede, porém não poderá comercializar sua produção excedente de eletricidade. Assim, qualquer sobra injetada na rede será essencialmente perdida.

 Comercialização eventual e temporária de excedentes – não existe regulamentação sobre o montante nem sobre a duração desta autorização, que geralmente é válida por cinco anos, podendo ser renovada. Os excedentes de energia elétrica poderão ser livremente negociados.

 Comercialização permanente – esta autorização permite a livre comercialização da energia elétrica produzida pela central, e vigente até o término da outorga para exploração do empreendimento, geralmente válida por trinta anos. Este caso não exclui o auto-consumo do empreendedor, seja na própria planta ou remotamente (venda/ consumo remoto, ver nota nº. 2, pág. 10).

O setor elétrico brasileiro passou em diversas vezes por reestruturações em todos os seus segmentos, envolvendo a geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica. Desta forma, a partir de 2004, foi estabelecido um “novo modelo” para o setor, regulamentado pelo Decreto nº. 5.163/2004. Nesta concepção, foram estabelecidos dois ambientes distintos de comercialização de energia elétrica, os quais valem à pena novamente citar, agora para o caso de venda de energia: Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e Ambiente de Contratação Livre (ACL) (ver seção 3.3.4, pág. 56).

Atualmente, agora sob o ponto de vista da central de cogeração, há três opções para a venda da sua produção elétrica excedente.

Primeiramente, por meio dos leilões de compra realizados no âmbito do ACR. Estes leilões podem não ser a principal alternativa para a venda dos excedentes das centrais cogeradoras, mas são a grande fonte de compra das concessionárias de distribuição que integram o Sistema Interligado Nacional – SIN8 (pág. 43), que devem suprir seus mercados quase que exclusivamente a partir destes

leilões. Para a participação de uma central de cogeração na venda de energia elétrica nestes leilões, é necessário que se siga o procedimento específico de cada um, estabelecido pelo Ministério de Minas e Energia – MME e divulgado à época de sua realização. No caso do leilão realizado em dezembro de 2005, denominado de “leilão de energia proveniente de novos empreendimentos de geração”, destinado aos projetos de novas centrais ou à ampliação de centrais existentes, foram negociados um total de 2.278 lotes (correspondente cada um à potência de 1 MW médio) distribuídos entre os anos de 2008 a 2010, provenientes de 30 centrais termelétricas, dentre elas muitas de cogeração.

A segunda opção de venda dos excedentes das centrais de cogeração encontra-se no âmbito da geração distribuída (ACL), onde as concessionárias de distribuição podem suprir até dez por cento do seu mercado por contratos provenientes destes empreendimentos, desde que conectados diretamente ao seu sistema elétrico. Entretanto, o Decreto nº. 5.163/2004 definiu que o enquadramento de centrais termelétricas na modalidade de geração distribuída exclui os empreendimentos com eficiência energética inferior a setenta e cinco por cento. Isso excluiu de fato não só as centrais termelétricas de geração pura, mas também grande parte das cogeradoras. Os empreendimentos termelétricos que utilizem biomassa ou resíduos de processo como fonte energética não estão limitados a este percentual de eficiência energética.

Dada a irracionalidade desta exclusão, ficou evidente a necessidade de aprofundamento do tema para estabelecer uma regulamentação tecnicamente mais adequada às necessidades do país, principalmente quanto seguintes aspectos descritos a seguir:

A premissa que se deve considerar para incentivar a eficiência de centrais cogeradoras é a economia da fonte/combustível, ou seja, a exigência de que o consumo total de combustível deste cogerador seja inferior ao consumo de combustível que se teria numa configuração convencional, ou seja, que produza separadamente as mesmas quantidades das utilidades calor e eletromecânica. Neste sentido, as legislações existentes até então, nacionais e internacionais, são, em sua grande maioria, apoiadas no critério de qualificação baseada na taxa de economia da fonte/combustível ao invés da eficiência energética global. Todos os diplomas legais anteriores ao Decreto 5.163/2004

quando se referem à racionalidade energética em cogeração especificam “cogeração qualificada”, cuja matéria encontra-se regulamentada (ver seção 3.5, pág. 74).

Além disso, a eficiência energética global mínima de 75% na cogeração promove uma distorção: discrimina a produção da utilidade eletromecânica em favor da alta produção da utilidade vapor, pois se aproxima da eficiência típica de 80% da conversão direta da última e se distancia da primeira, com eficiência na faixa de 20% a 55%. E mais, uma qualificação baseada em limites para eficiência energética global só seria adequada se definisse os valores mínimos de rendimento para cada razão entre as utilidades calor e eletromecânica. Evidentemente, esta metodologia é trabalhosa e acabou sendo substituída pelo critério de qualificação mais simples e direto baseado na economia de fonte/combustível, conforme já regulamentado pela ANEEL, em sua Res. nº. 21/2000.

Também não há limite de potência instalada para as centrais térmicas serem classificadas como geração distribuída. Vale ressaltar que o Decreto nº. 5.163/2004 estabelece limite mínimo para as centrais hidrelétricas, ou seja, aquelas com potência instalada maior que 30 MW não podem ser classificadas como geração distribuída. Outro aspecto importante refere-se aos Procedimentos de Rede que fixam um limite para as centrais geradoras até 30 MW, que, em princípio, não se subordinam a despacho centralizado pelo Operador Nacional do Sistema - ONS. Desta forma, os critérios de enquadramento da geração distribuída devem ser revistos.

A terceira opção de venda dos excedentes de centrais de cogeração consiste na venda direta a consumidores livres6 (pág. 35), mediante contratos bilaterais livremente negociados. É importante

observar que o empreendedor não pode negociar uma quantidade de energia acima da capacidade de produção da central, nem vender o mesmo montante a dois compradores diferentes, uma vez que todos os contratos são homologados pela ANEEL.

É importante observar que o mercado de energia elétrica tem se modificado sensivelmente, deixando de ser essencialmente baseado no par consumidor cativo/ distribuidora, se diversificando cada vez mais ao longo do tempo. “A migração da condição de consumidor cativo para livre já começa a interessar a consumidores de médio porte, atraídos por tarifas diferenciadas. A perspectiva do realinhamento tarifário, com o fim dos subsídios cruzados, aquece o mercado das comercializadoras, que buscam melhores preços de energia e captam novos consumidores. Esse conjunto de fatores repercutiu neste mercado livre, onde 42,3% do consumo foram contratados com fornecedores outros

que não aquele da área onde o consumidor está localizado, demonstrando a dinâmica do processo de livre negociação.” (EPE, 2005, p.21)[20].

2002 2003 2004 38,7 13 2,8 0 10 20 30 40 Consum o (TWh) ano

Gráfico 3-2 Evolução do consumo dos Consumidores Livres (EPE, 2005)[20].

É impressionante o grande aumento do número de consumidores livres e da respectiva energia comercializada ocorrido nos últimos anos (gráfico 3-2 e Gráfico 3-3). Segundo a EPE[20], o mercado

passou de 2,8 TWh em 2002, para 13,0 TWh em 2003, chegando ao montante de 38,7 TWh em 2004, um incremento de quase 1300% em 2 anos.

No gráfico 3-3 pode-se observar a evolução mensal do consumo e do número dos consumidores livres, ocorrida no ano de 2004. Estas observações sugerem um novo nicho de mercado às centrais de cogeração, sendo necessária a quebra da “barreira tradicionalista” por parte dos empreendedores, em não se diversificar o negócio principal para agregar a venda de energia elétrica. Isso já foi observado pela indústria de produção de açúcar e álcool, que agora são produtores de açúcar, álcool e energia elétrica.

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jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

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Número de Consumidores Livres Consumo livre (GWh)

Gráfico 3-3 Evolução mensal do consumo e número de Consumidores Livres em 2004 (EPE, 2005)[20].