• Nenhum resultado encontrado

3. IMPACTOS ECONÔMICOS DA PIRATARIA

3.2. Efeitos Econômicos da «Pirataria»

3.2.3. Externalidades de Rede

Outro importante efeito da «pirataria», talvez até mais sensível que o primeiro, relaciona-se a ideia de externalidades de rede, ou «network effects», em que o valor de um produto aumenta, na medida em que aumenta a sua aceitação e uso pelos demais consumidores. Em outras palavras, a externalidade de rede faz com que o valor da unidade de um bem aumente a cada nova unidade vendida309.

O exemplo clássico de efeitos de rede é o do já anacrônico aparelho fax, que ganhava cada vez maior valor, à medida que era adotado por cada vez mais consumidores: Poucos aparelhos fax enviam e recebem poucos documentos de poucas pessoas. Muitos aparelhos fax enviam e recebem muitos documentos, de muitas pessoas, o que torna a aquisição deste instrumento de crescente interesse para novos consumidores.

Para o universo autoral, há toda uma gama de bens em que a lógica acima é perfeitamente aplicável. Seja autorizada ou não, é certo que cada nova cópia realizada de um bem protegido por direitos autorais poderá implicar em imediato aumento do seu valor, na medida em que seu alcance é ampliado perante o público. Assim, mesmo nas situações em que se realizam cópias ou transferência ilícita de ficheiros – e em alguns casos especialmente por essas razões –, a adoção maciça por um determinado tipo de bem poderá, ou até mesmo deverá, significar maior inclinação para aquisições legítimas por outros usuários. É o que se convencionou chamar de benefícios da «standarização».

Não à toa os benefícios da geração de «standards» foram tão amplamente utilizados no mercado de softwares, especialmente pela sua protagonista mais importante, a Microsoft.

A empresa de Bill Gates parece ter identificado que quanto maior era a «pirataria» de seu produto em âmbito residencial310, maior e mais significativa era sua adoção comercial: Os empregados das empresas já estavam familiarizados com o produto, sendo contraproducente treinar as equipes para operarem novo e desconhecido programa. Como a fiscalização de regularidade autoral no meio

309

Economides, N. (1995), 6. 310

Ainda que esse tipo de prática, especialmente quando relacionada a criação de «path dependencies», tenha levado à empresa a implicações com a lei americana «antitruste». Cfr. Araújo, F. (2005), 403.

empresarial é muito mais passível de ser realizada do que a fiscalização caseira, os empresários não titubeavam em adquirir corretamente as licenças de uso necessárias, compensando os investimentos feitos pela Microsoft na geração do bem.

O mesmo ocorreu (e ainda ocorre) com os editores e processadores de texto. Na mesma medida em que são mais «pirateados», mais se tornam o modelo primário de intercâmbio de arquivos de texto entre os usuários311 312, a exemplo do que isto significou para o mencionado fac-símile, há algumas décadas atrás.

Em outros casos, a ampliação do alcance do bem através da «pirataria» reverte aumento nas vendas lícitas, simplesmente por representar maior presença no mercado, cabendo a analogia de que, se aumenta-se o tamanho da torta, mesmo um pedaço menor poderá significar uma parte que é maior em termos absolutos313. Afirma-se ser esta a principal razão que leva, por exemplo, o escritor brasileiro best-seller Paulo Coelho, a não apenas propositalmente ignorar a «pirataria» de suas obras, como incentivá-la em declarações e dicas de onde encontrar os ficheiros ilegalmente reproduzidos.

Tudo isso é motivo para afirmar que as externalidades de rede significam hoje para os bens digitais e de informação o mesmo que as economias de escala significaram para a sociedade industrial de até então314.

Ressalva-se, entretanto, como faz o próprio Stan Liebowitz, que a perspectiva de retorno que o titular de direitos autorais obtém com externalidades de rede costuma ser exagerada e sobrevalorizada, ou ao menos que não se dá nas proporções alardeadas.

Em primeiro lugar porque tal regra de «standarização» e aumento de valor atrelado à adoção de produtos só seria viável em face de alguns poucos bens315 de informação, não sendo funcional para a restante maioria dos produtos intelectuais.

Em segundo momento, porque a adoção do produto «pirateado» não teria o condão de impactar positivamente na intenção de compra dos usuários legítimos,

311

Elkin-Koren, N. & E.M. Salzberger (2004), 44. 312

Ainda que isso possa conduzir a situações de ineficiência: Externalidades de rede, em alguns casos, podem tornar difícil a alteração de um standard inferior a outro superior. Cfr. Elkin-Koren, N. & E.M. Salzberger (2004), 44.

313

Liebowitz, S.J. (2003), 5-6. 314

Neste sentido Christiane Schatzl, cit. in The Allen Consulting Group, (2003), 122. 315

sendo mais coerente imaginar que, em alguns casos, reverteriam inclusive impactos negativos316 na intenção de compras desses usuários.

Para saber, enfim, se as externalidades de rede são realmente benéficas a determinado tipo de produto autoral, primeiro temos que descobrir se, em um cenário de maior proteção, os usuários «piratas» deixariam de proceder de modo irregular.

Na eventualidade de uma resposta positiva, os rigores de um copyright mais forte se mostraria medida eficiente, e reverteria muito mais incentivos diretos do que qualquer indireto benefício que efeitos de rede poderiam conferir.

No entanto, se for constatado que o enrijecimento do direito de autor apenas obsta que «piratas» travem contato com a obra, sem que se disponham a adquiri-la pela via legal, então estaríamos diante de medida absolutamente ineficiente. Nesse caso, utilizar-se das «network effects» em ambiente de alguma tolerância com a «pirataria» seria o economicamente mais adequado.

Como não dispomos de dados empíricos, não temos como formular uma resposta segura sobre o verdadeiro papel dos efeitos de rede no mercado de bens de direitos autorais. Não se pode, no entanto, ignorar os exemplos bem sucedidos onde sua aplicação na formação de «standards» e aumento da “superfície de contato” do bem culminam em mercados mais pujantes e com maiores capturas de incentivos pelos produtores.