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3. Fé: A realização processual do Amor

3.2 Fé, Mistério de Amor

“A fé cristã vive não só do facto de haver um sentido objectivo, mas também de esse sentido me conhecer e amar”134

O caracter pessoal da fé cristã é para o nosso autor a qualidade mais importante que esta pode apresentar. O crer em Ti, que sendo bastante diferente do crer em algo, define-a e identifica-a com uma pessoa.

Aquilo que é distante e intocável torna-se próximo e tocável, a Encarnação do Filho de Deus torna-se presença do eterno neste mundo com um amor que ama cada qual como uma dádiva inconcebível que torna a vida digna de ser vivida. A fé é este encontro do mundo com o Tu, que nos concede a eternidade, não como mera aspiração, mas como realidade concedida, exigindo ao homem uma confiança sem limites.135 Assim, a fé e a confiança cruzam-se com o

amor pois este confiar no Tu implica um entregar-se e estar com o outro. Para usar a

132 Cf. J. RATZINGER, “A Esperança,” 456-457.

133Cf. IDEM, No Princípio Deus Criou o Céu e a Terra, Cascais: Principia, 2009, 27. 134 IDEM, Introdução ao Cristianismo, 56.

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expressão de Ratzinger, implica uma revolução coperniciana na nossa vida, deixando-nos libertar do centralismo em nós mesmos e da ideia de que o outro gira à minha volta.

O egoísmo, que nos é apresentado como a grande antítese do amor, tem na fé um elemento essencial de superação. A fé é caminho para vencer a auto-satisfação e a presunção do homem, que padecendo de um certo défice de amor encontra na superabundância do amor de Deus o caminho que o conduz verdadeiramente a si próprio. 136 A vida, aparentemente

limitada, é humanizada pela fé, pois sendo laboriosa na caridade e forte na esperança torna-a a nossa existência plenamente humana pelo acolhimento da Revelação de Deus em Jesus Cristo.137

Desta forma a fé aparece como dom de Deus, como acto teologal, ela orienta a nossa existência, enquanto decisão fundamental ela tem efeito em praticamente todos os aspectos da nossa vida, não se reduzindo unicamente ao âmbito intelectual, à vontade ou só ao emocional. A fé abarca tudo isto de forma una, como um acto completo do eu, como que incluindo toda a pessoa na sua unidade e integridade. Estas características fazem da fé um acto altamente pessoal levando-a assim a superar o próprio eu, o transcendente e os limites do individuo. Esta superação de si mesmo torna o homem um ser com, pois na doação total ao tu do outro ele dá-se totalmente ao Tu de Deus. A fé faz com que renasça em mim o verdadeiro eu, pois graças a ela o homem abre-se à comunhão com Deus. Na Pessoa de Jesus Cristo tomamos parte da filiação divina. A fé é como que o olhar do próprio Jesus que nos permite ver aquilo que Ele vê, o ser Filho de Deus leva-o a ver continuamente o Pai e por ser homem inclui-nos nessa visão do Eterno.

No acto de fé está incluída a Encarnação de Deus, a economia salvífica que se radica no mistério humano-divino de Jesus Cristo, que entrando na história inaugura um novo Povo

136 Cf. J. RATZINGER, Do sentido de ser cristão, Cascais: Principia, 2009, 72. 137 Cf. BENTO XVI, Voltar para Deus, 3.

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de Deus, a Igreja, que se fazendo portadora humana da história da salvação é parte deste mesmo acto de fé. 138

De facto nós acreditamos no amor. Enquanto opção fundamental de vida o amor pode exprimir o mais puro modo de ser cristão, tendo sempre no horizonte a possibilidade radical proposta e vivida por Jesus, culminada na cruz e sinal de um Deus que se vira contra Si próprio levantando o homem e salvando-o.139

138 Cf. J.RATZINGER, “¿Qué Cree la Iglesia?”, Communio 15/2 (1993) 93-96. (Edição Espanhola) 139 BENEDICTUS PP. XVI, Deus Caritas est, 12.

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Capítulo III

Verdade e Liberdade: breve síntese da recepção do pensamento

de Joseph Ratzinger\Bento XVI.

“Se crer significa darmos um consentimento convicto a Alguém que oferece à nossa vida um fundamento estável de verdade e esperança – por força do qual nos conhecemos a nós próprios, agarramos o sentido da realidade e reconhecemos a nossa vocação e o nosso destino - então pela fé cristã esse Alguém tem o rosto de uma pessoa: é Jesus Cristo.” 140

Até este momento debruçámo-nos sobre aqueles que nos parecem ser os quatro pilares fundamentais do pensamento de Ratzinger: a verdade, a razão, a esperança e o amor.

A presença destes fundamentos, que são constitutivos da pessoa humana, no pensamento teológico do nosso autor confirma a sua opção por uma perspectiva filosófico- teológica personalista e existencialista que despontou nos inícios do século XX.

A ideia de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e cristãmente acreditado na Sua Trindade faz com que cada um de nós seja único e inigualável, ou seja, cada homem está inscrito de forma única no projecto de amor e verdade pensado por Deus e Revelado por Jesus.141 É aqui que entra a fé, ela entra no mais íntimo e pessoal, abarca a razão

e o coração, a ética e o conhecimento.142

Neste último capítulo, propomo-nos a percorrer o itinerário anterior na perspectiva de alguns autores que estudaram e estudam Ratzinger. Da ditadura do relativismo, que invade e petrifica o coração do homem, ao estéril cientificismo e ao medo da verdade, procuramos por fim abrir os horizontes de uma razoabilidade fecunda que cimentada no primado do Logos é para o homem sinal real do amor de Deus, Razão Criadora e Redentora.

140G. VIGINI, Guia para a leitura da obra de Joseph Ratzinger, Bento XVI, Cascais: Lucerna, 2012, 13. 141 Cf. P. BLANCO SARTO, “La Teología de Joseph Ratzinger, Temas centrales,” Revista catalana de Teologia

36/1 (2011) 265.

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