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Fabiana de moraes katia maciel

No documento Baixe o catálogo na íntegra. (páginas 46-50)

operação da escrita, sobretudo agora com o computador como instrumen- to de recortes e colagens infinitas. O modo poético de se dizer com forma e ritmo é fundamento das estratégias do cinema e do vídeo. Embora os re- cursos da poesia e da videografia se aproximem, precisamos lembrar o quanto há de irredutível entre uma palavra e uma imagem. O que se es- creve não representa o que se vê, é uma extensão do visível, ou com ele se relaciona. O que se complica quan- do pensamos o vídeo como uma for- ma do invisível.

FM

Em entrevista em 2012, você explica sua relação com escritas que prece- dem seu trabalho de realização de imagens. Cito sua fala:

“Maçã no escuro de Clarice Lispector, Um nenhum cem mil de Luigi Pirandello são títulos de dois dos meus trabalhos que não citam, ou adaptam a escrita, mas ge- ram uma imagem a partir das sensações experimentadas durante as leituras. No entanto, cada vez mais tenho percebido uma forma entrelaçada dos meus pró- prios textos poéticos com as imagens que invento, ou seja, vejo imagens nos poemas e poemas nas imagens. Como se a escrita tivesse muitos arranjos possíveis, encon- tros e desencontros entre as palavras e seus avessos, deslocamentos de sentidos, não sentidos, outros sentidos”.

Gostaria de que você comentasse os dispositivos que tem desenvolvido para multiplicar esses “arranjos da escrita” e a importância das ferra- mentas tecnológicas nesta fase de seu trabalho.

KM

A tecnologia dá acesso a fazeres po- éticos. Não é que o visitante ou es- pectador faça a obra, ao contrário, a responsabilidade pela abertura ao trabalho é sempre do artista e por ele controlada. Mas a tecnologia permite novos agenciamentos entre a obra e seu público e ainda novas arquitetu- ras de exibição. Poder configurar o espaço a partir da relação entre as imagens não deixa de ser uma escri- ta. Ondas: um dia de nuvens listradas vindas do mar conjuga projeções que ocorrem na parede e no piso. Ao en- trar na instalação o visitante dispara, por meio de sensores de presença, as ondas que invadem o piso. Na parede as ondas se acumulam progressiva- mente até parecerem nuvens empi- lhadas. Por isto faz parte do título a frase de James Joyce – um dia de nu- vens listradas vindas do mar. Alguns livros ou frases ou palavras me afe- tam tão profundamente que fazem nascer imagens e me lembram que afinal sou imagem entre outras ima- gens (como na Invenção de Morel de Bioy Casares).

FM

Em Suspense você evoca “níveis si- multâneos de narrativa”, num proje- to que conjuga poesia, foto, vídeo e dispositivo de interatividade. Qual é a importância de se pensar, hoje, os dispositivos que proporcionam essa experiência imersiva em níveis distin- tos de narrativa?

KM

Na série de obras que compõem a exposição Suspense os trabalhos se relacionam a partir de palavras ana-

lógicas ao universo do gênero cine- matográfico. Cartazes e caixas-po- emas expandem as possibilidades narrativas das instalações Vulto e Verso. Nas caixas, as palavras “luz” e “ar” se deslocam em função da par- ticipação dos visitantes, que acessam os dispositivos óticos, ampliando e se apropriando das circunstâncias da at- mosfera cinema. É uma forma Trans- cinema, um cinema fora da moldura da sala de exibição, um cinema de passagem experimentado no percur- so do espectador. A montagem, que no cinema de sala é realizada antes da presença do espectador, no cine- ma expandido das instalações se faz na relação do espectador com as ima- gens. É a relação que cria a forma. FM

A sua exposição da Maison Européen- ne de la Photographie, em 2014, levou o título Répétitions. No texto que você escreveu para a exposição, você afir- ma, entre outras coisas, que a ideia de repetição se manifesta na maioria de seus trabalhos, nos quais o tempo parece resistir ao tempo. O recurso ao loop nos vídeos seria, para você, a essência da poética que opera nas imagens que você realiza, constrói. Agora, você propõe Repetir é esquecer

o esquecimento. Para além do temor

diante do apagamento, também pen- so na repetição que age como “atu- alização”, como ato de agregação do novo, agregação daquilo que nos per- mite rever, reavaliar, transformar.Mas também existe aí uma experiência relacionada à “duração”, ao tempo de experimentação da imagem.

KM

Nesta exposição trabalhei com a ideia da dura- ção como repetição. Na instalação Autobiografia mostrei uma série de vídeos que temporalizavam a imagem de objetos ou ações, um copo que não para de encher, mas permanece pela metade (Meio cheio, meio vazio), uma maçã que está sendo cor- tada (Maçã no escuro), uma ampulheta que verte areia nas duas direções (Timeless), dados redon- dos que não param de girar (Círculo vicioso), todos em telas com formatos aproximados do tamanho real dos objetos e, no centro de tudo, uma mulher pendurada em uma estante de livros (Autobiogra- fia). Nestes trabalhos há o simultâneo de um tem- po que não para de se repetir. O loop é uma forma e não um recurso de exposição, o loop é a dobra do tempo na linguagem do cinema e do vídeo, é o que faz o girar de um tempo em que o início é o fim e vice-versa.

O verso Repetir é esquecer o esquecimento deu ori- gem a outro vídeo. Nele o verso passa lentamente em uma tela branca e ao final assistimos o branco da imagem como um apagamento do próprio es- quecimento. Afinal, como você se refere na per- gunta, repetir faz ver, repetir faz ver o que vemos e não vemos ao mesmo tempo. O artista sempre repete e sempre inventa no processo de repetição. Em 2001 realizei um trabalho intitulado Um, ne-

nhum e cem mil, baseado no romance homônimo

de Luigi Pirandello. Trata-se de uma interface in- terativa composta por dez rostos diferentes. Ao clicarmos em dois rostos, estes iniciam um diálo- go. As frases de cada personagem são as mesmas, sempre clichês amorosos, mas ao se relacionarem são mais do que repetições, logo um clichê que se soma a outro clichê não constitui necessariamente um clichê. E esta é a forma que os artistas encon- tram para gerar a diferença e o novo, repetir gera a duração e a variação de sentidos do tempo no espaço.

ISP

A narrativa move o seu trabalho como artista e a escrita entra como elemen- to fundamental. Como você constrói o seu processo criativo, onde as narra- tivas desencadeiam os trabalhos? LC

A narrativa das coisas possíveis é, para mim, meio que caminho. Se ela conduz as palavras que buscam o cur- so da imagem delas mesmas, enquan- to palavra e matéria, posso dizer que a narrativa é uma das minhas paisa- gens plásticas. Trazer o ato de narrar para o campo da arte, torna exposto um dos meus lugares mais íntimos: o lugar da escrita que é o descampado, onde estão os meus arquivos de afe- to, o avesso à rua, a gaveta dos guar- dados. Atravessamentos. Deles são os trabalhos, do trajeto entre o acervo e o espaço da arte.

Isabel sanson portella

No documento Baixe o catálogo na íntegra. (páginas 46-50)

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