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Fabiola: páginas moralizantes em terras paraenses

CAPÍTULO 3 FABIOLA: A MORALIZAÇÃO NAS PÁGINAS D’ A ESTRELLA DO

3.1. Fabiola: páginas moralizantes em terras paraenses

No século XIX, o ato de ler tornou-se cada vez mais comum entre as pessoas. Por esse motivo, a leitura passou a exercer grande influência na construção da identidade do leitor. Dessa forma, é na narrativa que o autor constata uma forma de transpor o real para a ficção. É por meio das histórias das personagens femininas do romance Fabíola que o enredo ganha vida, e é também em torno delas que acontecem as ações.

Neste capítulo faremos uma análise do romance Fabíola, sobretudo das personagens femininas Fabiola e Syra, objetivando observar o teor moralizante e religioso que a narrativa pretendia transmitir aos leitores, relacionando tais análises às práticas de leitura das mulheres do século XIX, mais especificamente em Belém.

O prefácio do romance Fabíola, assinado pelo autor, expõe os méritos da narrativa e justifica a publicação da obra, uma vez que no prólogo128, o religioso se debruçou em discursar acerca das verdadeiras virtudes cristãs, pois seu desejo era familiarizar o leitor com os usos, hábitos, sentimentos e espírito dos primeiros séculos do cristianismo, como demonstra a seguinte citação:

Na verdade, é desejado ardentemente que esta pequena obra, escrita exclusivamente para recreação, ser lido também como um relaxamento das mais graves perseguições, mas que, ao mesmo tempo, o leitor pode subir a partir da sua leitura com uma sensação de que seu tempo não foi perdido, nem a sua mente ocupada com ideias frívolas.129

Conforme apresentado na citação, entendemos que Wiseman objetivou fazer uma crítica positiva ao romance130, pois pretendia incentivar o leitor a ser virtuoso, já que a história da personagem Fabiola demonstrou que a moralização não é um acontecimento qualquer, mas aquele cuja ocorrência pesa perante à atitude de cada personagem quando exposta no ato da leitura, e assim, influenciar decisivamente o comportamento daqueles que entrassem em contato com a obra.

128Os prólogos funcionam ao mesmo tempo como área de confissão do autor e tentativa de sedução do leitor.

Servem, ainda, como guia para a leitura. Em busca de um público solicito, leitores e leitoras são tratados com reverência pelo autor e seduzidos por ele a seguir, como discípulos, as linhas de orientação traçadas no prefácio. SALES, Germana. Palavra e sedução: uma leitura dos prefácios oitocentistas. Tese de Doutorado. IEL, UNICAMP. Campinas, SP: 2003.

129WISEMAN, Nicholas. Fabiola. Lisboa. Livraria Internacional.1872, p. 10.

130Embora fonte de inconvenientes físicos, há leituras que valem a pena, enquanto outras são unicamente

perniciosas. Dentre estas, muitos incluem a leitura dos romances, tida como perigosa, pois faz com que se perca tempo precioso, corrompe o gosto e apresenta situações moralmente condenáveis. A leitura de romances traz à baila discussões de natureza ética, religiosa e intelectual, tanto mais acaloradas quanto mais se percebe a disseminação do gênero e sua influência sobre os leitores. ABREU. Márcia. Os Caminhos dos Livros. São Paulo. Companhia das letras. 2ed. 2012.p. 269.

A partir do século XIX, nota-se uma maior quantidade de romances adentrando a capital paraense, de origem francesa, portuguesa e inglesa e algumas obras extraídas de outros periódicos que não mencionavam nacionalidade ou autoria. Essas histórias nas quais os leitores facilmente se identificavam eram repletas de descrições e digressões. Apesar da intensa circulação das obras ficcionais, havia uma parcela de indivíduos que acreditava que tais narrativas possuíam um caráter subversivo, por exemplo, por incutirem na mente das moças um ideal de amor ligado à liberdade de escolha e a preceitos que a Igreja Católica não aprovava. Tal posicionamento deveria ser repreendido, pois não podia ser perdido de vista o ideal de sociedade que estava ligado ao matrimonio e sua indissolubilidade.

Diante disso, cabem as seguintes reflexões: no século XIX, era comum os jornais publicarem histórias de suicídio por amor, um sonho desfeito, o amor negado, a traição e a morte. Logo, os autores, assim como os editores dos periódicos, exploravam o potencial melodramático desses temas que se popularizavam em folhetins ao longo do século XIX. Dessa forma, foi construído um dinâmico mercado editorial, e como Belém tinha uma vinculação com Portugal, houve um crescimento sociocultural, cujas formas de sociabilidade aconteciam por meio das informações que eram compartilhadas nas páginas dos diários impressos.

A leitura dos textos ficcionais publicados n’ A Estrella do Norte demonstra um dos principais critérios de avaliação das narrativas presentes no periódico pesquisado, 1863-1869, era a abordagem de conteúdo moralizante131. Desse modo, havia a proposta da folha religiosa em seguir em sentido contrário às publicações veiculadas em outras páginas noticiosas, e assim expor ao público leitor os malefícios do romance132.

A leitura da narrativa indica a abordagem da moralidade como um dos critérios mais importantes na análise de romances publicados no periódico comandado pelo bispo Dom Macedo Costa. Esse enfoque na análise da moral relaciona-se com o processo de ascensão do gênero na Europa, o qual foi marcado por discussões acerca da pertinência da leitura de prosas ficcionais, muitas das quais se centravam na denúncia da imoralidade dos textos, como

131Os romances moralizantes publicados no periódico foram Ouro, A Convalescença e O Jogador (1863); A lâmpada do Santuário; A Benedicta (1864); Olderico ou O Zuavo, Pontifício (1866).

132A emergência do romance moderno foi acompanhada de admiradores, como Staël e Diderot, que elogiaram os

possíveis efeitos do gênero sobre o público leitor. Entretanto, esse ponto de vista estava longe de ser um consenso, pois houve também aqueles que o criticaram. Mas quem seriam estes últimos e onde poderíamos encontrar essas visões depreciativas do gênero literário que, ao longo do século XVIII, via seu público leitor aumentar? AUGUSTI, Valéria. O romance como guia de conduta: A Moreninha e Os Dois Amores. Campinas. 1998. 255 f.Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 1998, p. 75.

forma de condenar sua leitura e na defesa de seu conteúdo moralizante como estratégia para exaltar o gênero. As postulações de Márcia Abreu indicam que:

O Brasil recebeu não apenas os romances, mas os ecos das polêmicas que tanto animaram os europeus durante o século XVIII. Na Europa a difusão do gênero foi acompanhada de forte polêmica, opondo detratores e defensores da nova forma, brandindo argumentos estéticos, religiosos e morais. Aqui e ali pequenos textos publicados na imprensa brasileira repetiam argumentos empregados nas discussões europeias sobre o gênero.133

Valéria Augusti salienta também a importância do teor moralizante em detrimento ao próprio enredo desses romances:

A construção dos personagens, o cenário e a trama têm prioridade sobre a pregação moral que, neste caso, assume um papel secundário. Enquanto nos manuais de conduta o leitor encontra a exposição sistemática dos preceitos, nos romances ele os encontra dispersos ao longo do enredo, apresentados ao leitor por meio dos diálogos e comportamento dos personagens, assim como dos comentários que o narrador tece acerca dos mesmos. Entretanto, nessa dispersão é possível, segundo os críticos, perceber a “moral em ação”. Tal tarefa exige, sem dúvida, um trabalho minucioso de desvelamento. 134

Em relação à leitura de romances, existia a liberação apenas para romances prescritos pela autoridade religiosa, pois a igreja percebeu que para tentar combater obras subversivas e imorais, devia atacar tais obras com a própria publicação do gênero, mas apenas narrativas com conteúdos moralizantes e religiosos. O teor prescritivo desses romances, sobretudo de

Fabíola, será melhor desenvolvido no tópico seguinte que trata sobre o ofício do narrador da

obra.