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3 O PERCURSO MULTIMETODOLÓGICO

3.1 Da face epistemológica e sua integração com e entre a TSL e a TSD: a Pesquisa Qualitativa e a

Rios (2006/2007, p.67) advoga que “a integração entre os Novos Estudos do Letramento e a Análise de Discurso Crítica reside precisamente no encontro entre a face epistemológica da etnografia e as noções de contexto e prática social em Análise de Discurso Crítica.” O autor observa que embora a etnografia, tradicionalmente, não tenha se preocupado com a análise de texto e da interdiscursividade, ambas, a etnografia e a ADC, convergem quanto à investigação do contexto, quer societal, institucional e/ou situacional. Defende, então, que “contexto e prática social envolvem o texto e a língua numa configuração tão amarrada, que não deveríamos perdê-la de vista.” (RIOS, 2006/2007, p.67) Essa reflexão justifica e fundamenta a escolha tanto pela pesquisa etnográfica quanto pela qualitativa para meu trabalho de investigação, já que o que me interessa são as representações acerca das práticas sociais relacionadas ao estágio de estudantes universitários, mas, sobretudo, as representações dos discursos do letramento, ou seja, dos momentos discursivos que fazem parte dessas práticas a fim de desvelar as possibilidades e os constrangimentos da constituição desse espaço social que é o estágio como um espaço formativo e, por isso, emancipatório.

Desse modo, conforme definem Denzin e Lincoln (2006, p.17), “a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador e o observado, ou melhor, o pesquisador e o(s) participante(s) no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo”. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, que incluem as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as gravações e os lembretes, já que, segundo os autores, “qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da

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linguagem (...). Não existem observações objetivas, apenas observações que se situam socialmente nos mundos do observador e do observado – e entre esses mundos.” (DENZIN e LINCOLN, 2006, p.33).

A pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa sobre e para o mundo, o que significa que o pesquisador estuda o problema, a questão de pesquisa em seus cenários naturais, a fim de entender e interpretar os fenômenos a partir dos significados que as pessoas conferem a eles, já que, segundo os autores, um dos mais importantes objetivos do pesquisador das ciências sociais é “relacionar a pesquisa qualitativa às esperanças, às necessidades, aos objetivos e às promessas de uma sociedade democrática livre.” (DENZIN e LINCOLN, 2006, p.17). Para a presente pesquisa, um dos mais importantes objetivos é desvelar discursos naturalizados sobre o estágio e sobre o estagiário a fim de potencializar as possibilidades de efetivação do caráter formativo-emancipatório do estágio.

Essa abordagem é corroborada por Rios (2006/2007, p.66), que ao tratar sobre a pertinência da etnografia para estudos sobre a linguagem, sobretudo, da etnografia crítica para a ADC, assevera que a “etnografia introduziu nas ciências da linguagem uma dimensão epistemológica inescapável. Busca atores reais em eventos reais, utilizando códigos comunicativos reais com efeitos reais em mundos da vida reais.” O autor assinala que a etnografia constrói o conhecimento por meio do diálogo, já que é comunicação, comunicação entre dois sujeitos. Por isso a pesquisa etnográfica exige, defende o autor, “uma convivência mais ou menos extensiva com os participantes em seu meio. Exige também a atribuição de identidades para o pesquisador e para os participantes,” pois a interpretação dos dados do campo são reconstruções de sentidos de ambos, pesquisador e participante(s), as quais não são meramente aplicações de princípios interpretativos, essas reconstruções historicizam os dados, já que o “contexto mediador com suas significações no momento da coleta [e geração] de dados é parte integrante da interpretação dos dados.” (RIOS, 2006/2007, p.66)

A relevância da etnografia para a Análise de Discurso Crítica é também ressaltada por Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 61). Os autores salientam que a pesquisa analítica do discurso deve ser considerada como apenas um aspecto da pesquisa em práticas sociais, deve, pois, trabalhar integrada a outros métodos científicos sociais, sobretudo, à etnografia. Pois, como eles avaliam, “às vezes pode ser muito difícil ‘reconstruir’ a prática em que um discurso está localizado e conseguir o sentido apropriado de como o discurso figura nessa prática.”

Assim, dada à complexidade da realidade social, da qual eu, por fazer parte, tinha/tenho acesso como membro orgânico daquele contexto, visto que faço parte do corpo

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técnico da autarquia vinculada ao Ministério da Educação, a etnografia configurou-se como uma orientação metodológica obrigatória para minha pesquisa, mais que isso, uma exigência ética. Pois o problema social investigado, considerando as identidades construídas, reconstruídas e/ou desconstruídas no percurso da pesquisa e as implicações disso para as representações tanto dos participantes como da pesquisadora, exigia a historicização das reconstruções de sentidos, já que o contexto mediador é parte da interpretação dos dados, conforme elucida Rios (2006/2007). Não conduzir a pesquisa sob essa orientação seria, pois, desprezar as potencialidades desse construto para a investigação e negligenciar o trabalho de pesquisa.

As pesquisas sociais envolvem o estudo da coleta e da geração de dados de variadas naturezas, como: textos, artefatos que fazem parte das práticas sociais investigadas – que se referem, por isso, à primeira – e entrevistas, notas de campo, estudos de caso, grupos focais – que guardam relação com a segunda, pois os dados são gerados, provocados a fim de materializar representações acerca do problema pesquisado. Desse modo, o pesquisador das ciências sociais precisa se valer de uma ampla variedade de práticas interpretativas interligadas, a fim de tentar compreender melhor a complexidade da vida social. Por isso, como ressaltam Denzin e Lincoln (2006), a escolha das práticas da pesquisa depende das perguntas feitas e as perguntas dependem de seu contexto. Defendem eles que as ferramentas, as técnicas e as opções de práticas interpretativas a serem empregadas não são necessariamente definidas com antecedência, o que, em certo grau, coaduna com o postulado por Fairclough, para quem, as escolhas metodológicas não podem ser definidas a priori.

Os autores destacam que a pesquisa qualitativa, como um conjunto de atividades interpretativas, não privilegia nenhuma única prática metodológica; compreende, pois, inerentemente, uma multiplicidade de métodos e práticas que, paradoxalmente, não são inteiramente métodos e práticas próprios. O pesquisador qualitativo pode valer-se da análise semiótica, da análise da narrativa, da análise do conteúdo, da análise do discurso, de arquivos, até de estatísticas, gráficos e números, como também das abordagens, dos métodos e das técnicas da etnografia, das entrevistas, da pesquisa baseada em levantamentos e da observação participante, entre outras. Como assinalado por Denzin e Lincoln, 2006, p. 19, o uso de múltiplos métodos ou da triangulação “reflete a tentativa de assegurar uma compreensão em profundidade” das práticas sociais investigadas.

Evidencia-se, assim, mais uma vez, o potencial de integração entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa etnográfica e destas com as teorias sociais do letramento e do

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discurso. Particularmente, esse potencial e pertinência reafirmam-se a essa pesquisa, cujo foco é o significado representacional de textos. Ainda que, inevitavelmente, tenha investigado os outros dois significados, sobretudo, o identificacional, visto que, os três significados atuam juntos em textos. Como ressalta Resende (2009), os modos de agir, representar e identificar discursivamente estão associados às práticas sociais de que se participa e têm efeitos tanto na configuração de textos como na reprodução ou transformação dessas práticas.