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Facebook: movimento discursivo, conhecimento químico e posicionamento

6. O que demos a ver: a carnavalização, o movimento discursivo e o posicionamento dos

6.2. Facebook: movimento discursivo, conhecimento químico e posicionamento

A publicação que destacamos para esta análise foi feita pela professora que aqui será chamada de Natália que compartilhou com o grupo uma piada com humor químico, veja na figura 14.

Figura 14 - Movimento discursivo desencadeado pela piada – 1ª parte

A imagem apresenta a figura de um homem que parece ser Lavoisier junto das frases: O oxigênio e o potássio saíram para um passeio. Saiu tudo OK. Na publicação aparece uma chamada colocada pela professora: façamos como o O e o

K, OK?! Apesar que esse produto aí tá meio estranho. O que vcs acham?! A ideia

central da piada é utilizar as reações entre o gás oxigênio (O2) e o potássio metálico (K) que têm como produtos óxidos, peróxidos ou superóxidos de potássio de acordo com a concentração de gás oxigênio disponível. Os compostos obtidos são representados por combinações entre as letras K, símbolo do elemento potássio, e O, símbolo do elemento oxigênio. Assim poderemos ter uma fórmula geral para os compostos KxOy – os valores de x e y variam de acordo com o composto. Uma combinação simples entre essas letras nos dá o termo OK descrito na imagem. A piada nos diz: os átomos combinaram-se, a ligação iônica foi bem sucedida e os produtos obtidos, tudo está bem, tudo OK. A piada só fará sentido e será, minimamente, engraçada para quem compreender as representações para os dois elementos e o sentido positivo carregado pelo termo OK. Do ponto de vista químico, apresenta alguns problemas, além da antropormorfização das espécies químicas.

A postagem da piada parece estar relacionada tanto à vontade da professora de retomar assuntos já estudados como à posição de pesquisadora incomodada com o fato de seu objeto de pesquisa estar aparentemente “parado”. Esse incômodo está relacionado ao fato de que ela pensa que precisa ver enunciados serem publicados para ter sobre o que discutir em sua pesquisa. Assim, a pesquisadora anuncia que o grupo está meio parado. A professora encontra na piada contexto para retomar uma discussão feita em sala de aula sobre as fórmulas de substâncias químicas. Para isso compartilha com o grupo uma publicação da página As leis da física comprovam, para

zoeira não há limites. #2. Pelo próprio título da página já percebemos que as

publicações estão direcionadas ao humor. Natália considera que os estudantes tenham compreendido aspectos do conhecimento químico que os possibilitem discutir os conceitos químicos utilizados no enunciado proposto pela piada.

Em sala de aula, a professora já havia trabalhado com os estudantes a formação de cátions e ânions e as cargas elétricas que adquirem a partir da perda ou ganho de elétrons. Também discutiu a combinação entre estas espécies que leva à formação de compostos eletricamente neutros.

A professora retoma um conceito já trabalhado em sala de aula, alguns meses antes dessa postagem e busca nos estudantes uma resposta, que não demora a vir e que ela já conhece. A professora utiliza uma memória de futuro, algo que ela sabe que

virá. Entretanto, para que a resposta desejada apareça ela direciona a partir de suas palavras a formação das contrapalavras dos estudantes.

O discurso [...] está imediato e diretamente determinado pelo discurso- resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a, e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do ‘já-dito’, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado. Assim todo diálogo é vivo (BAKHTIN, 1993, p.89).

A intenção da professora é retomar um conceito já estudado e não somente rir com a piada. Ela espera que os estudantes percebam o erro na proporção entre os elementos potássio (K) e oxigênio (O) na fórmula do produto da reação descrito na piada. Para isso, utiliza as respostas dos estudantes e lança novas perguntas para que eles apresentem explicações. Arthur e Lucas em suas respostas iniciais (2, 3) percebem o erro apontado pela professora, mas não dão uma resposta correta e imediata. Isto contraria a expectativa da professora e evidencia que a incorporação do discurso químico por estes estudantes está em andamento. Nesta primeira parte da interação percebemos a elaboração de sentidos para o entendimento da piada pelos estudantes. Quando a professora publicou a piada, provavelmente considerou que os alunos teriam elementos para responder sua pergunta utilizando da linguagem química adequada. Entretanto, vemos que isto não aconteceu. O Facebook nesse caso serviu como espaço/instrumento avaliativo e de retomada do que não ficou aprendido como esperado pela professora. Não é a avaliação formal como se faz na sala de aula: ensina, testa, corrige. Nos turnos iniciais, 2 e 3, Arthur e Lucas respondem à professora, mas não dão a resposta correta. A professora continua a questioná-los sobre a fórmula do produto indicado na piada como um meio de guiá- los até a resposta correta. Durante esse processo, os estudantes acionam discursos a que tiveram contato anteriormente. Lucas explicita parte do caminho para a elaboração de sentidos feita por ele. De início fala sobre as regras de formalização da escrita química cátion vem primeiro na fórmula (7). Em seguida, diz sobre as espécies químicas importantes a esse contexto (K+ é um cátion monovalente e O2- é ânion

bivalente) e por fim apresenta a fórmula para o produto proposto pela piada, KO2.

Quando o aluno registra a fórmula KO2 condensa inúmeros sentidos e discursos químicos. Entretanto, a resposta por ele apresentada não está correta. O estudante com suas respostas foi gradualmente aumentando a complexidade de seu raciocínio.

Um aspecto interessante de ser destacado é que Lucas no momento da interação estabelecida estava morando em Portugal, entretanto o estudante que faz uso do português de Portugal é Arthur. Ele o faz para brincar com Lucas que parece não gostar da brincadeira e deixa isso claro. A diferença nas línguas incomoda Lucas que chegou a ser punido com perda de pontos por utilizar os termos químicos aprendidos no Brasil. Para Lucas, o idioma a ser utilizado no contexto do grupo em que os participantes são todos brasileiros é português do Brasil. É uma regra implícita, mas ele não a segue na escola que estava frequentando em Portugal e por isso é punido. Nestes, e outros trechos, ficam evidentes aspectos da carnavalização. Mesmo inseridos em um momento mais sério de discussão de questões químicas com a professora, os estudantes fazem brincadeiras, provocações, reclamam das regras da língua, transgridem a formalidade muitas vezes adotada em interações escolares. O Facebook é um espaço em que a informalidade é permitida. A própria professora utiliza dessa informalidade ao dirigir-se aos estudantes utilizando palavras abreviadas,

emoticons e brincadeiras (16).

A professora no turno 15 dá por encerrada a questão sobre a fórmula do produto. Ela não percebeu durante as leituras dos enunciados que Lucas deu uma resposta incorreta e prossegue com as perguntas. Alguns posts adiante, Gabriel começa a participar da discussão (22) e mostra aos demais participantes que a fórmula correta para o composto em questão é K2O. Mas, diz de forma mais retraída. Provavelmente, porque com sua resposta está sobrepondo ao discurso dos colegas e também da professora e contrariando ao dito por eles até então, Figura 15.

Figura 15- Movimento discursivo desencadeado pela piada – 2ª parte

O interessante desta passagem é que não podemos afirmar que o Gabriel estava acompanhando a discussão desde o início, mas não teve interesse de participar até aquele momento. Se não for essa a situação, o Facebook permite-nos congelar o tempo-espaço das nossas interações e o estudante teve acesso a um tempo que já passou para aqueles que já estavam participando da discussão. Em turno seguinte, Lucas apropria-se do discurso de Gabriel (24) e repensa a sua resposta dada há alguns minutos. A professora pede que voltem lá em cima nos posts “congelados” para todos repensarem uma questão que estava resolvida até aquele momento. A professora encerra a discussão sobre a fórmula afirmando qual é a correta.

Em um momento seguinte retorna a discussão da questão apresentada por Arthur para o escurecimento da banana. Os estudantes levantam algumas hipóteses

sobre a queima do potássio e fazem uma analogia com a queima da fita de magnésio - um experimento feito em sala de aula. Os estudantes relembram o fenômeno e a equação química que o representa (turnos 34 e 35). A apresentação de fenômenos e da experimentação é algo importante para a professora. E mostra-se também importante para os estudantes que utilizam de sua memória ao referir-se à queima da fita de magnésio, experimento realizado por eles.

A professora também apresenta o fenômeno para o grupo quando busca por um vídeo. A piada abrange o aspecto representacional da química, enquanto o vídeo contempla o fenômeno ao qual a professora valoriza em suas atividades. Ela posiciona-se de forma a mostrar para os estudantes que da mesma forma que ela pode buscar na internet por materiais que a ajudem a compreender os fenômenos, eles também podem. A professora fecha essa parte das interações explicando sobre os superóxidos aos alunos

Em diversos turnos, os participantes conversam sobre a troca de chocolates como prêmios. Os participantes brincam nesta troca de mensagens e acionam outras publicações feitas por eles em meses anteriores. A carnavalização faz-se presente novamente. Estudantes e professora riem da piada, barganham chocolates por repostas. O formal foi posto de lado em diversos momentos, pela professora e pelos estudantes.

Apenas por essas passagens que aqui apresentamos, demos a ver as presenças de diversos discursos participando deste diálogo, a discussão de importantes conceitos químicos, a incorporação em andamento da linguagem científica pelos estudantes e os posicionamentos dos participantes que entram com falas características de interações em sala de aula, mas também entram apenas para rir em grupo, para descontrair.

Neste episódio demos visibilidade à dimensão da dialogia no ambiente virtual do Facebook. A partir da análise percebemos a potencialização da interação entre professores e estudantes pelo Facebook. Este espaço híbrido abre possibilidade para interações informais, ao mesmo tempo em que mantém as posições dos sujeitos. A professora assume seu papel de professora e os estudantes o papel de estudantes. Temos um exemplo de como o Facebook pode funcionar como extensão da sala de aula ao possibilitar que aspectos do conhecimento químico circulem de forma mais

descontraída, sem que o tempo seja um empecilho, sem obrigatoriedades. O tempo- espaço dessas interações permaneceu preservado nas publicações e podem ser revisitados sempre que algum membro do grupo deseje, algo que a sala de aula não nos possibilita. Embora seja outro espaço de aprendizagem, ele se conecta essencialmente à sala de aula funcionando não só como complemento, mas como continuidade, retomada e aprofundamento da aula.

As análises também dão visibilidade à dimensão da produção de contrapalavras daqueles que participam do grupo expressando sua posição de forma escrita e daqueles que acompanham sem se manifestar, pois em silêncio também produzimos contrapalavras.

7. Como os estudantes vivenciaram a experiência de uso do