• Nenhum resultado encontrado

AS FACES E OS DISFARCES DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS NO SISTEMA DE CONTROLE SÓCIO-PENAL

No documento MARIA LIDUINA DE OLIVEIRA E SILVA (páginas 170-200)

... o que a gente deseja mesmo é que as crianças [e os adolescentes] estejam se divertindo e possam vir a ser um pouquinho mais felizes.

Rubem Alves

Neste capítulo, nosso objetivo é fazer um estudo crítico das medidas sócio- educativas previstas no ECA, a partir das pesquisas empíricas que foram realizadas nas legislações (Código de Menores, Código Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente) e nos autos processuais das Varas Especiais da Infância e da Juventude (VEIJ) e do Departamento de Execução da Infância e da Juventude (DEIJ), sediadas no Fórum das Varas Especiais da Infância e da Juventude. Este estudo permitiu descobrir e desvelar concepções e intervenções de cunho tutelar assistencial nas medidas sócio-educativas bem como explicitar a existência de um jogo entre sua natureza punitiva e sua pretensa finalidade sócio- educativa. Este conjunto de descobertas, ao revelar semelhanças, diferenças e ambigüidades, recebe neste capítulo o nome de faces e disfarces das medidas sócio-educativas, que tem como sustentação o controle sócio-penal dos adolescentes com processos infracionais. De imediato, cabe ressaltar que a base empírica desta pesquisa (legislação e autos processuais) constitui-se como fonte inesgotável de dados o que, certamente, exigiu, mesmo com várias perdas, um recorte de análise na direção do objeto e dos objetivos propostos nesta tese.

A priori, é necessário mencionar que, do ponto de vista da filosofia jurídica, as ‘medidas sócio-educativas’ previstas no ECA surgiram diferenciando-se das medidas de ‘assistência’ e de “proteção” do Código de Menores, cuja aplicação partia do antigarantismo, do poder discricionário dos juízes e da jurisdicização das questões sociais, ficando os “menores em situação irregular” completamente “reféns” das medidas ‘assistenciais’ deste Código. Desta forma, as medidas ‘sócio-educativas’ não são aplicadas aos adolescentes por atos anti-sociais, mas

sim, porque eles respondem por um ato antijurídico de natureza criminal, haja vista que o Estatuto é um instrumento garantista, que contempla o devido processo legal.

Apesar desta diferença, as medidas ‘sócio-educativas’ e as ‘assistenciais’ ainda guardam entre si semelhanças em termos conceituais e operacionais, como vai ser demonstrado ao longo deste capitulo. Neste sentido, a mais notável das semelhanças é que o ECA manteve todas as medidas do Código de Menores, acrescendo apenas as de ‘obrigação de reparar o dano’ e de ‘prestação de serviços à comunidade’, que, por sua vez, já faziam parte das penas alternativas do Código Penal87.

Diante disto, é visível a falta de inovação do Estatuto quando, por um lado, se manteve preso aos mesmos tipos de medidas de uma legislação esgotada historicamente e, por outro lado, adotou medidas semelhantes às penas alternativas do sistema penal. Assim, elas se revestem dos disfarces assistenciais e protetivos do Código de Menores e dos disfarces educativos e punitivos do Código Penal para encobrirem sua própria face, que é a operação do controle sócio-penal dos adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educativa por ato infracional.

É válido reforçarmos que as ‘medidas sócio-educativas’ são aplicadas somente para os adolescentes em ‘conflito com a lei penal’, diferentemente das ‘medidas de assistência e de proteção’ que se destinavam a todos os ‘menores em situação irregular’, independentemente da criança ou do adolescente ter cometido ato infracional ou não. Foi o Estatuto que criou dois tipos específicos de medidas para intervenções sócio-jurídicas diferenciadas, ou seja, para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e para adolescentes com prática de ato infracional.

87 O Código Penal (Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940), passou por uma reforma que resultou na Lei

7.209 de 11 de junho de 1984. Nessa reforma, foram incluídas algumas recomendações da ONU, como a inclusão das chamadas penas alternativas, que têm a denominação de penas restritivas de direitos.

Assim, no ECA88 existem as ‘medidas sócio-educativas’ (art. 112), destinadas aos adolescentes (art.2) em conflito com a lei, que se “diferenciam” das ‘medidas específicas de proteção’89 (art. 101), destinadas a crianças e adolescentes que se encontravam nas chamadas ‘situação de risco pessoal e social’ (art 98). Estas últimas medidas também são destinadas às crianças (art 2) que tenham praticado ato infracional (art. 105).

O exame do Estatuto e dos autos processuais demonstrou que a relação entre estas duas medidas é muito tênue, tensa e passível, no mínimo, de ambigüidades e de difíceis compreensões e/ou soluções. Visando a alcançar uma maior compreensão sócio-jurídica da relação entre estas duas medidas, questionamos até que ponto elas se diferenciam principalmente no que se refere aos que cumprem medidas sócio-educativas. Pois, para estes adolescentes, o art 112 no seu inciso VII90, basicamente, anula esta suposta “diferenciação”, quando regulamenta que os adolescentes em situação de infração também podem receber quaisquer das medidas específicas de proteção, exceção feita às medidas de abrigamento e de colocação em família substituta. Então, podemos dizer que este inciso aproxima os termos desta “diferenciação” tendo em vista que o adolescente em conflito com a lei, como qualquer criança ou adolescente em “situação de risco pessoal e social” ou, ainda, como qualquer criança de até 12 anos que cometeu uma infração, pode receber medidas específicas de proteção.

88 As medidas de proteção estão descritas no ECA, no livro II, isto é, na parte especial, sob o título II (Das

Medidas de Proteção). O capitulo I trata das disposições gerais, onde o art. 98 deixa claro que “as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados: I- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III- em razão de sua conduta”.

89 Nesta tese, usamos a expressão medidas específicas de proteção para o que se popularizou chamar de

medidas de proteção (protetivas), pois, parece que o ECA, apesar da ambigüidade, também considera as medidas sócio-educativas fazendo parte das medidas de proteção quando as trata no contexto do artigo 98º, III e do art 101º, exceção feita nos itens VII e VIII, o que também é ratificado no seu art 112º.

90 Art 112, VIII - qualquer uma das medidas previstas no art.101, I a VI. No titulo II, capitulo II (Das

medidas específicas de proteção), o art. 101 define que “verificada qualquer hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II- orientação, apoio e acompanhamento temporários; III- matricula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI- inclusão em programa oficial ou comunitário, de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII- abrigo em entidade; VII- colocação em família substituta. Parágrafo Único – o abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade”.

O encaminhamento desta questão aponta para outra interrogação, que se faz presente, como é possível, a partir do espírito do ECA, que uma criança que cometeu um ato infracional receba uma medida, mesmo que especifica de proteção, sem o devido processo legal? Entendemos que se trata de uma questão ambígua, considerando que, segundo o ECA, é exatamente o devido processo legal, o contraditório, que é a base da defesa de quem cometeu um ato infracional. Com essa determinação o ECA não estaria retornando as medidas assistenciais do Código de Menores nos processos de crianças infratoras, já que dispensa o devido processo legal? Isto posto, compromete-se a “diferenciação” entre as ‘medidas especificas de proteção’ e as ‘sócio-educativas’. Nos parece que esta ‘indiferenciação’ conduz a uma aproximação com as medidas assistenciais do Código de Menores em que tanto crianças como adolescentes não usufruíam do devido processo legal e, por isso, recebiam medidas assistenciais.

Aprofundando um pouco mais esta relação de continuidade entre as ‘medidas assistenciais’ do Código de Menores e as ‘sócio-educativas’ do ECA, identificamos que existe outra semelhança que ultrapassa a situação de crianças que cometeram ato infracional, abrangendo também adolescentes com restrição de liberdade. É uma análise conceitual que pode ser ratificada pelos artigos 110 e 186 § 2º do ECA, quando estes parecem dispensar o advogado (defensor) para os adolescentes cuja infração indica medidas sócio-educativas em meio aberto, já que assegura a presença do advogado (defensor) apenas para aqueles que cometeram um ato grave “possível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semiliberdade”. Estes artigos, apesar de se complementarem, são contraditórios com o conteúdo do próprio ECA (que definiu crianças e adolescentes como ‘sujeitos de direitos’ e a infração como uma categoria jurídica, portanto, é a partir do ato infracional que o adolescente poderá receber uma medida sócio-educativa), e fundamentalmente, abrem uma enorme lacuna, parecendo tratar as medidas em meio aberto como assistenciais, haja vista que prevê o devido processo legal apenas para os adolescentes que estão privados de liberdade (art 110). A partir daí, podemos interpretar que a aplicação de quaisquer medidas sócio-educativa em meio aberto pode ser feita sem provas

de culpa, sem a devida defesa, sem o contraditório, ou seja, parece que foram eliminadas as garantias processuais para os adolescentes que, tendo processo por infração, não são passíveis de cumprir medidas de semiliberdade e de internação. Assim, as medidas em meio aberto “podem compor” o ‘indevido processo legal’ e as medidas privativas de liberdade “compõem” o ‘devido processo legal’.

Existe uma outra contradição implícita no artigo 114 do ECA, ao dispensar provas suficientes de autoria e materialidade da infração para aplicação da medida sócio- educativa de advertência ou de outra medida em meio aberto quando aplicada conjuntamente com remissão (art. 127 do ECA). Dentro da filosofia que norteou a criação do ECA a exigência da prova de materialidade e autoria deveria ser condição absolutamente indispensável para aplicação de qualquer medida sócio- educativa. Portanto, trata-se de uma contradição implícita, porém, central quanto ao espírito dessa lei. As ambigüidades estão presentes desde sua concepção, passando, sobretudo, pelo campo operacional da aplicação das ‘medidas sócio- educativas’, onde aparecem os maiores nós críticos de aplicabilidade da lei. Estas ambigüidades conduzem e/ou dão margem para interpretações localizadas no campo das ‘medidas assistenciais’.

A visibilidade que a pesquisa possibilitou com relação às semelhanças existentes entre estas duas medidas desvelou os disfarces da concepção assistencial presente nas ‘medidas sócio-educativas’. Diante disto, é possível inferirmos que as ‘medidas sócio-educativas em meio aberto’ guardam uma certa influência e conteúdo das ‘medidas assistenciais’ do Código de Menores. Em síntese, pontuamos que as semelhanças nos levam a pensar que ainda hoje, existe uma concepção tutelar assistencial nas medidas sócio-educativas em meio aberto.

Estabelecida estas ‘semelhanças’, é importante retomarmos as ‘diferenças’. Estas diferenças estão enraizadas, basicamente, no paradigma da ‘proteção integral’ que dá sustentação ao ECA. Este paradigma traz as garantias processuais e a concepção de adolescente como ‘sujeito de direitos’, a partir do qual pode ser responsabilizado penalmente, conforme abordado no capitulo 5. Em outras

palavras, esta responsabilização tem aporte no Código Penal que traz o disfarce ‘educação’ e ‘punição’.

Em São Paulo o sistema de responsabilização penal juvenil é operacionalizado pela administração da justiça juvenil, que está localizada no Fórum das Varas Especiais da Infância e da Juventude, abrangendo as Varas Especiais da Infância e da Juventude (VEIJ) e o Departamento de Execução da Infância e da Juventude (DEIJ). Sobre este sistema de administração da justiça juvenil Amaral e Silva diz:

Impõe-se assumir o novo modelo do Estatuto responsabilizante e garantista, o que implica desmistificar o caráter exclusivamente protetor das medidas sócio-educativas, reconhecendo a índole punitiva que lhe é imanente. Punição pedagógica, justa e adequada, sem caráter vexatório, constrangedor, humilhante (1998: 61).

Desta forma, no contexto filosófico e jurídico de ECA, a medida sócio-educativa é uma resposta oficial do Estado, diante de uma conduta juridicamente reprovada pela prática de um ato infracional - tipificado como crime no Código Penal - praticado por um adolescente, na faixa etária entre os 12 e os 18 anos incompletos. Daí, a medida sócio-educativa:

...impõe-se coercitivamente ao cidadão, enquanto expressão do poder estatal – interferindo em sua esfera de liberdade individual – a medida sócio-educativa também terá um impacto aflitivo que funciona na prevenção geral. (FRASSETO, 1999:167).

Diante deste aspecto coercitivo e punitivo, vem à tona a “antiga” e “eterna” polarização das concepções “educativas” e “punitivas” que tem alicerçado historicamente as legislações de atenção à infância e à juventude. Esta polarização permanece no ECA, nos remetendo a uma reflexão, no sentido da importância de compreendermos qual é a natureza e a finalidade das medidas sócio-educativas. A resposta a esta questão não é simples, é bastante complexa. Trata-se de uma discussão polêmica e de grande divergência entre aqueles que operam o sistema de administração da (in)justiça juvenil, entre os estudiosos, entre os técnicos e entre os militantes dos direitos infanto-juvenis. A partir daí, podemos perceber que há diferentes interpretações sobre a natureza e a finalidade das medidas sócio-educativas, oriundas de diferentes visões e perspectivas jurídicas, sociais e políticas.

Como aporte dessa reflexão tomamos os relatores do ECA, como o desembargador Amaral e Silva (1998a;1998b), o consultor jurídico Seda (1999) e o educador Costa (1990, 1998a) bem como o consultor jurídico Mendez (2000; 1998; 1996; 1993) Todos estes autores defendem, a partir do ECA, que a natureza da medida é de conteúdo coercitivo, sancionatório e punitivo, argumentando que é o ato infracional que justifica a aplicação da medida sócio- educativa, porque é uma medida que é imposta pelo Estado, não dependendo da vontade dos adolescentes nem dos seus familiares. Além disso, sua natureza é ligada à violação de uma regra jurídica devidamente regulamentada pelo Código Penal. É inegavelmente sancionatória, punitiva, ou seja, retributiva, porque tem conteúdo de controle sócio-penal, no qual o Estado intervém sobre a pessoa do infrator, coibindo-o e/ou tentando persuadi-lo para que ele não infracione novamente.

Estes diferentes autores - cada um a sua maneira e de acordo com sua formação - vêm contribuindo com essa discussão. Dentre estes, basicamente, utilizaremos os autores Sêda (1999, 2000) e o desembargador Amaral e Silva (1998a, 1998b) porque ambos têm artigos que tratam especificamente sobre a natureza das medidas sócio-educativas, dando elementos para sua compreensão.

Seda (2000) no seu artigo “Os jovens: não punir sem dizer que” nos ensina que não se pode aplicar uma medida sócio-educativa a quem não praticou um ato infracional, bem como, que não se pode punir sem dizer por que se esta punindo. Neste sentido, a medida sócio-educativa é uma ‘imposição’ do Estado e não uma ‘opção’ do adolescente. Este mesmo autor em outro artigo “Os eufemistas e as crianças no Brasil” (1999) também mostra que o ECA, na parte que regula o ato infracional, é lei do tipo criminal e não civil, como pensam os eufemistas: assim, como as penas criminais, a obrigatoriedade de aplicação das medidas sócio- educativas é decorrente de uma punição/sanção, que exerce o controle sócio- penal em face da restrição ou privação da liberdade, em defesa da ordem social.

Nessa mesma perspectiva o desembargador Amaral e Silva (1998a, 1998b) explicita a diferença existente entre a natureza e a finalidade das medidas sócio- educativas. Para ele a natureza é punitiva, pois,

...as medidas sócio-educativas são jurisdicionalizadas para a garantia dos direitos do adolescente, por isso que a resposta, mesmo nas hipóteses de simples restrição de direitos, como na liberdade assistida, tem inescondível caráter punitivo, retributivo. (AMARAL E SILVA. 1998b: 64).

No entanto, ele entende que a finalidade das medidas sócio-educativas não é a punição e sim, educativa uma vez que argumenta que seu cumprimento não é meramente de contenção, de punição e sim pedagógico ao reconhecer que sua finalidade é educativa “por serem sócio-educativas, diferente das penas criminais no aspecto predominantemente pedagógico e na duração, que deve ser breve, face o caráter peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento”. (Amaral e Silva, 1998a: 12). Mesmo considerando que a finalidade é sócio- educativa, este autor lembra seus aspectos punitivos: “embora de caráter predominantemente pedagógico, as medidas sócio-educativas, pertencendo ao gênero das penas, não passam de sanções impostas aos jovens” (ibidem: 13). Portanto, segundo o desembargador Amaral e Silva, não se deve negar a natureza punitiva das medidas sócio-educativas sob pena de cair no direito menorista. Por isso: “O grande avanço será admitir explicitamente a existência da responsabilidade penal juvenil, como categoria jurídica, enfatizando o aspecto pedagógico da resposta como prioritário e dominante” (ibidem).

Nesta discussão, cria-se um impasse entre a natureza (essência) e a finalidade (objetivo) das medidas sócio-educativas. Ao nosso ver, entendermos que a natureza das medidas sócio-educativas passa necessariamente pela sua finalidade (objetivo) e vice-versa, estando ambas diretamente imbricadas. Diante disto, por um lado, concordamos com o desembargador quando argumenta que a natureza da medida é ‘coercitiva, sancionatória e punitiva’, por outro lado, entendemos que sua finalidade (objetivo) não se restringe ao caráter ‘sócio- educativo’, mas tem caráter coercitivo, sancionatório e punitivo’. Em outras palavras, a natureza (essência) e a finalidade (objetivo), simultaneamente,

integram e são decorrentes do direito penal juvenil que regulamenta os atos infracionais como de natureza criminal (e não civil), antijurídica (e não social).

Assim, a finalidade é decorrente da natureza das medidas sócio-educativa, com vistas a alcançar, simultaneamente, a punição (retribuição) do adolescente e a defesa da sociedade, em sintonia com os fins do direito penal juvenil.

Frasseto nos lembra que:

...não é porque a violação da norma penal foi praticada por um adolescente que o organismo social pode prescindir de coibi-la. A necessidade de segurança é vital, de forma que a prática de um ato equiparado a crime faz nascer uma pretensão estatal de defesa da sociedade. A medida sócio-educativa, enquanto respostas à ação ilícita, vai cumprir este papel, impondo-se coercitivamente ao transgressor como instrumento para sua socialização ajustada. (1999: 166).

Neste sentido, a punição pela violação da norma jurídico-social é uma finalidade que o direito penal juvenil busca alcançar, o que determina o seu caráter impositivo e retributivo face ao adolescente que cometeu um ato infracional. Assim há

...uma falsa dicotomia entre pena e medida sócio-educativa. Ambas objetivam a defesa da sociedade através da educação e da ressocialização do infrator. Ambas constituem respostas legais e oficiais a um comportamento individual indesejável tipificado como crime. Ambos visam a refrear a reincidência, submetendo o transgressor a um programa coercitivo de aprendizado, o qual funciona como resposta punitiva, no sentido behaviorista do termo. Ambas atuam, assim, na prevenção geral, desestimulando condutas que eliciam tais respostas punitivas do Estado. [...] Neste passo, inviável afirmar-se que a pena é sócio-educativa e que a medida sócio-educativa é punitiva. Seus objetivos são os mesmos: defender a sociedade das condutas criminosas através da prevenção geral e da educação e ressocialização do infrator (ibidem: 167).

Frasseto nos esclarece que tal como as penas, as medidas sócio-educativas têm por finalidade a prevenção social, a proteção dos bens, estando ela a serviço do patrimônio e da defesa da sociedade. “Os jovens em conflito com a lei (o Estatuto) - decorrência de condutas penalmente reprovadas - têm responsabilidades que podem ser definidas como pena” (Amaral e Silva, 1998: 13). Diante disto, nos parece que fica evidente que as medidas sócio-educativas são aplicadas em defesa do meio social e não do adolescente, deixando claro que sua natureza e

sua finalidade é coercitiva, impositiva e punitiva, como é também no direito penal. Pois, a “missão do direito penal defende (a sociedade), protegendo (bens, ou valores, ou interesses), garantindo (a segurança jurídica, ou a confiabilidade nela) ou confirmando (a validade das normas); ...” (Batista, 2001: 111) para assegurar o controle de uma sociedade desigual.

A prevenção geral da ordem patrimonial é o caráter prioritário da punição, que está respaldada pelo propósito da reinserção social do indivíduo, no qual ele é “educado” a respeitar os valores contidos no contrato da sociedade expresso nas leis. Assim, o adolescente em cumprimento de uma medida está a serviço de um objetivo que está para além da sua pessoa, isto é, que visa a proteção dos bens, a segurança e a defesa da sociedade. Nesse sentido, a finalidade das medidas sócio-educativas tem “a tendência patrimonialistica e a lógica de segurança cidadã [que] são hegemônicas entre as finalidades do ECA”. (FAJARDO, 2000:6).

Para os adolescentes, os disfarces da “sócio-educação” convergem em práticas punitivas, mantendo seu caráter retributivista. Assim, as medidas sócio-educativas estão localizadas no campo jurídico institucional de garantia da ordem social, da

No documento MARIA LIDUINA DE OLIVEIRA E SILVA (páginas 170-200)