• Nenhum resultado encontrado

4 SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO, POLÍTICA PENITENCIÁRIA E A

4.1 A FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO NO BRASIL

No Brasil, notadamente, é notória a falência do sistema prisional. Com efeito, o caos que se instalou no sistema penitenciário de Estados como Maranhão100,

Pernambuco101, Paraná102, Rio Grande do Norte103, dentre outros e que inclusive está

dando azo a reações de organismos internacionais parecem retratar com perfeição

100

Vide notícia publicada em 21/01/2014: “Pedrinhas, o Maranhão e a tragédia carcerária brasileira.” Disponível no sítio (http://www.cartacapital.com.br/…/pedrinhas-o-maranhao-e-a-tragedia-carceraria-brasileira). Consulta feita em 20/02/2016.

101

Vide notícia publicada em 20/10/2015: “Pernambuco tem o pior sistema carcerário do país.” Disponível no sítio (http://www.pernambucodeverdade.com/…/pernambuco-tem-o-pior-sistema-carcerario-do-pais). Consulta feita em 20/02/2016.

102

PIRES, Sandra Regina de Abreu. Um Panorama Sobre o Sistema Penitenciário Paranaense. Disponivel em: <http://www.sociologiajuridica.net.br>. Acesso em 09/03/2016.

103 Vide notícia publicada em 16/03/2015: “Governo do RN decreta calamidade após onda de rebeliões em presidios.”

Disponível no sítio (http://www.g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/…/governo-do-rn-decreta-calamidade-apos-onda-de- rebelioes-em-presidios). Consulta feita em 20/02/2016.

todas as falhas e lacunas do referido sistema, notadamente no que toca aos frequentes atentados aos direitos fundamentais.

A superpopulação carcerária, o desrespeito à Constituição Federal e à Lei de Execuções Penais, o tratamento desumano aos detentos, inclusive com mortes e atentados à integridade física e a saúde dessas pessoas são facilmente percebidos em primeira análise, ao se ingressar no interior da maior parte dos estabelecimentos prisionais brasileiros.

Registre-se que esse quadro desolador foi estudado por vários autores, dentre os quais merecem menção CÉSAR DE BARROS LEAL104, ALESSANDRA

TEIXEIRA105 e CEZAR ROBERTO BITTENCOURT106, bem como as obras coletivas

coordenadas por GUSTAVO NORONHA DE ÁVILA107, VERONICA TEIXEIRA

MARQUES, KARYNA BATISTA SPOSATO e VANIA FONSECA108.

Se não bastasse, o crime organizado continua sendo comandado por seus cabeças no interior dos muros dos presídios, que são controlados, em sua maioria, pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) ou outros organismos similares, à margem da lei, como constataram CAMILA CALDEIRA NUNES DIAS109, ao tratar da origem,

evolução e disseminação do Primeiro Comando da Capital - PCC por vários estabelecimentos prisionais brasileiros e ROBERTO PORTO110, que cuidou em sua

pesquisa de identificar quais são as facções ou grupos criminosos que dominam os estabelecimentos prisionais de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio Grande do

104 LEAL, César de Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. 2ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. e LEAL, César de Barros.

Execução Penal na América Latina à Luz dos Direitos Humanos: viagem pelos caminhos da dor. Curitiba: Juruá, 2012.

105 TEIXEIRA, Alessandra. Prisões da Exceção: política penal e penitenciária no Brasil contemporâneo. Curitiba: Juruá,

2009.

106

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

107

ÁVILA, Gustavo Noronha de (coord.). Fraturas do Sistema Penal. Porto Alegre: Sulina, 2013.

108 MARQUES, Verônica Teixeira, SPOSATO, Karyna Batista e FONSECA, Vânia (orgs.). Direitos Humanos e Política

Penitenciária. Maceió: EdUFAL, 2012.

109 DIAS, Camila Caldeira Nunes. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013. 110

Norte e Mato Grosso do Sul.

ADEILDO NUNES111 vai mais além, ao pontificar que não vivenciamos a

“crise do sistema prisional”, mas a própria falência da pena de prisão.

Repise-se que a Constituição Federal de 1988 positivou a dignidade da pessoa humana como um dos seus postulados básicos, proibiu expressamente penas degradantes ou cruéis e, por fim, garantiu a integridade física e psicológica dos apenados.

De outro lado, os Direitos Humanos, positivados ou não de maneira expressa em nosso ordenamento jurídico, têm abrangência transnacional e geral, como ensina FLÁVIA PIOVESAN112, de maneira que sua proteção pode ser

garantida inclusive na seara internacional, o que pode implicar em importantes sanções ao Estado Brasileiro.

Constata-se, portanto, que a proteção dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais se dá em duplicidade, no ordenamento jurídico interno e perante o sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos.

Neste sentido é importante colacionar as lições de ARTUR CORTEZ BONIFÁCIO, que trata inicialmente do direito fundamental de petição, que possibilita que o indivíduo promova no âmbito interno, diretamente, a defesa dos seus direitos perante órgãos públicos, resguardando-os de ilegalidade ou abuso de poder113, além

de, em um segundo momento, propor o alargamento dos limites do acesso à justiça para preconizar a tese que garante o acesso do cidadão a uma instância revisional internacional na hipótese de serem malferidos os seus direitos fundamentais.114

Diante deste quadro desolador e, ainda, visualizando a possibilidade de

111 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. p. 319

112 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ed. Sao Paulo: Saraiva, 2011. 113 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de Petição: garantia constitucional. São Paulo: Método, 2004.

114

BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008.

responsabilização dos gestores e do Estado Brasileiro internamente ou perante a ordem internacional, foi instalada em 22 de agosto de 2007 na Câmara dos Deputados a chamada CPI do sistema penitenciário, com a seguinte finalidade:

investigar a realidade do sistema carcerário brasileiro, com destaque para a superlotação dos presídios, custos sociais e econômicos desses estabelecimentos, a permanência de encarcerados que já cumpriram pena, a violência dentro das instituições do sistema carcerário, a corrupção, o crime organizado e suas ramificações nos presídios e de buscar soluções para o efetivo cumprimento da Lei de Execuções Penais.115

Depois de pouco mais de oito meses de trabalho, os integrantes da referida CPI conseguiram retratar fielmente o panorama do sistema penitenciário nacional, observando a realidade específica de cada Estado da Federação.

Ao ler o Relatório Final da CPI do Sistema Penitenciário116, percebe-se que

foram constatadas, in loco, todas as agruras do sistema penitenciário brasileiro, merecendo reprodução integral os termos usados no relatório para se referir às inúmeras violações dos direitos dos apenados e que intitulam vários subcapítulos daquele documento:

01)Falta de Assistência Material; 02) Acomodações: Caso de Polícia; 03) Higiene: Não existe nas Cadeias; 04) Vestuário: Nudez Absoluta; 05) Alimentação: Fome, Corrupção e Comida no Saco; 06) Assistência à Saúde: Dor e Doenças; 07) Assistência Médica: Falta Tudo; 08) Assistência Farmacêutica: Um Só Remédio para Todas as Doenças; 09) Assistência Odontológica: Extrai Dente Bom no Lugar do Estragado; 10) Assistência Psicológica: Fábrica de Loucos; 11) Assistência Jurídica: Nó Cego a ser Desatado; 12) Assistência Educacional: Ignorância como Princípio; 13) Assistência Social: Abandono e Desespero; 14) Assistência ao Egresso: Feras soltas nas Ruas; 15) Assistência Religiosa: Só Deus não salva; 16) Superlotação: Inferno em Carne Viva; 17) Trabalho: O Ócio Subsidiado; 18) Comércio: Exploração da Miséria; 19) Contato com o Mundo Exterior: Isolamento; 20) Água e Luz: Uma Esmola de Cada Vez; 21) Sem Sol, sem Ventilação e na Escuridão; 22) Tortura e Maus Tratos: Agonia Todo dia; 23) Admissão, Avaliação e Registro do Preso; 24) Individualização da Pena: “Misturam” de Presos; 25) Preparação para a Liberdade: Reincidência Institucional; 26) Estrangeiros; 27) Mulheres Encarceradas: vergonha nacional.

115 Conforme relatório da CPI, extraído do sítio da Câmara dos Deputados (http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2701).

Consulta em 23/02/2016.

116

Apesar de serem autoexplicativos, em suma, estes subcapítulos do relatório da CPI expõem um número de sucessivas e reiteradas agressões à dignidade humana da pessoa encarcerada, aonde não se respeita sequer o mínimo existencial proposto por ANA PAULA BARCELLOS117.

Para melhor compreender a ideia de mínimo existencial, pode-se recorrer à doutrina de RICARDO LOBO TORRES118 que a define, em linhas gerais, como “um

direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas.”

Com efeito, voltando os olhos ao sistema prisional, constata-se que o Estado brasileiro não proporciona adequadamente sequer as formas de assistências ao preso e ao egresso do sistema que são previstas na Lei de Execução Penal.

Da mesma forma, a saúde física e mental dos apenados não têm sido resguardadas no interior dos estabelecimentos prisionais, sendo que na maioria das vezes não há profissionais médicos nem remédios, o que é agravado pelo quadro de superlotação que incrementa a insalubridade daqueles locais.

Por sua vez, o direito à educação, em especial a possibilidade de recuperação pelo trabalho é inacessível a uma parcela importante da população carcerária.

Por fim, o acesso à justiça é negado aos presos, por não haver Defensoria Pública instalada em boa parte das Comarcas do Brasil, o que em muitos casos impede a assistência jurídica ao apenado.

Sobre a importância da Defensoria Pública para a consolidação dos valores democráticos tratou LUCAS MARQUES LUZ DA RESURREIÇÃO119 traçando um 117 Op. cit. p. 291-303

118 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os Direitos Humanos e a

Tributação – Imunidades e isonomia. 2ed. v. 3. Rio de Janeiro. Editora Renovar. 1999. p.141.

119

panorama doutrinário e constitucional que aponta para a imprescindibilidade desta instituição para garantir o acesso à justiça e, consequentemente, a defesa dos direitos e garantias fundamentais.

No Rio Grande do Norte, por exemplo, há apenas 38 (trinta e oito) defensores públicos para um total de 65 (sessenta e cinco) comarcas120 o que se

agrava pela concentração de todos os Defensores Públicos Estaduais na capital, região metropolitana e algumas cidades do interior de maior porte.

Verifica-se, neste ínterim, que o Estado do Rio Grande do Norte não conseguiu efetivar sequer a primeira onda renovatória do acesso à justiça proposta por MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH121, que diz respeito à assistência

judiciária aos hipossuficientes e está relacionada aos obstáculos econômicos que entravam o acesso à justiça.

Assim, em regra, as pessoas reclusas nos estabelecimentos prisionais potiguares sofrem diuturnamente várias ofensas aos seus direitos fundamentais e, o que é o mais grave, não conseguem ter acesso à justiça para buscar a tutela jurisdicional dos seus direitos porque não há Defensor Público atuando na maior parte dos Centros de Detenção Provisória, cadeias públicas e penitenciárias do Rio Grande do Norte.

Deve-se buscar, portanto, alternativas para materializar o princípio da dignidade da pessoa humana na execução das penas privativas de liberdade, o que poderá passar pela necessidade de intervenção judicial supletiva na política pública penitenciária, como se verá a seguir.

Ativismo Judicial. São Paulo: Baraúna, 2013.

120 Dados extraídos dos sites da Defensoria Pública do RN (www.defensoria.rn.gov.br) e do Tribunal de Justiça do RN

(www.tjrn.jus.br). Consulta realizada em 23/02/2016.

121