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1 MARCADORES DISCURSIVOS INTERACIONAIS, LÍNGUA E INTERAÇÃO

1.3 FALA E INTERAÇÃO SOCIAL

A dinâmica da língua na produção do discurso oral é um processo que exige ao falante fazer uso de vários conhecimentos comunicativos durante a interação discursiva e utilizar a linguagem como um meio para organizar as interações sociais, satisfazer as próprias necessidades de falantes individuais, dos ouvintes no evento de fala e para corresponder a normas sociais ou culturais (MEYERHOFF, 2006, p.101). É importante, então, considerar que a ordenação da fala entre subgrupos em uma comunidade de fala só é possível devido à ordenação dos indivíduos desses grupos. Essa relação de ordenação da fala e ordenação de indivíduos de um grupo pode refletir como os falantes compreendem e demonstram seus pontos de vista, fazendo uso de expressões linguísticas com características específicas na construção do seu discurso, por exemplo, empregando marcadores discursivos interacionais, mais ou menos frequentes, na tentativa de projetar seu discurso com foco na sua audiência.

Enquanto língua é interação social, interpretação de mundo e expressão do pensamento é através da diversidade da fala que o indivíduo se faz revelar e revela aqueles que os cerca. Nesse processo, tanto conhecimentos comunicativos como gramaticais para a

construção do discurso e de sentidos envolvem fenômenos da língua, da cognição e do contexto social. Para Schiffrin (1994, p.32), o discurso é visto como um sistema, uma forma socialmente e culturalmente organizada de falar, através do qual, funções específicas são realizadas e padrões de fala são colocados em uso para determinados fins, em contextos particulares e resultam da aplicação de estratégias de comunicação.

No excerto (8), a seguir, o marcador discursivo interacional viu? apresenta uma função de back-channel que tem a propriedade de marcar uma informação de fundo e/ou de monitoramento do ouvinte para envolvê-lo e mantê-lo na interação. Segundo Dubois e Sankoff (2001, p.295), a emissão de sinais de back-channel e o modo do discurso (monológico ou dialógico) do falante representam aspectos da implementação da interação e os fatores sociais como idade, sexo, etnia, etc. do falante podem restringir a variação linguística e dominar os efeitos estilísticos.

(8) CLEICE: e tá com zoada. SANDRO: e aí Gleice beleza?

CLEICE: beleza velho velho tô cansada viu? SANDRO: ei veja aí.

CLEICE: diga.

SANDRO: ultimamente tá uma repercussão né? com esse negócio de redes

sociais né?

CLEICE: tá demais rapaz. (2015, MF, 17-16, U, P)

Nesse excerto, o vocativo velho indica que existe uma referência de identidade social compartilhada, podendo ser entendida, aqui, como de proximidade e familiaridade entre os falantes, não se referindo, propriamente, à idade do interlocutor, mas, a traços de identidade social compartilhados na interação pelo uso do marcador discursivo de vocativo de identidade velho.

O uso dos marcadores discursivos da base interacional entendeu?, sabe? e viu? como indícios de acomodação da fala está associado a processos de interação e, nesse caso, é importante dialogar com o que Schiffrin (1994, p.134) reflete acerca do discurso, que “é interação social na qual construção emergente e negociação de significado são facilitadas pelo uso da língua”. A partir de um enunciado particular para contextos mais gerais, o enunciado é socialmente e interativamente integrado e a contextualização de um enunciado é que motiva

seu uso: o contexto no qual o enunciado ocorre explica por que ele lá ocorre. Schiffrin (1994) afirma que:

Um contexto específico é interação social. Língua, cultura e sociedade são fundamentadas em interação: elas se sustentam em uma relação reflexiva com o eu, o outro, e a relação eu-outro e, é a partir dessas relações mutuamente constitutivas que o discurso é criado.6 (SCHIFFRIN, 1994, p. 134, tradução minha).

Estímulos gerados pela contextualização de um discurso em particular resultam em sinalizações que demonstram o alinhamento comunicativo e a identidade dos participantes e, esses sinais são estratégias discursivas que o falante usa conforme seus objetivos durante as interações. Schiffrin (1994, p.133) afirma que “ao visualizar a função social dos estímulos da contextualização em um micronível de status e poder, estes estimulam sinais de status e poder em um macronível de relações sociais”.

Essa interrelação na transição do micronível para o macronível revela que as variações ocorrem em espectros mais amplos e, de certa forma, remete à noção de significado comunicativo proposta por Schiffrin (2001), cuja concepção indica um significado comunicativo coconstruído pela interação falante/ouvinte, resultante de contingências e expectativas reconhecidas mutuamente e compartilhado nas situações de comunicação e interações sociais. Nessa interrelação, a abordagem de Penelope Eckert (2005, p. 1) também propõe o estudo da variação como um recurso para a construção do significado social na linguagem, ou seja, “considerar o sistema mais amplo de significado social - um sistema mais amplo no qual as mudanças participam”. Essa reflexão resulta na noção da variação linguística como prática social. (ECKERT, 2000).

Segundo Eckert (2005), há uma natureza indireta da relação entre variáveis e categorias que permite à variação ser um recurso não simplesmente para a indexação de lugar na matriz social, mas, para a construção de novos lugares e de significados sociais matizados. Ao propor novas abordagens para os estudos sociolinguísticos, Eckert (2005) explica que:

Os falantes continuamente imbuem variabilidade linguística com sentido social e, tanto quanto sei, diferenças sociais inconsequentes não estão correlacionadas com variáveis linguísticas. Isso implica uma determinada atividade do falante, então, para concluir, deixe-me falar sobre esse ponto.

6 “One particular context is social interaction. Language, culture, and society are grounded in interaction: they stand in a reflexive relationship with the self, the other, and the self-other relationship, and it is out of these mutually constitutive relationships that discourse is created.”

Eu não estou argumentando que toda a variação é conscientemente controlada, ou mesmo socialmente significativa. O que estou argumentando é que toda variação tem o potencial para assumir significado7. (ECKERT, 2005, p. 30, tradução minha)

Associar a variabilidade linguística e a própria atividade do falante ao significado social resulta em conferir uma noção de variação como construtiva de estilos e o papel da variação na prática estilística envolve tanto considerar as variáveis como estilos, como também, entender que essa colocação é parte integrante da construção do significado social.

A fala em interação é uma atividade de compartilhamento de mundo na construção do discurso no cotidiano da vida de cada falante. Nessa perspectiva, Schiffrin (1994) considera que a língua como interação resulta em importantes consequências, pois, interação é um processo pelo qual uma pessoa tem um efeito sobre outra e, estar envolvido em uma interação social é estar envolvido, também, em um intercâmbio no qual nossas próprias atividades são direcionadas para outra pessoa e as atividades das outras pessoas são direcionadas para nós. (SCHIFFRIN, 1994, p. 415).

A organização da fala no discurso é resultado do emprego de estratégias de comunicação que tornam o discurso coerente, no contexto específico da interação, entre pessoas que compartilham um lugar social no mundo. É nesse lugar social do falante que normas e convenções sociais são compartilhadas e replicadas, mas que, segundo Coupland (2007, p.108), a interpretação das formas e do conteúdo sociocultural não necessariamente significa uma reprodução cultural fiel. Se uma reprodução cultural acontece e quais novas acepções serão adicionadas aos significados sociais quando eles forem realizados, depende, fundamentalmente, da organização local ou constituição de significados.

Para Coupland (2007, p.108), abordar sobre identidade social através do discurso não é simplesmente uma alternativa metodológica para abordagens indiciais quantitativas. De acordo com os argumentos teóricos analisados por Coupland, a ação social discursiva é onde cultura e identidades sociais “vivem” e onde podemos vê-las tomar forma. O estilo de identidades sociais em contraste com um cenário de normas sociais e “memórias sociais coletivas” é o cerne desse processo.

Com essa reflexão, a presente pesquisa pondera que as alternâncias de uso dos marcadores discursivos interacionais entendeu?, sabe? e viu? nas interações integram os

7 “Speakers continually imbue linguistic variability with social meaning, and as far as I know, inconsequential social differences don’t correlate with linguistic variables. This implies a certain amount of speaker agency, so in closing, let me talk about this point. I am not arguing that all variation is consciously controlled, or even socially meaningful. What I am arguing is that all variation has the potential to take on meaning.”

estilos de fala que os falantes usam com vistas a seus ouvintes, ou à sua audiência e, por meio da acomodação na variação linguística, podem desvelar as identidades sociais do falante na e da sociedade em que ele vive.