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A falha da regulação provocada por erros de diagnóstico e análises superficiais

No documento Expropriações normativas (páginas 137-141)

por Cass Sunstein erros de diagnóstico e análises superficiais. De acordo com Sunstein296, exemplo de erros de diagnósticos seriam “os casos em que o Legislador ou regulador, instado a se manifestar por conta de eventos singulares – que dificilmente se repetirão – ou fortes anseios populares momentâneos, edita normas sem submetê-las a exames mais apurados que indiquem os possíveis efeitos negativos gerados pelas mesmas”. Isto porque, a seu ver, a maioria das pessoas, por meio de “uma lente grosseiramente distorcida, veem pequenos riscos como grandes riscos e grandes riscos como pequenos, e muitas vezes eles defendem soluções cujos riscos são ainda maiores do que aqueles dos problemas que se propõem resolver”.297

No Brasil, rotineiramente, anseios populares interferem em processos regulatórios. Influências estas que, não raro, alteram seus propósitos. Alexandre Santos de Aragão denomina essa influência de “voluntarismo regulatório”. Trata-se de medida regulatória levada a efeito não por fundamentos jurídico-econômicos, mas por paixões e pelo sentimento de impor a visão pessoal daqueles que se encontram em uma posição privilegiada para a tomada de decisões298.

296 SUNSTEIN, Cass. After Rights Revolution: Reconceiving the Regulatory State.

Massachustts: Harvard University Press, 1993. p. 86.

297 SUNSTEIN, Cass. Risk and Reason Safety, Law and the Environment. USA: Cambridge

University Press, 2002.

298 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Análise de Impacto Regulatório: Instrumento de Uma

Regulação Mais Eficiente e Menos Invasiva. Revista Justiça e Cidadania, nº 129, Rio de Janeiro 2012. Disponível em: <http://www.editorajc.com.br/2012/07/analise-de-impacto-regulatorio- instrumento-de-uma-regulacao-mais-eficiente-e-menos-invasiva-2/> Acesso em: 13/08/2015.

137 Vários exemplos ilustram esta falha regulatória. Os casos do desmoronamento de prédios no Centro do Rio de Janeiro299, no ano de 2012, e do incêndio na Boate Kiss300, no Rio Grande do Sul, no início de 2013, são emblemáticos neste sentido. O primeiro resultou na edição da NBR 16280:2014 da ABNT, que trata de reformas de edificações, estabelecendo sistema de gestão e requisitos de processos, projetos, execução e segurança de reformas de edificações, exigindo a participação de engenheiros e arquitetos no planejamento da intervenção em área privativa de imóveis. Por força do segundo, foram apresentados ao menos 3 Projetos de Lei da Câmara dos Deputados (e prováveis tantos outros em nível estadual e municipal) – 4923/2013, 4924/2013 e 4925/2013 –, prevendo normas de segurança e funcionamento para as casas noturnas de todo o país, responsabilidades de seus proprietários, padronização de sistemas de pagamento, dentre outros. Não se questiona se esses normativos são bons ou ruins. Mas fato é que foram motivados por comoções populares e por eventos que tinham ocorrido recentemente, e não por juízos técnicos e motivados do legislador.

O Direito Penal é prenhe de exemplos como esses. No início da década de noventa, promissora atriz da Rede Globo, filha de autora de novelas televisivas, foi assassinada por seu marido. Este fato impulsionou a edição da Lei nº 8.072/1990, que disciplina os crimes hediondos, normativo que foi resultado de uma iniciativa legislativa popular capitaneada pela mãe da referida atriz.301

299 Exemplo extraído de RIBEIRO, Leonardo Coelho. O Direito Administrativo como caixa de ferramentas: a formulação e a avaliação da ação pública entre instrumentalismo, instituições e

incentivos. 2015. p.74. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

300 José Vicente Santos de Mendonça trata da hipótese em artigo de opinião: “Após uma

tragédia como a de Santa Maria, duas coisas são certas de ocorrer: consternação e super- regulação. Quanto à tristeza, não há nada a se dizer, mas tudo a se compartilhar. Este artigo se concentra na superregulação, sobre a qual há muito a discutir. [...] Em resposta a tragédias como a de Santa Maria, o Estado regula muito e regula mal. Se aos cidadãos é legítimo reagir emocionalmente, do Estado se espera menos emoção e mais racionalidade.” MENDONÇA, José Vicente Santos de. Risco, miopia regulatória e super-regulação: lições não intuitivas de Santa

Maria. Gazeta do Povo, 05 fev. 2013. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao>. Acesso em: 16 fev. 2015.

301 Nesse sentido, o seguinte trecho do parecer da Comissão de Constituição e Justiça que

analisou o projeto de Lei nº 306 de 1999, o qual tinha por objeto tornar homicídio qualificado o crime praticado por grupos de extermínio: “[...] o crime de homicídio qualificado passou a ser considerado hediondo por força de uma grande mobilização popular. Tal fato ocorreu depois da morte da atriz Daniella Perez, assassinada por Guilherme de Pádua e Paula Tomaz, quando a mãe da vítima, Gloria Perez, encabeçou um movimento em relação à inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, previstos na Lei 8072/90.” Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/635410.pdf>. Acesso em: 22 out. 2015.

138 Mas não é só. De acordo com o autor estadunidense, haveria ainda uma segunda hipótese de erro de diagnóstico, que tem lugar quando o legislador dispõe acerca de matérias complexas, para as quais não possui a expertise necessária. O tema relaciona- se com a denominada “Teoria das Capacidades Institucionais”.

Nos últimos anos, a doutrina norte-americana, influenciada, principalmente, pelo artigo Interpretation and Institutions302, de autoria de Cass Sunstein e de Adrian Vermeule, tem se dedicado a essa temática. Segundo os referidos autores, as competências dos agentes estatais são debatidas sempre em um plano demasiadamente abstrato, no qual são discutidas questões sobre a natureza da interpretação; democracia; legitimidade; autoridade; e o próprio constitucionalismo.303 Diante disso, propõem que a verificação da competência do locus adequado para a tomada de decisão seja iniciada por uma análise das situações estruturais internas de cada um dos agentes envolvidos304, de modo a se determinar as distintas capacidades e limitações dos mesmos na interpretação de certos textos.305 Na visão dos referidos autores, essa análise deveria ser

302 SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper, n. 156, 2002. Disponível em:

<http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_eco nomics>. Acesso em: 12 jul. 2014.

303 SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper, n. 156, 2002. Disponível em:

<http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_eco nomics>. Acesso em: 12 jul. 2014.

304 Observe-se que a teoria dos referidos autores não é um clamor pelo abandono dos métodos

tradicionais de interpretação, mas sim uma busca pela melhoria desses métodos através do acréscimo da análise das chamadas questões institucionais, isto é, da análise das capacidades das instituições encarregadas do processo decisório. Esse processo foi denominado de virada

institucional (institutional turn). Nesse sentido: VERMEULE, Adrian. Judging Under Uncertainty: An Institutional Theory of Legal Interpretation. London: Harvard University Press,

2006. p. 63.

305As críticas estão bem sintetizadas na seguinte passagem: “Temos visto que vozes influentes

na doutrina constitucional argumentam em favor de estratégias interpretativas sem sintonia com a questão das capacidades institucionais. Aqueles que enfatizam argumentos filosóficos, ou a idéia de interpretações holísticas ou intratextuais, parecem, em nossa visão, terem dado muito pouca atenção às questões institucionais. Aqui, como em outros lugares, a nossa colocação [submission] mínima é a de que uma afirmação sobre a interpretação adequada é incompleta se não prestar atenção às considerações das capacidades administrativas [administrability], das capacidades judiciais e efeitos sistêmicos, além das colocações usuais sobre legitimidade e autoridade constitucional.” SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper, n. 156, 2002.

Disponível em:

<http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_eco nomics>. Acesso em: 12 jul. 2014.

139 feita antes mesmo de serem aplicados os métodos de interpretação306. Por conta disso, os agentes estatais deveriam estar mais atentos a questões empíricas, a exemplo: (i) da possibilidade de o agente levantar recursos e informações307; (ii) à sua especialização, confirmada por um conhecimento aprofundado em determinadas matérias; e (iii) à sua capacidade de avaliar os efeitos sistêmicos de sua decisão. Na síntese de Luís Roberto Barroso308, “a capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria, devendo ser sopesada de maneira criteriosa”.

No Brasil, essa vicissitude é assaz recorrente309. Há notícias de que as dez agências reguladoras nacionais operam com um déficit de pelo menos três mil

306Nesse sentido, Carlos Bolonha, José Eisenberg e Henrique Rangel anotam: “Em se tratando

de capacidades institucionais, pode-se compreender que existe a necessidade de serem firmados parâmetros para definir o nível de interpretação que deve ser empregado sobre o caso concreto. Como exemplos de fatores indispensáveis para o aprofundamento da discussão decisional, pode-se apontar o fato de a instituição ser plenamente capaz de levantar recursos e informações que balizem sua decisão, bem como ela estar inserida em debates teóricos e empíricos sobre os fatos conexos àquela matéria. No que tange aos efeitos sistêmicos, preocupa-se com os resultados que podem recair sobre pessoas, instituições públicas e instituições privadas; o que exige do processo de deliberação um rigor maior na interpretação, discussão e decisão do caso concreto. Desta forma, a partir das críticas encontradas nas chamadas questões institucionais, o processo de deliberação pode ocorrer, legitimamente, de maneira aprofundada e minuciosa, na medida em que for implementada a capacidade da instituição de lidar com o problema e previstas as decorrências sistêmicas de seu desfecho, sobretudo em relação aos seus reflexos sobre outras instituições. Do contrário, não deve a instituição arriscar-se em interpretações que muito se afastem dos termos legais, deixando as inovações para as instituições dotadas da respectiva capacidade exigida e para situações que elidam efeitos em sua dinâmica, incorporando um comportamento próprio das virtudes do formalismo, corroborando o que Bickel já cunhava de passive virtues.” BOLONHA, Carlos; EISENBERG, José; RANGEL, Henrique. Direitos Fundamentais e Justiça. Revista do Programa de Pós-Graduação Mestrado

e Doutorado em Direito da PUC-RS, Rio de Janeiro, ano 5, n. 17. pp. 288-309, out./dez. 2011.

p. 298. Disponível em: <http://www.dfj.inf.br/sumarios2.php>. Acesso em: 05 jul. 2014.

307 O levantamento de recursos e informações também serve, portanto, de parâmetro informativo

a uma postura mais ou menos deferente do Poder Judiciário ao controlar a Administração Pública. Segundo Adrian Vermeule, há um papel apropriado para os Tribunais no sentido de assegurar que as agências tenham adequadamente investido recursos na coleta de informações, que podem resolver a incerteza, seja transformando-a em risco, ou mesmo em certeza. Assim, quanto mais tempo e recursos o regulador tiver investido na busca de informações, mais justificada será a deferência do Judiciário às escolhas de primeira ordem tomadas pelas agências em um ambiente de incerteza. Cf.: VERMEULE, Adrian. Rationally Arbitrary Decisions (in Administrative Law). Harvard Public Law Working Paper, n. 13-24. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2239155>. Acesso em: 05 ago. 2014.

308 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática.

Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/7433>. Acesso em: 05 jul. 2014.

309 RIBEIRO, Leonardo Coelho. Presunções do ato administrativo, Capacidades Institucionais e

140 profissionais. Em média, as agências estão, apenas, com 75% dos cargos preenchidos. No caso da Agência Nacional do Cinema – ANCINE, o quadro de pessoal é metade do que deveria e a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC tem apenas 60% dos seus quadros preenchidos. A Agência Nacional de Saúde (ANS), por sua vez, conta com apenas 100 servidores para fiscalizar, e 30 para atuar no julgamento de processos de planos de saúde no país inteiro – num universo de 60 milhões de usuários. Na Anatel, que regula um mercado de 271 milhões de acessos de telefonia móvel, são cerca de 400 fiscais310.

Fato é que a influência do regulador por apelos populares tende a gerar processos regulatórios mais céleres e menos reflexivos, sem a adequada motivação técnica. Afinal, chega a ser intuitivo que a regulação de urgência é produzida sem a realização de uma análise empírica dos custos e benefícios que justificam a sua edição. Contudo, embora a falha regulatória analisada possa resultar na edição de regulações com efeitos expropriatórios, não nos parece que o fenômeno que ora se investiga seja uma decorrência necessária dela. Ele está relacionado à ausência de um processo racional de avaliação das consequências da regulação, independentemente se este foi motivado por apelos populares, ou se mostrou míope em razão da ausência de capacidade institucional do regulador.

4.4 A falha da regulação provocada pelos efeitos sistêmicos complexos e pela falta

No documento Expropriações normativas (páginas 137-141)