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a falta de sentido na vida

No documento Sobreviventes : o outro lado do suicídio (páginas 34-38)

Najara Campos é uma jovem de 24 anos com um belo sor-riso, uma risada de som aconchegante e que transmite felicidade.

Os belos olhos castanhos e fundos destoam da pele clara e do cabelo preto. Uma menina que luta para manter-se viva: “Eu quero viver, mas acho a vida ruim. Preferia estar morta”. Ela justifica que na morte não há fome, dor e humilhação. Não há nada.

A moça está bem afeiçoada à morte. Já perdeu as contas de quantas vezes ficou “mais para lá do que para cá”. Apenas quatro vezes ficaram bem marcadas na mente. “A morte é o único mo-mento de paz e descanso que uma pessoa pode ter”, diz Najara.

Ela busca o vácuo que a morte proporciona. Uma tranquilidade além da vida que desespera os familiares.

A última vez que Najara quis morrer foi na primeira semana de setembro de 2013. O caso não chega a tornar-se uma tenta-tiva, mas ilustra os momentos de dificuldade que a jovem enfrenta para continuar viva. Era noite, por volta das 23h, a moça estava sozinha. O marido que trabalha até tarde ainda não tinha chega-do em casa. A residência é pequena, de poucos cômochega-dos, mas ela achava o local imensamente grande e escuro. Tinha diversas coisas que precisavam ser preenchidas. A solidão chegou à porta e foi a única “pessoa” que a moça permitiu que entrasse. A felicidade e o desejo de viver ficaram para fora. O clima ficou estranho, pesado.

Najara viu o mesmo pensamento que a atormenta desde os catorze anos de idade voltar com toda a força: “Para que viver?

Você está sempre sozinha. É melhor se matar”. E ainda o pior deles: “Você é um peso!”. “Nunca gostei de ser um fardo para nin-guém, mas me sinto assim”, afirma. A mente ficou confusa, atordo-ada. Não havia fantasmas, mas ela já não tinha o controle de natordo-ada.

Ela diz que foi para a cozinha e lembrou-se de uma faca an-tiga, mas bem afiada que a mãe tinha dado a ela dois anos antes, no início do casamento. “A minha vontade era pegar a faca e enfiar na minha barriga. Queria rasgar de cima a baixo”, comenta a moça enquanto faz o gesto com uma faca invisível em mãos. Há um sorriso irônico e estranho nos lábios. A morte não é um enigma:

“Não tenho medo de morrer, pois a morte é boa”.

“Não consegui continuar. Sentei na cozinha e comecei a chorar sem controle”, lembra. O marido chegou pouco tempo de-pois e a encontrou com a faca na mão. Ela não sabia responder o que havia acontecido. Só chorava. “Meu marido ainda não en-tendia bem o que vivia. Ele brigou comigo, chamou-me de fraca e afirmou que estava assim porque eu queria. Não aguentei. Dei um soco nele e saí correndo”, diz a moça. Ela saiu de casa usando um pijama apenas e foi em direção a uma boca de fumo na rua abaixo de sua casa. Ela queria ir lá para que a matassem, fizessem algo ruim com ela.

Ela não sabe bem a forma, mas foi parar na casa dos pais, algumas ruas antes de onde estava. Só durante o banho que a mãe lhe deu foi que percebeu onde estava e o que tinha ocorrido. Mais uma vez o desejo pela morte veio com força, mas foi só uma von-tade. O ato não se concretizou. A jovem não foi a única que quis morrer. Joelma Lopes é outra sobrevivente de tentativa de suicídio que também manifestou o desejo pela morte, porém apenas uma tentativa não fatal foi o bastante para que buscasse novos rumos.

Se para Najara atualmente a vida não é tão interessante, para Joelma a vida agora é boa e não há mais motivos para morrer. Com pensamento oposto ao da menina – que só pensava em tirar a vida todos os dias para aliviar-se das complicações que tinha –, hoje Joelma quer ajudar as pessoas que pensam em se matar. “Achei uma porta para a felicidade. A vida não é mais um fardo”, afirma com um grande sorriso.

Para ela, o desejo pelo suicídio é a consequência de uma vida toda que sempre foi complicada, em que o caos reinava. Aos oito anos ela perdeu o pai, do qual não se recorda bem. Cerca de um ano depois a mãe morreu de câncer em casa. A vida pendeu para a tristeza. Iniciou uma jornada por diferentes casas até os 18 anos.

Ela morou de favor um tempo com cada irmão mais velho, depois preferiu ficar sozinha. Nessa época, ela admite que, apesar de se achar divertida, chorava muito. Em especial quando fazia uso de álcool. Foi a partir da junção entre bebida e pílulas para dormir que Joelma tentou se livrar da vida pela primeira vez.

A jovem de cabelo cacheado e olhos castanhos se considerava uma alcoólatra desde os 16 anos e feia desde sempre. “Eu bebia muita cerveja e pinga. Em especial, pinga. Eu tomava mais álcool que os homens que ficavam no bar comigo”, afirma ela, que tinha momentos alternados de tristeza e alegria quando estava ébria.

E ainda brinca: “Eu queria beber toda a cachaça do mundo para acabar com as dificuldades”. Ela ri e fecha os olhos – coisa de quem tem bochechas avantajadas.

No tempo em que tentou o suicídio, a bebida já não conse-guia trazer a animação que ela sabia que tinha lá no fundo, debaixo dos destroços da vida destruída pelas intempéries. Ela afirma que não conseguia parar com a vida descontrolada que tinha e então

“seguiu reto” numa montanha de desgostos, numa forma de pro-curar costurar o destino da forma que podia.

Joelma não esquece o dia que tentou se suicidar: doze de outubro – dia de Nossa Senhora Aparecida, além de Dia das Crianças – simboliza a religiosidade e a lembrança de quando chegou perto da morte. Ela amanheceu tranquila, sem tristeza ou alegria. Era apenas mais um dia normal. Quando chegou a noite, Joelma teve uma briga com duas irmãs mais velhas. Ela não lem-bra o motivo, mas sabe que se sentiu imprestável. “Eu não queria mais viver. Sentia-me obrigada a viver da forma que todos que-riam. Estava cansada de tudo”, desabafa. Ela pegou uma cartela de remédios para dormir e uma garrafa de vinho tinto.

Chorando e gritando, dizia às irmãs que iria se matar e que não era para ninguém chamar ajuda. Elas ficaram estáticas ao ver Joelma se destruir a cada comprimido que descia imerso na bebida vermelha. “Eu não queria a morte. Desejava uma solução, mas o suicídio era mais fácil naquele momento”, diz a jovem, que já estava arrependida da ação logo após o primeiro gole. Era tarde. Joelma realmente poderia morrer. Esse pensamento gerou mais tristeza.

O corpo, sob o efeito do álcool e dos comprimidos, não se aguen-tava em pé. Deitada na cama era o momento de esperar a morte.

Najara sabe bem o que é esperar a morte. Pouco depois de completar dezoito anos, ela passou semanas no quarto fazendo

uma greve de fome para protestar pelo direito de morrer quando quisesse, pois não conseguia se suicidar com uma faca ou arma.

Ela parou de comer e beber. Foram três longas semanas que resul-taram em desidratação e emagrecimento do corpo. Ela não per-mitia que os pais chegassem perto do quarto e nem dela. Chegava a bater neles quando isso ocorria. Os momentos de raiva eram grandes. Najara ficava trancada por horas seguidas na estufa mór-bida que fizera para si própria.

Após três semanas, o corpo não aguentou e ela não tinha mais forças. A morte tão esperada estava chegando, porém os pais decidiram que não era o momento de perder a jovem. Eles não queriam se tornar sobreviventes. Najara foi encaminhada para o Hospital Regional de Planaltina, cidade onde a família reside

No documento Sobreviventes : o outro lado do suicídio (páginas 34-38)

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