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4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

4.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS EDUCADORES SOBRE O

4.1.4 Família: A Face Sutil da Tirania Particular

A família é um elemento marcante nesse contexto, considerando as implicações para se discutir e lidar com o tema. Grande parte das entrevistadas

explica o fenômeno do abuso por negligência da família, quando ela própria assiste calada aos avanços do agressor que é seu membro. Questionaram veemente a participação das famílias na escola, que é quase nula. Nas entrevistas também foi relatado que a família só aparece no final do ano, quando percebe que a criança está comprometida com as notas. Consideram que é significativa a participação da família na escola, promovem esse diálogo, mas não encontram respostas. Nos casos de abuso relatados, apareceram agressores intrafamiliares e na oportunidade, a família negou a existência do abuso.

Segundo Hite (1995), dados os limites dessa analogia, a violência sexual intrafamiliar é considerada um tipo de prisão política, muito semelhante aos sistemas políticos totalitários. Normalmente, essa experiência vivenciada no interior da família não é “visualizada” pelos envolvidos, podendo até desculpar e negar ou considerar legítima, num determinismo acentuado de domínio dos corpos das crianças e adolescentes. Esse controle está na estrutura de um sistema social patriarcal do sistema familiar de negação do contato físico, de resistências ostensivas à afetividade entre seus membros. Esse comportamento reflete a necessidade de controle pela sociedade, na medida que as relações entre as pessoas se tornam rígidas e autoritárias, mantendo uma hierarquia nas relações de poder na família (HITE, 1995).

Na literatura recorrente sobre o tema, Finklhor (1984 apud Amazarray e Koller, 1998), Gabel (1997), Amazarray e Koller (1998) e Guerra (2001); e já se observa como essa experiência vivenciada no interior da família é negligenciada, ou como a autora coloca, “não é enxergada” pelos envolvidos. Aceitam o “fato” com uma certa resignação e podendo até justificá-la, compreendendo e encobrindo o evento. Essa dinâmica construída e retroalimentada pelo sistema familiar autoritário, se assemelha aos regimes totalitários (HITE, 1995). Acredita-se, contudo, que essa analogia seja um pouco apelativa, pois o universo de categorização analítica de um sistema político tem especificidades da sua conjuntura política e pública bem diferentes do espaço doméstico e privado. Vale pela tentativa de potencializar o quanto é comprometedora a relação familiar marcada pela hierarquização acentuada de poderes.

Essa percepção carrega uma implicação política porque o indivíduo é formado sob a égide de um processo de socialização marcado pela obediência e passividade, desfavorecendo o processo de democratização das relações intrafamiliares, ou seja, uma relação marcada pelo respeito de seus corpos e de suas diferenças. Ainda segundo a autora, categorias como respeito e tolerância são efetivamente difíceis de serem vivenciadas das relações hierárquicas das famílias tradicionais. Embora com a crescente precarização das relações de trabalho e deteriorização da renda familiar tenha implicado numa mudança das relações hierárquicas da família (MONTALLI, 2000, p. 55), não rompeu definitivamente nos limites de atuação da família nas suas relações de poder. Essa questão nas relações intrafamiliares é extremamente forte e fazem parte de um processo de socialização desde o nascimento da criança, embora as regras não sejam claras para o universo infanto-juvenil, ela promove uma dinâmica sem possibilidades de contestação do modo de ser das coisas. Um contexto como esse favorece e muito o fenômeno do abuso sexual, porque a representação da família, sobretudo de pais / filhos é de pleno domínio do corpo de seus filhos. Autoritarismo da família é um elemento relevante na dinâmica do abuso, ela imprime comportamentos em seus membros que não os permite consubstanciar uma autonomia de suas vidas e, nesse particular, de seus corpos.

Contudo, essa representação não é unânime, alguns educadores declararam que existem umas certas conivências por parte das vítimas adolescentes. Como se apresenta em seus relatos:

.”..acho que as meninas dão confiança, dão lugar..entre eles, eles permitem muitas coisas, como passar a mão...”(P.1);

“...a Bahia é terra do axé, arrocha, pagode, As meninas aqui despertam muito o libido de quem as observa...”(P.3);

“...a criança fica viciada... e as vezes acontece porque ela gosta.”(P.15). 15

15 Na oportunidade dessas declarações, foi relatado um caso de uma menina de 12 anos que recebia dinheiro para fazer felação com um comerciante perto da escola (P.15).

Percebe-se nessas declarações que essas educadoras têm uma representação do abuso circunscrita na dimensão do evento, do ato em si mas não na sua expressão mais complexa de um processo de conexões culturais, políticas, sociais extremamente intricadas entre si. A criança e adolescente vítima de abuso sofre de uma intensidade emocional significativa que implica em comportamentos desconexos com a sua sexualidade e com suas carências afetivas.

A culpalização, o julgamento são atributos muito resgatados quando não se compreende o fenômeno, porque incide na dimensão sexual que é altamente camuflada pela sociedade e também por implicar na própria representação social construída. Diante do estranho, daquele cujo fenômeno se desconhece, daquele que é opaco aos olhos, se favorece as construções de pensamento marcadas pelas variedades, pelos excessos, em detrimento e conjecturas interpretativas que passem pela cultura ou pela política.

Ao responder sobre suas representações no tocante ao abuso sexual, essas educadoras mergulharam em questões que também dizem respeito à sua sexualidade e a seus conflitos particulares. Como na oportunidade de um relato de uma educadora assumindo que seu ex-marido era um agressor sexual. Ela declarou que quando a filha era pequena anunciou que o pai a abusava e que ela ao acolher aquele relato, ficou indignada com a filha, dizendo que ela estava mentindo e bateu muito nela por isso. Posteriormente, já crescida e ela separada do marido, ela ficou sabendo que o ex-marido estava abusando dos filhos menores do segundo casamento e dessa forma foi compreender a filha.

A representação do abuso sexual passa por numerosos fatores implicados, mas, neste trabalho, nos limitamos a compreendê-lo pela dimensão que ele assume no ambiente público e privado e suas relações com o silêncio. As implicações da desarticulação entre a escola, os educadores e os serviços de atendimento, configuradas nas políticas públicas, que retroalimentam uma dimensão do silêncio, na medida que não se sentem mobilizados e instrumentalizados para a denúncia.

4.2 ANÁLISE PARCIAL DOS SERVIÇOS DE ATENDIMENTO: A “GESTÃO