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CAPÍTULO II – FAMÍLIA: UM RETRATO DA CONTEMPORANEIDADE

2.1. Família e o Risco

As famílias estão expostas a problemas e eventos stressantes que podem afetar de um modo mais ou menos direto, o desenvolvimento da criança. Existem um conjunto de fatores de risco (genéticos, biológicos e psicossociais) que condicionam e se repercutem no exercício da parentalidade. Almeida e Machado (2007, p.36) consideram as,

situações de escassez de recursos económicos, baixa escolaridade, problemas de saúde, falta de emprego, mudanças de casa ou de várias insuficiências na habitação e que, com frequência, são problemas transversais que caracterizam a situação de exclusão social destas famílias. (…), outros fatores concorrem ainda para a fragilização das condições familiares, como sejam gravidezes não-desejadas, nascimento de um filho com uma doença congénita, crianças com necessidades educativas especiais (N. E. E.), filhos com temperamento difícil e problemas de aprendizagem, a instabilidade, os confrontos e os conflitos violentos nas relações conjugais e entre pais e filhos, as manifestações de hostilidade e regras disciplinares repressivas ou negligentes.

Todas estas situações, e outras, geram cada uma por si e em combinação umas com as outras um enorme desgaste e tensão nas famílias. Contudo nem sempre estes fatores têm um impacto igual em todas as famílias, sendo umas mais vulneráveis e suscetíveis, do que outras.

Para Almeida e Machado (2007) quando se fala de famílias que se encontram em risco psicossocial referimo-nos à vulnerabilidade de condições ou processos inerentes ao desenvolvimento da família, impedindo-a de atender às necessidades afetivas, sociais e pessoais de todos os elementos constituintes, por um período de tempo variável (mais ou menos alargado).

Assim, é determinante que precocemente e de forma preventiva, estas famílias tenham um acompanhamento próximo, de forma a salvaguardar o bem-estar dos filhos e ajudá-las a adquirem e a desenvolverem capacidades e competências que as tornem mais autónomas e mais capazes (Almeida & Machado, 2007). Tal como menciona Coelho e Neto (s.d.)

Se calhar, em vez de utilizarmos demasiado facilmente o termo «família incapaz» deveríamos ter meios para avaliar e identificar quais os possíveis fatores que contribuem para essa «incapacidade», devendo ser esses os alvos da nossa intervenção multidisciplinar, sendo fundamental a articulação entre os técnicos, a sua formação e adequada gestão de recursos. (p.6)

A abordagem centrada na família poderá ser a resposta, uma vez que é visível que as intervenções com um enfoque na família “estão relacionadas com a melhoria do funcionamento de alguns domínios da vida das famílias” (Serrano & Pereira, 2011, p. 17). Para as autoras, esta abordagem “reside no reconhecimento de que as famílias são o contexto principal para a promoção

e para o desenvolvimento da criança; no respeito pelas escolhas da família e pelos seus processos de decisão; na ênfase nas competências da criança e da família, e nas parcerias família/profissional” (Pereira & Serrano, 2010, p. 101), pois, “a abordagem centrada na família vê além da criança, considerando toda a família como unidade de intervenção” (McWilliam, 2003, p. 12).

A intervenção precoce (IP) surge como uma peça fundamental para crianças dos 0 aos 6 anos e suas famílias, prestando serviços com base nos recursos formais e informais que existem na família e na comunidade (McWilliam, 2003) e criando oportunidades para que todos os elementos da família demonstrem e adquiram competências de forma a consolidar o funcionamento familiar. Além disso Guralnick (1998, p. 337) sublinha que “o sistema de intervenção precoce produz efeitos através de mecanismos de mitigação stressantes gerados por fatores associados com a família e a criança em risco ou com necessidades especiais, que podem afetar adversamente os padrões de interação familiar e, portanto, o desenvolvimento da criança”.

O modelo de corresponsabilização2 e promoção das capacidades3 da família resultante dos trabalhos de Carl Dunst e colaboradores, contribuiu para a redefinição dos serviços de atendimento às famílias e crianças em IP ao introduzirem conceitos como corresponsabilizar e capacitar tão importantes para a promoção de uma atitude proativa da família na intervenção e avaliação (Serrano, 2007). Para este empowerment é necessário a utilização dos recursos formais e informais existentes na comunidade, só assim é possível que as famílias tomem decisões, resolvam problemas e sejam capazes de procurar recursos e apoios (Serrano & Correia, 2000). López (2010, p. 147) sublinha a importância do apoio social nestas famílias como “um dos fatores de proteção que podem contribuir para neutralizar o efeito de risco”.

Porém, quando foram esgotadas todas as possibilidades da criança prevalecer na família ou quando esta se encontra em alto risco, o Estado Português, através de instituições tutelares, apresentam um conjunto de medidas de proteção que privilegiam e procuram preservar os relacionamentos afetivos e o meio familiar e social próprios da criança e/ou jovem. As medidas podem recorrer a soluções de outra natureza que asseguram as condições que satisfaçam as necessidades da criança e o seu desenvolvimento, mas ausentes do seu contexto familiar. Assim, as medidas de promoção e proteção podem distinguir-se como medidas em meio natural de vida: (i)

2Este é um dos conceitos, além de capacitar, presentes na abordagem de trabalho junto das famílias, significa “a capacidade que uma família tem de

satisfazer necessidades e cumprir aspirações de modo a promover um claro sentido de domínio intrafamiliar e de controlo sobre aspetos importantes do funcionamento familiar (Dunst, Trivette & Deal, citado em Serrano, 2007, p. 41).

3Capacitar “significa criar oportunidades para que todos os membros da família demonstrem e adquiram capacidades que sirvam para fortalecer o

apoio junto dos pais, (ii) apoio junto de outros familiares, (iii) confiança a pessoa idónea e (iv) apoio para autonomia de vida; e as medidas em regime de colocação: (i) acolhimento em instituição e (ii) acolhimento familiar e ainda, a confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção.

A retirada de uma criança do seio familiar é sempre uma situação difícil e de último recurso, como mencionam Coelho e Neto (s.d., p. 7) “cortar laços, sem dar alternativas vinculativas, significa estar a traçar um destino vazio de afeto que trará custos a curto e a longo prazo”. Tal pressupõe e exige ao profissional solucionar o problema avaliando todos os riscos e hipóteses alternativas mais adequadas assim como desenvolver o apoio às famílias para que a solução seja o mais temporária possível, quando viável.

Assim, quando não é possível reunir todas as condições necessárias para a sua colocação nas medidas em meio natural de vida, o acolhimento familiar surge como uma medida em regime de colocação que implica temporariamente o afastamento da criança do seu contexto natural. As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) conjuntamente com as instituições de enquadramento acompanham a execução da medida, que é aplicada no decorrer do processo judicial e é dirigida e controlada pelo tribunal. O acolhimento familiar poderá ser de curta duração, quando é previsível o regresso da criança à sua família biológica num prazo nunca superior a seis meses, ou o acolhimento prolongado, que consiste num acolhimento de maior duração, enquanto não se encontram reunidas condições para que o seu retorno seja concreto.

É importante que neste espaço de tempo em que a criança se encontra em acolhimento, que a família biológica se reestruture, centrar a atenção apenas na criança, é insuficiente. É pois, necessário um acompanhamento e envolvimento da equipa de acolhimento e de toda a sua rede de apoios.