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2. Fundamentação Teórica

2.3 A família

Ao trazer o conceito de família à luz da teoria sistêmica acredita-se que a família tende a funcionar como um sistema total, em que as ações e os comportamentos de um dos membros influenciam e simultaneamente são influenciados pelos comportamentos de todos os outros. Entra aqui a questão da circularidade do sistema familiar, onde a família pode ser encarada como um circuito de retroalimentação. O comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas (Schenker & Minayo, 2004). Por outro lado, compreender a família como um sistema aberto (Neuburger, 1992) significa levar em consideração seus relacionamentos com outros sistemas humanos – a família extensa, o trabalho, a escola, os grupos religiosos, dentre outros, e pode ser considerado um subsistema de um suprasistema que é a sociedade.

Compreende-se a família enquanto uma entidade multigeracional com sua rede relacional, sendo elemento importante a transgeracionalidade. De acordo com a conceituação de família expressa no Sistema Único de Assistência Social - SUAS, família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social e reconhecida como núcleo afetivo, vinculada por laços consanguíneos, de aliança ou afinidade, onde os vínculos circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero (SUAS, 2005). Com base na teoria sistêmica, a família é um grupo formado por pessoas vinculadas por meio da emoção e/ou consanguinidade, que compartilham tempo suficiente para construírem modelos de interações e suas histórias que embasam os modelos de interação (Minuchin, Lee & Simon, 2008). Assim, a família é reconhecidamente um sistema

complexo, formado por subsistemas agrupados que compreendem o mundo sob aspectos individuais e sociais, cuja construção dessa compreensão ocorre com base nas relações interacionais dos subsistemas. Compartilhando do conhecimento de Minuchin et al. (2008, p. 57) em relação à compreensão de família os autores defendem que as famílias “são sistemas complexos compostos de indivíduos que necessariamente vêem o mundo de suas próprias perspectivas individuais”, ou seja, não é possível propor e desenvolver uma abordagem direcionada às famílias sem antes buscar conhecê-las em suas relações sociais, urbanas, emocionais, laborais e religiosas.

É importante refletir o pensamento de Minuchin et al. (2011) ao afirmarem que a família como uma pequena sociedade humana, em que seus integrantes constroem relações emocionais e compartilham suas histórias de vida. Identificar o recurso humano que perpassa o conceito de família permite trabalhar com seus sentimentos, suas emoções e seus sofrimentos, e a visualização da história passada para compreender a história presente, sem que seu passado seja determinante em relação ao seu comportamento futuro. O essencial é assumir o cuidado de não fragmentar o sistema familiar, é identificar que o comportamento de um indivíduo é uma responsabilidade compartilhada, uma vez que cada subsistema influencia o comportamento do outro.

A família é reconhecidamente o microambiente social no qual se forma o adolescente. Fishman (1996), Minuchin e Nichols (1996), Schenker e Minayo (2002) e Minuchin et al. (2011) compreendem a família como um sistema privado, com várias possibilidades de formação e transformação durante a sua existência e tem como função básica a promoção do desenvolvimento social primário de crianças e adolescentes. Essas transformações que ocorrem na família exercem um grande efeito sobre os adolescentes por ser o sistema de relação mais

duradoura com eles. Os adolescentes são os subsistemas mais vulneráveis às mudanças que acontecem e demonstram por meio de seu comportamento. Esta atitude pode ser reconhecida como um alerta para possíveis problemas no sistema primário (Fishman, 1996).

De acordo com o pensamento sistêmico, por ser a família um sistema aberto em constante formação e transformação que experimenta demandas internas e externas durante suas etapas de desenvolvimento, ela é, também, a fonte de compreensão do comportamento humano essencialmente estruturado pelo contexto social (Minuchin & Nichols, 1996). Ainda de acordo com o pensamento dos autores, identificar que a família é um sistema complexo de relações possibilitou trabalhar os subsistemas que a compõem (membros da família) e a denominar a família como unidade. E principalmente, como o local de intervenção, pois não há possibilidade de trabalhar um subsistema sem alterar a dinâmica dos demais subsistemas e como consequência do sistema em geral (Minuchin & Nichols, 1996).

No sistema família, a formação da estrutura organizacional, de interação familiar, dos sentimentos de pertencimento, de afeto e a definição de papéis, ocorre por meio da conexão estabelecida entre os subsistemas, razão pela qual há muito esforço para manter esse arranjo. Os subsistemas que formam a família podem variar. Há famílias que possuem apenas o subsistema conjugal, quando apenas há o casal. Há famílias que além deste é formada pelos subsistemas filiais que podem ser divididos entre infantil e adolescente. Há também famílias com subsistema monoparental, presença de apenas um responsável, mãe ou pai e o subsistema filial. As combinações são abertas e estão em constante transformação (Costa & Penso, 2010). Cada membro dos subsistemas que compõem o sistema família desenvolve o sentimento de pertencimento ao grupo. Seu desenvolvimento depende da qualidade das relações entre os membros familiares, mas sem dúvida este sentimento promove a manutenção da existência da

família, como se traduzisse pela vontade de fazer parte e permanecer neste grupo social, como uma identidade.

Na compreensão das autoras Costa e Penso (2010), as interações familiares ocorrem de maneira interna, entre os subsistemas da família, e de maneira externa, com os subsistemas que compõem as relações sociais de cada subsistema. Podem ser a escola, o trabalho, grupo de pares, a igreja, a comunidade, dentre outras. A qualidade destas interações é demarcada pelas fronteiras e pelas regras que o sistema familiar estabeleceu em seu cotidiano e pela forma de comunicação entre os membros e entre os subsistemas. Se for uma família cujo diálogo é uma ferramenta utilizada diariamente para resolução de conflitos e/ou expressão de afeto, as relações entre os membros tendem a ser mais saudáveis. Porém, se a família tem a característica de pouca expressão e diálogo, pode apresentar relações conflituosas.

A importância da perspectiva sistêmica no estudo da família é, como sendo um esquema, conforme descreveu Minuchin (1982), fundamentado no entendimento da família como um sistema que funciona dentro de contextos sociais, reconhecer a sua constante mudança, a sua necessidade de reestruturação e sua capacidade de adaptação às condições encontradas como alternativa de fortalecer o crescimento psicossocial de cada indivíduo. Diante desta afirmação, acredita-se que o estudo do indivíduo adolescente e suas relações familiares e sociais a partir desta perspectiva teórica proporciona um avanço, uma vez que se pode avaliar o desenvolvimento do sentimento de pertencimento, de identidade e de sujeito de direitos no sistema familiar e quiçá para além dele.

Nesta perspectiva, a família exerce um papel fundamental na vida do indivíduo e na reprodução de diversos comportamentos e atitudes, dentre as quais a violência, que é um indicador importante quando se trata de jovens em conflito com a lei. Quando se acrescenta,

nesse contexto, a situação de adolescentes em conflito com a lei, avaliam-se diversos outros elementos. Faz-se necessário compreender que os atos infracionais são os resultados de diversos fatores sociais, econômicos e políticos, em que o Estado assume seu compromisso e dever de proteção integral ao adolescente apenas quando este viola o direito do próximo, não quando diversos direitos fundamentais do adolescente são violados (Sales, 2007).