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A entrevista foi realizada à cuidadora da FAMV3, no domicílio de modo a evitar deslocações para a família de acolhimento e a observar algumas dinâmicas. O cuidador é canteiro e a cuidadora está atualmente desempregada, vendo esse facto como uma oportunidade para se dedicar ao acolhimento familiar. O casal tem uma filha, estudante, e acolhe dois irmãos, tendo totalizado seis crianças em AF ao longo do percurso.

A ideia de ser família de acolhimento partiu da cuidadora, “porque eu gosto muito de crianças e fui habituada a ter sempre crianças em casa. Tenho só uma filha, mas a casa ao fim de semana e nas férias estava sempre cheia” de amigos da filha que ali pernoitavam. Foi catequista. O cartaz da Fundação Mundos de Vida provocou-lhe o impulso no momento em que estavam reunidas as condições ao nível laboral. A cuidadora considera que ter disponibilidade é importante, pois “dá trabalho”, é preciso dedicação. Não sendo impossível de conciliar com um emprego, “às vezes não é fácil”, e nesta fase prioriza o AF em detrimento da sua carreira, tendo recusado alguns projetos profissionais. Admite que “o sonho da minha família é ter sempre a mãe ou a esposa em casa (...) O meu marido adora crianças e a minha filha também. Juntar as duas coisas é uma maravilha.”

A família recebe bem a proposta de ser FA, inclusivamente a alargada e amigos, “Aqui em casa eu pus a ideia, todos aceitaram, acharam interessante (…) Todos colaboram.”

A ânsia de receber crianças e as expectativas iniciais foram difíceis de gerir, dando inicio ao processo em 2009, apenas em 2011 acolheram a primeira criança. Apesar de receberem alguns contactos para averiguar a disponibilidade para receber crianças, acabaram por aplicar outras medidas de promoção e proteção infantil.

A FAMV3 tem recebido sempre duas crianças em simultâneo, tendencialmente na primeira infância e com alguns problemas a nível de saúde, carecendo de determinados cuidados e bens materiais. Verifica-se algum desgaste na aquisição dos bens, uma vez que a mobilidade para fazer compras fica limitada e têm de fazer diversas

deslocações nomeadamente para consultas e para as visitas à mãe e aos pais (pais diferentes). A família empenha-se muito para a progressão das crianças, sentindo grande satisfação, pagando explicações para garantir o sucesso escolar. O retrocesso (aquando do retorno à família de origem) no progresso conseguido provoca-lhe alguma frustração. Prefere crianças mais novas e os cuidados básicos em detrimento do desgaste do stress escolar. A valorização familiar da criança é apontada como o mais compensador do AF, “conseguem ter a perceção da mudança que nós causamos na vida deles e talvez seja essa a melhor recordação que tenho”.

A família ficou profundamente marcada pela cessação do AF das duas primeiras crianças acolhidas, entendeu que o processo de adoção foi desadequadamente apressado, não contemplando o superior interesse das crianças nem o da FA. Previa-se uma integração gradual na família adotiva, de acordo com as orientações médicas. A FA sofreu e viu as crianças desesperadas a chorar pedindo para não irem embora, vivenciando um duplo sofrimento, “noites quase sem dormir”. O casal e a filha ficaram “extremamente traumatizados ao ponto de dizermos -Não queremos acolher mais ninguém" e apresentaram queixa dos técnicos do serviço de adoção (Segurança Social) ao Ministério Público. A família adotiva não permitiu a manutenção do contacto com as crianças, contudo a cuidadora envia-lhes sempre um postal nas épocas festivas, “Provavelmente não chega nem à criança (…) mas a mim faz-me bem”. A memória das destas crianças que cuidaram durante dois anos e meio continuam presentes no quotidiano.

A família de acolhimento sentiu compreensão da parte da equipa de acompanhamento que concordou que o decorrer do processo foi atípico, oferecendo apoio psicológico, “equipa dos Mundos de Vida disse -Tudo bem, nós vamos respeitar, quando acharem que estão preparados para receber...". A FAMV3 avalia o desempenho da equipa de acompanhamento com nota máxima, “é fantástico, confesso que se não fosse pela Mundos de Vida, pela Segurança Social nunca seria FA, estava fora de questão, porque não existe apoio. (...) não podemos pedir absolutamente mais nada, mesmo em termos financeiros, eles vão ajudando.”

Alguns meses mais tarde receberam um contacto da equipa a referir que tinham duas crianças que precisavam de uma família. Entendendo que as crianças precisavam da FAMV3 acabaram por aceitar recebê-las. A FA recusou o primeiro pedido de AF e

admite que “ficou sempre um peso na consciência por não ter aceite aquele menino, por poder ajudar e não ter ajudado.” O consenso familiar é importante para darem uma resposta positiva, pois querem garantir o sucesso do acolhimento.

Admite que por vezes a filha gostaria de ter mais disponibilidade para a sua vida individual e para a relação parental. Para compensar a partilha da atenção com as crianças aproveitam momentos “-Só mãe e filha.” A filha é solidária e gosta de oferecer presentes às crianças, não sentindo qualquer privação material, apesar de “Há meses que o que nós recebemos não chega minimamente para aquilo que gastamos” com as crianças. Sugere que as despesas sejam reembolsadas. Entende que o apoio financeiro e fiscal para as FA é escasso, “Não será esse o fator para as famílias não acolherem, mas esse também será um motivo para as famílias pensarem duas vezes.”

A família de acolhimento foi criando algumas estratégias para lidar com as situações de stress, com a experiência que vai obtendo ao longo dos quatro anos de AF, “formulei a ideia de que realmente é muito mais fácil acolher dois irmãos do que acolher só um. Precisamente por causa do momento da saída.” Entende que as crianças se apoiam uma à outra e admite que é mais fácil quando retornam à família de origem com quem já têm uma relação construída.

Mantem contacto com as segundas crianças acolhidas após a cessação do AF, sempre que uma das partes mostra saudades, pelo que a boa relação com a família de origem é fundamental. A FAMV3 mantem relação cordial com a família de todas as crianças, aconselhando e dando dicas sobre a educação.

As próximas cessações poderão ser dolorosas mas com a experiencia anterior sentem-se mais preparados, “pior do que aquilo vai ser difícil”.

No futuro pretendem continuar a acolher, entende que “isto agora é viciante. (...) A minha filha disse -Deixa lá, eles vão, se forem bem, não faz mal, vêm outros”.