7 MAPEAMENTO E CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS VIVÊNCIAS DE
7.3 A Família Parental e Suas Influências no Ser Pai e no Ser Mãe
As relações dos pais com seus progenitores (família parental-matena e paterna) têm
influências marcantes nas vivências do ser pai e do ser mãe. Nas entrevistas, surgiram
memórias afetivas ligadas às vivências dos pais enquanto crianças, com seus próprios
pais. Algumas destas memórias afetivas aparecem no campo da recordação, de fatos
importantes na vida dos pais (casal). Estes fatos, tornaram-se úteis enquanto experiências bem
sucedidas, e servem como modelos para serem utilizados, como, por exemplo, as conversas da
mãe, na hora do almoço, sobre como educar filhos; a busca dos pais por crescimento, as
experiências afetuosas e de carinho. Outras experiências são consideradas como exemplos a
serem modificados por se tratar de experiências desagradáveis como ansiedades e temores dos
pais; pais que batiam muito; que eram muito rígidos ou que eram muito ausentes e distantes;
pais superprotetores que não ofereciam segurança. Para os pais os modelos que consideram
mal sucedidos servem como exemplos para serem modificados nas relações com os filhos. Há
nível inconsciente, que os levam a tomar atitudes semelhantes, sem se darem conta ou, ainda,
percebendo-as, quando possível, somente depois de terem-na tomado. Como exemplo, temos
o relato de um pai cuja mãe, quando pequeno, transmitia-lhe profundos temores com relação a
chuvas e relâmpagos. Hoje, embora ele tenha consciência de algo dos temores da mãe, ainda
se vê assustado quando chove e tenta mudar esta experiência com os filhos.
Os casais parecem nos dizer de uma herança psíquica presente no exercício de suas
funções através de vivências amorosas e acolhedoras, mas também de vivências que causaram um impacto traumático (SILVA, 2004b).
Freud (1975c), no texto Moisés e Monoteísmo, vai nos dizer que não há nada que uma
geração consiga esconder da outra. Assimilar e transformar estas experiências em capacitação para o exercício de suas funções, parece ser o grande desafio dos pais. O que me ocorre é que
nas vivências com os filhos há elementos que são transmitidos ainda não transformados, nem
elaborados como aspectos de confusão e conflito.
Lebovici (2004) vai dizer da importância para o exercício da parentalidade da aceitação
da herança psíquica. A partir do material das entrevistas podemos refletir: Estariam os pais
(pai e mãe) se conscientizando do que herdaram de seus pais para conquistarem à partir daí
seu próprio espaço de parentalidade? A não elaboração dos aspectos transmitidos pela herança
psíquica estaria levando pais a um exercício conflitante e confuso de suas funções? Parece
que sim.
Outro fator relacionado à influência das famílias parentais no exercício da função
materna refere-se, a meu ver, ao “holding” sendo transferido ou solicitado a ser exercido pelos
avós paternos ou maternos, quando a mãe precisa retornar ao trabalho. O que me sugere uma noção de família extensa. Quando as tarefas práticas de cuidados com os filhos não podem ser
exercidas pelas mães ou pais, elas têm sido atribuídas aos avós maternos ou paternos, com
para avós maternos e paternos tem sido vivida com culpa e angústia por mães que retomam o
trabalho. Com esta modificação, os avós passam a exercer uma maior influência, na conduta
dos pais e de seus filhos. Alguns avós acabam interferindo nas funções dos pais, ao
desconsiderar as normas e estilos dos mesmos. Podemos pensar que para que a função de
“holding” possa ser exercida na modalidade de família extensa é preciso que a família
parental seja de fato extensão da família da criança, no sentido de respeitar e acolher o estilo
dos pais. Solis-Ponton (2004) cita que esta modalidade de parentalidade, em que a função de holding é estendida à família parental, é um recurso para que as crianças sejam atendidas em
suas necessidades, nas funções que os pais estão, temporariamente, impossibilitados de
exercer. Penso que é preciso que os avós acolham a maneira e o estilo dos pais, nas vivências do ser pais, para não desconsiderarem a importância e a capacidade dos mesmos. E ainda, que
a modalidade de “holding” vivido pela família extensa (avós, babás, creches) dá às funções
maternas e paternas, uma nova gama de conflitos e problematizações. Como fica a
constituição e desenvolvimento da personalidade da criança diante desta nova configuração?
Nas entrevistas pude perceber situações distintas onde a família parental de uma das mães
parece ser facilitadora da extensão do “holding” materno e paterno, quando acolhe a criança
respeitando as disposições e normas da mãe e do pai, transmitindo-lhes segurança e não
rivalizando com os mesmos.
Por outro lado, pais relataram que a família parental, na figura da avó materna, interfere
e desconsidera os cuidados e normas da mãe, causando transtornos na aceitação da criança
dos limites estabelecidos pelos pais, a ponto de terem que evitar o contato muito próximo.
Fato que surgiu de forma concreta na presença da criança, em duas das entrevistas, por não terem com quem deixá-la e evitarem que ficasse com a avó. Desta forma, revelam um aspecto
importante no exercício da função materna e paterna, que é a delimitação entre a família de
um espaço para que o casal se inscrevesse como pai e como mãe, de um jeito próprio, devido
à uma avó materna autoritária e intrusiva, que interferia na rotina da casa e na educação das
filhas. Com isso, o casal não conseguiu estabelecer a separação necessária entre seus pais e
seu próprio espaço físico e mental, de forma a estabelecerem suas funções enquanto pais. O
casal fica pressionado, ora dando importância grande às atitudes das filhas, ora, às atitudes
dos pais, tornando-se difícil perceberem o direito e a clareza sobre o próprio espaço de
exercício da parentalidade. O que me sugere que na passagem da dependência para a independência há pais que ficam subordinados à autorização materna para que possam
desenvolver suas funções ligadas à autonomia e à parentalidade e, conseqüentemente um
exercício mais livre e espontâneo de suas funções materna e paterna. Personalidades que ficam submetidas aos desejos, opiniões e demandas do outro (seus próprios pais, filhos), do
mundo (modelos sociais, demandas da cultura), não podendo se libertar e sentirem-se capazes
de fazer escolhas e autorizarem-se a serem pais de si próprios e dos próprios filhos.
Desta forma podemos pensar que estabelecer esta diferença entre a família de origem e
a família que se forma é condição importante para um exercício mais livre das próprias
funções materna e paterna.