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As famílias Carneiro e Vilela ou “ou nada vos oferto além destas mortes

As famílias Carneiro e Vilela ou

“nada vos oferto além destas mortes de que me

alimento”

37 A caricatura inserida no periódico pernambucano ‘O Maribondo’, em 25 de

julho de 1822 (figura 01), representa a primeira charge brasileira86, o “ponto de partida

de todo um desenvolvimento estético87”. Não é sabido o nome do desenhista que

apresentou “um horroroso corcunda – representando os portugueses – a pular acossado

por um enxame de maribondos – os brasileiros, que o atacavam88”. Na linguagem

política da época, a figura deformada do ‘corcunda’ ou ‘carcunda’, representava, pejorativamente, o português. Essa xilogravura transmitia uma crítica política aos lusitanos e à situação colonial do Brasil que aspirava à independência. Segundo Magno, a ilustração é considerada uma charge “em face da sua carga crítica e irônica, e sua

ligação com o programa político da publicação89”.

No mundo luso-brasileiro, a palavra ‘corcunda’ entrou para a linguagem política a partir de 1821, na esteira do Vintismo português, simbolizando um homem infame,

86

MAGNO, Luciano. História da Caricatura Brasileira: os precursores e a consolidação da

caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: Gala edições de Arte LTDA. 2012. p.40. 87 Ibidem. p. 43. 88 Ibidem. p. 40 89 Ibidem. p. 43.

38 hipócrita, amigo do dinheiro, sem brio, sem honra, inimigo das Luzes, “sendo as suas

palavras as de religião e trono90”. Lúcia Neves constata que o ‘corcunda’ é partidário do

despotismo e seguidor das ideias anticonstitucionais91. Frei Caneca se utilizou da

adjetivação ‘corcunda’ para atacar os portugueses: o “demônio do corcundismo é de todos os espíritos das trevas o mais maligno e prejudicial aos filhos da razão e da lei. (...) O corcundismo nem pelo jejum, nem pela oração sai do corcunda: é uma fúria que

torna desgraçado o homem que lhe abriu entrada em sua alma92”.

As famílias Carneiro e Vilela não ficaram alheias a essa luta contra os portugueses: Jerônimo Vilela Tavares, avô paterno do nosso biografado, participou da

Revolução de 181793. Francisco Carneiro do Rosário, bisavô materno do biografado,

também esteve presente nos acontecimentos de 1817 e abriu as portas da sua residência para a realização, em 1821, da eleição dos deputados pernambucanos às Cortes de

Lisboa94. Manuel Carneiro Machado Rios, tio avô materno de Carneiro Vilela foi

signatário da Convenção de Beberibe95.

1.1 – Os Vilelas: família de ‘cabedal intelectual96’

Joaquim Dias Martins, em ‘Mártires Pernambucanos’, informa que Jerônimo

Vilela Tavares, cirurgião baiano radicado no Recife97, devido às suas íntimas relações

com ativos participantes da Revolução de 1817, foi enviado para o cárcere em 1818. Jerônimo possuía relações com os ‘chefes da liberdade’, entre eles João Ribeiro Pessoa Montenegro Domingos, que, depois da derrota dos revolucionários de 17, “teve o

90

Ibidem. p. 43

91

NEVES, Lucia Maria Bastos P. A guerra de penas: os impressos políticos e a independência do

Brasil. Revista Tempo. 1999. p. 7. Disponível em:

Http://www.história.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg8-3.pdf. Acesso em: 05/07/2014.

92

Tyfhis Pernambucano (PE), 29.07.1824

93

MARTINS, Joaquim Dias. Os mártires pernambucanos, vítimas da liberdade nas duas revoluções

ensaiadas em 1710 e 1817. Recife. Tipographia de F. C. Lemos e Silva. 1853. p. 391 94

CAVALCANTI, Manuel Nunes Júnior. “O egoísmo, a degradante vingança e o espírito de partido”:

a história do predomínio liberal ao movimento regressista (Pernambuco, 1834-37). Recife.: Tese de

Doutorado em História. UFPE. 2015. p. 330-31

95

Ibidem. p. 340

96

NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco: 1821-1954. Recife. Imprensa Universitária/UFPE. 1967. V. 2. p. 12. Nascimento destaca quatro membros da família Vilela, durante três gerações. Os Vilelas ‘militaram’ no jornalismo pelo menos por oito décadas, entre os anos de 1829 a 1913. Sobre os Vilelas, afirma Nascimento: “O passado assinalou considerável quantidade de jornalistas de escol, panfletários, polemistas ou doutrinários (...) a ressaltar (...) o médico baiano Jerônimo Vilela Tavares, seus filhos pernambucanos Jerônimo Vilela de Castro Tavares e Joaquim Vilela de Castro Tavares e seu neto Joaquim Maria Carneiro Vilela”.

97

39 cadáver exumado, após o suicídio, para ser mutilado98” e José Martins, que recebeu

pena máxima e foi executado99. Jerônimo foi acusado de conspiração, de “ir aos clubes,

de ser apaixonadíssimo, de querer matar o cunhado por ser europeu, de ser declamador, de ser cirurgião do batalhão de cavalaria100”.

A Revolução de 1817 produziu um saldo de aproximadamente 300 presos políticos, enviados para a Bahia101. Entre eles se destacaram Frei Caneca, Gervásio Pires, Muniz Tavares, Pedro da Silva Pedroso, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque, o futuro Visconde de Suassuna. Bernardes destaca que a partir de 1818 as condições do cárcere, que eram extremamente difíceis e cruéis, melhoraram. Segundo ele foi instalada na Bahia a “primeira escola que funcionou em uma cadeia no Brasil, organizada por iniciativa de presos políticos102”. Frei Caneca confessou que com avultado ganho, o carcereiro deixou entrar papel, penas, tintas, novelas, dicionários. Foram ministradas aulas de francês, de inglês, de lógica, direito civil e direito natural. Caneca argumenta que Jerônimo se aplicou ao estudo da

língua inglesa103. Muniz Tavares afirma entusiasmado, na sua História da Revolução de

Pernambuco de 1817: “fenômeno raríssimo! A habitação das trevas transformou-se em asilo da luz! A maior sala daquela cadeia assemelhava-se à sala de um liceu. Ali moços e velhos consagravam o dia inteiro à aplicação literária, ao estudo da língua, às

matemáticas, à filosofia racional e moral104”. Foi no cárcere que Frei Caneca escreveu a

sua “Gramática Portuguesa, lecionou e fez versos105”.

Jerônimo ficou preso até o ano de 1821, quando a anistia das Cortes de Lisboa o

libertou106. Regressou ao Recife e, em agosto de 1822, foi nomeado cirurgião do

Tribunal da Relação de Pernambuco, com a incumbência “de curar as enfermidades dos

98

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro. Mauad. 1999. p. 93

99

MARTINS, Joaquim Dias. Op. cit. p. 258 e 514.

100

Manuscrito. Revolução de 1817. Relação dos réus presos existentes na cadeia da Relação da Bahia.

Disponível em:

http/://objdigital.bn.br/acervo_div_manuscritos/cmc_ms618_20_02/cmc_ms618_20_02.pdf. Acesso em: 15/08/2014

101

BERNARDES, Denis. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. Recife. Editora Universitária UFPE. 2006. p. 188

102

Ibidem. p. 188

103

CANECA, Frei Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e literárias de Frei Joaquim do Amor

Divino Caneca. Recife. Produção editora Gráfica Star. 1979. p. 14-15 104

TAVARES, Muniz. História da revolução de Pernambuco em 1817. Recife. Governo do Estado. 1969. p. CCLXXI

105

SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit. p. 91

106

40 desembargadores e suas famílias”, recebendo 60$000 de ordenado e 16$000 de

gratificações107. Ele também ocupou o cargo de primeiro cirurgião do hospital militar108.

Em 1824, Jerônimo Vilela se envolveu na tentativa de deposição do presidente de província de Pernambuco Manuel de Carvalho Paes de Andrade; preso por algumas horas na fortaleza do Brum, em golpe articulado pelos majores Lamenha e Seara que lideraram uma tropa de 200 soldados109. Frei Caneca, em artigo publicado no ‘Typhis Pernambucano’, cobra uma punição com “todo o rigor da severidade” à ‘facção munística’, integrada pelo padre Muniz Tavares, “ex-professor de latim do Cabo”, por Jerônimo Vilela Tavares, “ex-cirurgião do partido privado do Cabo”, por Thomaz Xavier, Bernardino de Sena Lins e Manoel Clemente do Rego Cavalcanti. Segundo Caneca, estes são “as grandes cabeças que deitaram a perder tantos mancebos de esperança110”. Frei Caneca usa palavras duras ao se referir à ajuda financeira que Jerônimo recebeu do seu cunhado, Joaquim José da Silva e Castro, durante a sua estada na prisão baiana: “que uso deu este vadio à mesada? (...) Faz vergonha dizê-lo”. Além disso, Caneca diz que Jerônimo não possuía recursos suficientes para o seu sustento: “a sua arte, as suas traficâncias, nem lhe dão para comer, como ele mesmo confessa; tem

sempre andado às costas do seu honrado cunhado111”. Caneca, nesse mesmo artigo,

afirma que essa “súcia” apoiou o Imperador depois que ele fechou a Assembleia Nacional Constituinte.

Jerônimo foi um dos pioneiros no jornalismo político no Brasil, colocando a sua pena para defender as bandeiras liberais e atacar os ‘corcundas’. Nas décadas de 1820- 30, escreveu em diversos periódicos, como o ‘Diário de Pernambuco’, a ‘Abelha Pernambucana’ e ‘O Constitucional’. Bateu-se em defesa do sistema constitucional e contra os jornais ‘colunáticos112’ ‘O Amigo do Povo’, ‘O Cruzeiro’ e ‘O Liberalão’,

edição pastiche deste último113. Segundo Nascimento, ‘O Amigo do Povo’, possuía

107

COSTA, Francisco A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Recife. Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte/FUNDARPE, 1983. V. 8, p. 291

108

O Constitucional (PE), 18.03.1830

109

CANECA, Frei Joaquim do Amor Divino. Op. cit. p. 508

110

Tyfhis Pernambucano (PE), 01.04.1824

111

Tyfhis Pernambucano (PE), 01.04.1824

112

LIMA, Manoel de Oliveira. Pernambuco e o seu desenvolvimento histórico. Recife: Governo do Estado de Pernambuco. 1975. p. 298

113

41 como “alvo principal da sua catilinária o médico Jerônimo Vilela Tavares, o padre

Lopes Gama e Antônio Borges da Fonseca114”.

Os Anais da Assembleia Legislativa de Pernambuco informam que Jerônimo foi o primeiro jornalista em Pernambuco que sofreu, em junho de 1829, agressões físicas,

levando um bocado de cacetadas, por razões políticas115. ‘O Amigo do Povo’ afirma que

Jerônimo foi espancado de “modo que o maltratou bastante116”. O próprio Jerônimo

conta que foi assaltado por um indivíduo armado com um cacete e que recebeu duas

cacetadas nas costas e duas nos braços117. Na ocasião, Jerônimo acusou ‘os colunas’ de

serem mandatários da sova que ele sofreu. Dias depois, o jornal ‘O Constitucional’ acusou o Major Macedo e o Capitão Leal de mandarem assassinar Jerônimo e afirmou

que ambos se “regozijaram com as pauladas que o mesmo levou118”.

Segundo Marcus Carvalho, ‘os colunas’ designavam uma abreviatura para os integrantes da “sociedade absolutista Coluna do Trono e do Altar, organizada em 1828 com sólidas ramificações em Pernambuco, no exército, no clero e na burocracia119” e

“com a conivência das autoridades120”. Em Pernambuco, o vigário Ferreira Barreto e o

padre José Marinho Falcão Padilha propagavam, através da imprensa, as doutrinas

reacionárias dos colunas121, que se traduziam na luta apaixonada contra o

constitucionalismo122.

Em Pernambuco, no contexto de lutas contra ‘os colunas’, os liberais ganharam reforços com a fundação de dois periódicos que contavam com a presença do redator Jerônimo Vilela. Em 1829, foi fundado o jornal de Antônio Borges da Fonseca, ‘Abelha Pernambucana’, contrária ao absolutismo e “inimiga acríssima dos dois extremos:

república e abolicionismo123”. No mesmo ano nasceu ‘O Constitucional’, “adstrito à

114

NASCIMENTO, Luiz do. Op. cit. v. 4. p. 73

115

Anáis da Assembléia Legislativa de Pernambuco. Disponível em: <http:www.alepe.pe.gov.pe/sistemas/anais/pdf.> Acesso em: 08/09/2014

116

Amigo do Povo (PE), 07/06/1829.

117

Diário de Pernambuco (PE), 10.06.2014.

118

O Constitucional (PE), 21.12.1829

119

CARVALHO, Marcus J. M. Movimentos sociais: Pernambuco (1831 – 1848). In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial, volume II: 1831 – 1870. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2009. p. 178

120

ATAÍDE, Maria das Graças. Guarda Nacional em Pernambuco. Recife: Dissertação de Mestrado em História. UFPE. 1986. p. 91

121

CARVALHO, Alfredo de. Annaes da imprensa periódica pernambucana. 1821-1908. Recife. Tipografia Jornal do Recife. 1908. p.124

122

Ibidem. p. 127

123

42 defesa do sistema constitucional e ao combate sistemático à Coluna do Trono e do

Altar124”. Jerônimo, em agosto de 1829, atacou os principais veículos do grupo

‘colunático’: “nada é mais fácil do que infringir a lei, ultrapassar as barreiras da decência, e cometer crimes mais atrozes. (...) Neste caso estão os colaboradores e

correspondentes do ‘Cruzeiro’ e do ‘Amigo do Povo’125”. Alfredo de Carvalho relata

que nesse período o ‘Diário de Pernambuco’ foi “um dos mais resistentes baluartes do constitucionalismo, graças à assídua colaboração dos padres Lopes Gama e Venâncio

Henrique de Rezende e do cirurgião Jerônimo Vilela Tavares126”.

O ano de 1831 foi marcado pela abdicação de D. Pedro I e pela criação do jornal ‘O Carcundão’, que, pela segunda vez na história da caricatura brasileira, inseriu charges em suas publicações (figura 02). Essas ilustrações, segundo Lailson Cavalcanti, satirizavam os restauradores, que advogavam o retorno de D. Pedro I ao poder, e a

Sociedade Coluna do Trono e do Altar127.

124 Ibidem. v. 4. p. 73 125 O Constitucional (PE), 20.08.1828 126

CARVALHO, Alfredo de. Op. cit. 1908. p. 100

127

CAVALCANTI, Laílson de Holanda. No princípio era o Carcundão. Recife. Revista Continente Multicultural. Março. 2007.

43

Sobre a imagem128 da página anterior (figura 02), Hernan Lima, autor da

‘Historia da Caricatura no Brasil’, afirmou que do ponto de vista caricatural eram absolutamente nulas, pois, a imagem “é uma vinheta xilografada, com um burro

corcunda derrubando a coices uma coluna grega129”. Lailson Cavalcanti refuta essa tese

afirmando:

“o burro corcunda a que se refere Lima, na verdade, é a representação de um ser humano com cabeça de asno, alegoria muito usada por Francisco de Goya e Lucientes em sua série de ‘Caprichos’ para simbolizar a ignorância das elites. Essa figura bípede – e não quadrúpede – não escoiceia, mas, pelo contrário, tenta deter com as

mãos a queda de uma coluna que despenca sobre ela130”.

A caricatura do ‘O Carcundão’ inequivocamente fustiga os colunas e sugere a sua derrocada, uma vez que uma coluna partida cai em cima do corcunda. Isso vai ficar claro na segunda imagem publicada dias depois, em que o mesmo corcunda aparece agora “sob uma nuvem negra que saltava raios, soterrado pela coluna quebrada que agora trazia a inscrição em latim: non plus ultra” (figura 03). Para Cavalcanti, essa expressão era normalmente escrita em “mapas marítimos para indicar um ponto final a partir do qual não se podia mais prosseguir131”. O texto escrito abaixo da charge corrobora essa tese, pois o corcunda diz: “Que Vejo?! A Santa Liberdade, que tanto tenho ultrajado, armar-se do raio vingador; o corisco está descarregado: ai!...ai!...ai! eu

morro esmagado sob os destroços da Coluna fulminada132”. A caricatura e o texto

indicam a derrocada dos ‘colunas’, confirmando o temor dos colunas apresentado em uma legenda da primeira edição do periódico: “apressemos-nos, o tempo é breve, a

existência do Trono e Altar acha-se ameaçada por esses anarquistas niveladores133”.

128

O Carcundão (PE), 16.05.1831. Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=xx1019&pasta=ano%20183&pesq Acesso em: 24/09/2014:

129

LIMA, Hernan. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro. José Olympio editora. 1963. Volume I. p. 69

130

CAVALCANTI, Laílson de Holanda. No princípio era o Carcundão. Op. cit.

131

Ibidem.

132

O Carcundão (PE). 16.05.1831. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=xx1019&PagFis=2&Pesq= Acesso em: 24/09/2014

133

CAVALCANTI, Laílson de Holanda. Historia del humor gráfico en el Brasil. Espanha. Lleida. Editorial Milênio. 2005. p. 21

44 Depois da abdicação de D. Pedro I, Jerônimo ajudou a fundar e a elaborar o

estatuto da Sociedade Patriótica Harmonizadora134, “congregando moderados e liderada

pelos Cavalcantis e por Maciel Monteiro”, que tinha como fim “sustentar a liberdade

legal, promover a ordem pública e a harmonia dos cidadãos135”. A Harmonizadora

intentava evitar a radicalização da ‘Revolução de 7 de abril’, pois “reconhecia a relevância do 7 de abril para a manutenção do princípio da constitucionalidade, mas também considerava os excessos nativistas e federalistas ameaça à própria constituição

e à unidade territorial136”. Segundo Pereira da Costa, um dos “primeiros atos da

nascente corporação foi a resolução de amparar os filhos das vítimas, mártires de 1817 e 1824, cuidando da sua educação e proporcionando-lhe uma pensão para a sua

manutenção137”. Afirma também Pereira da Costa que a Harmonizadora prestou

134

O OLINDENSE (PE), 08.07.1831

135

COSTA, Francisco A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Op cit. V.9. p.400

136

CARVALHO, Marcus J. M. Op. cit. 2009. p. 143

137

COSTA, Francisco A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Op. cit. v. 9. p. 400

45 valiosos serviços à ordem pública por ocasião da sedição conhecida por Setembrizada138.

A partir de 1832, Jerônimo começou a padecer de uma grave enfermidade que o acometeu pelo período aproximado de quatro anos. Essa moléstia dolorosa e mortal o deixou “acabrunhado e cadavérico, (...) rodeado pela esposa inseparável e nove filhos, sete dos quais de tenríssima idade e em estado de maior precisão”. Essas palavras fortes foram pronunciadas pelo próprio Jerônimo, em artigo publicado pelo Diário de Pernambuco de 15 de junho de 1835, quando soube do projeto encaminhado pelo deputado provincial, Gervásio Pires, propondo a sua aposentadoria como cirurgião do Tribunal da Relação; o que acarretaria a queda do seu salário para cerca de um terço do rendimento e que “levaria da boca dos meus tenros filhinhos essas migalhas de pão com

que lhes matava a fome139”.

Poucos meses depois, Jerônimo Vilela Tavares, cirurgião, jornalista e ex-preso político, faleceu e deixou na orfandade seus filhos; entre estes se destacavam Jerônimo Vilela de Castro Tavares, nascido em 1815 e futuro líder praieiro, e Joaquim Vilela de Castro Tavares, nascido em 1816 e futuro presidente de Província do Ceará, respectivamente, tio e pai de Carneiro Vilela.

A vida para a família Vilela, marcada por privações e necessidades, não foi fácil depois da morte do patriarca. Jerônimo Vilela de Castro Tavares, convertido em arrimo de família, e ainda cursando a Academia Jurídica de Olinda, tornou-se vice-diretor do Colégio de Órfãos de Olinda. Em 1835, ele recebeu o grau de doutor em ciências jurídicas, depois de “conquistar uma brilhante reputação (...) por sua aplicação e

conhecimento (...) a ponto de receber uma medalha de ouro140” pelos seus méritos

acadêmicos. Passou a exercer, a partir de 1836, o cargo de promotor público na comarca de Bonito e posteriormente foi nomeado secretário de governo da presidência da Paraíba. Em 1840, voltou a exercer o cargo de promotor na comarca de Rio Formoso e passado algum tempo foi removido para Garanhuns. Em 1844 ele foi nomeado

professor da Academia Jurídica de Olinda141.

138

Ibidem. p. 401

139

Diário de Pernambuco (PE), 15.06.1835.

140

COSTA, Francisco A. Pereira da. Diccionario Biographico de Pernanmbucanos Celebres. Recife. Typographia Universal. 1882. V. 2. p. 433-36

141

46 Joaquim Vilela também estudou direito em Olinda, enfrentando dificuldades

financeiras para conseguir se matricular142. Em 1836, conquistou o grau de bacharel em

direito, sendo, em 1840, nomeado professor da referida academia, com apenas 23 anos de idade; inicialmente foi professor de direito eclesiástico e posteriormente passou a

reger a cadeira de direito comercial143. Segundo Pereira da Costa, Joaquim, ao longo de

sua vida, conquistou glória e renome “não só sobre os seus discípulos que o ouviram com atenção e respeito, como também sobre todos em geral, que sabem distinguir o

verdadeiro merecimento e prestar o devido culto à sabedoria144”.

142

Academia Pernambucana de Letras (APL). Sessão Patronos da APL. Pasta 8. Discurso de posse do dr. Silvino Lopes na cadeira número 8 (Joaquim Vilela de Castro Tavares)

143

Academia Pernambucana de Letras (APL). Sessão Patronos da APL. Pasta 8. Discurso de posse do dr. Silvino Lopes na cadeira número 8 (Joaquim Vilela de Castro Tavares)

144

COSTA, Francisco A. Pereira da. Diccionario Biographico de Pernanmbucanos Celebres. Op cit. p. 519-520

47 1.2 – Os Carneiros: família de fortuna e armas

Francisco Carneiro do Rosário, marchante, sargento-mor e bisavô de Carneiro Vilela, era homem de grossa fortuna. Ele foi proprietário do “Sítio do Lucas, com olaria, casa de vivenda e árvores de frutos, situada à margem do rio Capibaribe, cujas terras

constituem hoje o extremo do bairro da Capunga145”. Francisco foi contratador do

subsídio do açúcar e do tabaco em Pernambuco, bem como do subsídio militar da carne

da cidade de Olinda e da vila do Recife146. Como costume entre algumas famílias

endinheiradas, mandou o seu filho, Manuel Carneiro Machado Rios, estudar em Portugal, tendo o mesmo passado dez anos no Velho Continente, entre os anos de 1798 a 1807147.

Francisco Carneiro foi bastante ativo politicamente, participou da Revolução de 1817 e da eleição dos deputados pernambucanos escolhidos para integrar as Cortes portuguesas. Ele também se envolveu na Junta Provisória de Governo, presidida por Gervásio Pires, sendo um dos “participantes com direito a voto na Sessão da Junta de 30 de janeiro de 1822, quando da discussão sobre o embarque de volta a Lisboa de tropas portuguesas ainda estacionadas em Recife. Seu voto pelo retorno daquelas tropas consta na ata da reunião148”.

Os filhos de Francisco Carneiro do Rosário herdaram o gosto do pai pela política. Manuel Carneiro Machado Rios participou dos eventos relacionados à Convenção de Beberibe, assinando “o documento final como vereador pela Câmara

Municipal de Serinhaém149”. Francisco e Antônio Carneiro Machado Rios participaram

da Confederação do Equador militando em lados opostos, o primeiro ficou ao lado dos

145

COSTA, Francisco A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Op. cit. V. 7. p. 75. Um outro exemplo da riqueza dos Carneiros pode ser aquilatada em 1857, quando Francisco Carneiro Machado Rios, um dos filhos de Francisco Carneiro do Rosário, doou um terreno entre a Estrada do Manguinho e a Capunga,

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