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O sistema familiar tem sofrido grandes mudanças, ou seja:

9 A família não é uma instituição estática, ela move-se tanto nos espaços das construções ideológicas quanto no papel que exerce na organização da vida social;

9 A família tem capacidade de modificar suas estruturas quando se

produzem mudanças em seu meio;

9 A família apresenta-se como lugar de troca, de construção de

personalidade e, ao mesmo tempo, lugar de conflitos e tensões. E quando ocorre uso de álcool e outras drogas?

Independentemente de sua constituição, classe social ou situação econômica, uma família pode ser surpreendida com a questão do uso abusivo de álcool e outras drogas por um de seus membros. Esse uso pode estar em um contexto social familiar positivo e ser visto como uma forma de a família se manifestar e comemorar. Nesse caso, o uso de álcool e outras drogas pode ser visto dentro da cultura familiar. No entanto, existem situações

em que o uso de álcool e outras drogas é visto de maneira negativa, imprimindo dor e sofrimento. Esse uso visto como negativo geralmente provoca um profundo impacto sobre toda a família e é considerado como sendo de fora da cultura familiar. O usuário é visto como um estranho à família.

É importante observar o contexto cultural do uso de álcool e outras drogas dentro da família, bem como os valores éticos, morais e simbólicos que recaem sobre esse uso.

O que observamos é que as famílias apresentam dificuldades para cuidar das questões que envolvem problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas, como se esse uso fosse algo totalmente externo, fora da relação familiar. Muitas vezes, é dentro do núcleo familiar dos usuários de álcool e outras drogas que se inicia um processo de reducionismo, estigmatização, marginalização e exclusão, que será posteriormente ampliado pela sociedade.

Frequentemente as famílias sustentam um não-saber sobre elas e, quando uma questão de uso de drogas emerge, esse não-saber aparece como um “fantasma”. As famílias apresentam-se desautorizadas ou desatualizadas em relação aos seus próprios problemas. Por isso é importante lembrar que uma família possui um saber que não é da ordem das necessidades teóricas, científicas e/ou sociais. Uma família possui um saber sobre seu desejo, sobre sua história, e é desse saber que poderá surgir a reflexão sobre a função que o uso de álcool e outras drogas tem na relação familiar e na singularidade de cada um nessa relação.

A família que exclui é também a família que poderá acolher. A família “problemática” é também a família que carrega a “solução”. Assim, numa visão baseada no paradigma da complexidade, pode-se pensar a família como um espaço de risco, e também como contexto de proteção, sem que haja exclusão ou separação das partes (Dios, 1999, p.83).

A compreensão de que os problemas das pessoas necessitam ser compreendidos para além dos aspectos individuais, dentro de um contexto de vida em que a família está incluída, permitiu o desenvolvimento de formas de atenção aos usuários de álcool e outras drogas que incorporam a família como aspecto fundamental da visão psicossocial. A inclusão da família na atenção aos usuários de álcool e outras drogas tem sido consideravelmente estudada, no entanto, não existe um consenso sobre qual é a dinâmica que essa família possui, bem como qual o tipo de atenção a ser priorizado, dentre os vários modelos propostos. Nesse contexto, existem alguns modelos teóricos na conceitualização das dinâmicas familiares de usuários de álcool e outras drogas:

9 Doença Familiar: Considera o uso de álcool e outras drogas como uma doença que afeta não apenas o usuário, mas também a família. Essa ideia teve origem nos Alcoólicos Anônimos, em meados de 1940. Alguns, estudos têm considerado que o uso de álcool e outras

drogas estaria relacionado à manifestação de sintomas específicos nos companheiros de usuários de álcool e outras drogas, dando origem ao conceito de codependência. Entretanto, este conceito tem recebido várias críticas.

9 Sistêmico: Considera que as famílias com problemas relacionados ao uso prejudicial de álcool e outras drogas mantêm um equilíbrio dinâmico entre o uso de substâncias e o funcionamento familiar. Em meados de 1970 a 1980, esse modelo passou a exercer grande influência sobre os profissionais de saúde. Na perspectiva sistêmica, um usuário de álcool e outras drogas exerce uma importante função na família, que se organiza de modo a atingir uma homeostase dentro do sistema, mesmo que para isso o uso de álcool e outras drogas faça parte do seu funcionamento e, muitas vezes, a abstinência possa afetar tal homeostase.

9 Comportamental: É uma extensão do constructo da teoria da

aprendizagem e assume que as interações familiares podem reforçar o comportamento de consumo de álcool e outras drogas. O princípio é que os comportamentos são apreendidos e mantidos nas interações familiares. Esse modelo tem propiciado a observação de alguns padrões típicos recorrentes nessas famílias, tais como: reforçamento do uso de álcool e outras drogas como uma maneira de obter atenção e cuidados; amparo e proteção do usuário de álcool e outras drogas quando relata consequências e experiências negativas decorrentes de seu uso; punição do comportamento do uso de álcool e outras drogas. Tendo em vista a dificuldade em entender o tema, apontamos para a importância de pensar numa perspectiva mais complexa de intervenção. Uma abordagem fechada da questão pode incidir em perda das dimensões socioculturais que envolvem o uso de álcool e outras drogas. Pensar a família como uma organização social e cultural, como uma rede afetiva atravessada e interligada pela experiência de cada integrante, é fundamental para se pensar em uma intervenção. Desse modo, a família e o usuário de álcool e outras drogas devem ser percebidos como agentes responsáveis por transmissão de conhecimento afetivo e provocadores de mudanças, capazes de identificar seus sentimentos, expressá-los e de reconhecer as demandas emocionais das pessoas com quem convivem para construir uma nova rede afetiva.

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