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Que vontade eu tenho de sair Num carro de boi ir por aí Estrada de terra que Só me leva, só me leva Nunca mais me traz Que vontade de não mais voltar Quantas coisas eu vou conhecer Pés no chão e os olhos vão Procurar, onde foi Que eu me perdi Num carro de boi ir por aí Ir numa viagem que só traz Barro, pedra, pó e nunca mais

Carro de Boi (1963), Maurício Tapajós e Cacaso.

O Giovanni e o Nini dormiam no quarto ao lado do meu e de manhã acordavam-me batendo três vezes na parede, eu vestia-me rapidamente a fugíamos para a cidade. Era mais de uma hora de caminho. Chegados à cidade e separavamo-nos como se fôssemos três desconhecidos. Eu procurava uma amiga e ia passear com ela pelas arcadas. (...) Esperava o entardecer em um jardim público. A Orquestra do café tocava e eu e minha amiga observáva-mos os vestidos das mulheres que passavam, e víamos também passar o Nini e o Giovanni, mas não nos faláva-mos. Reencontrava-os fora da cidade, na estrada poeirenta, enquanto as casas se iluminavam atrás de nós e a Orquestra do café tocava com mais alegria e mais alto. Caminhávamos pelos campos ao longo do rio e das árvores. Chegava-se a casa. Odiava nossa casa. Odiava a sopa verde e amarga que minha mãe nos punha á frente todas as noites e odiava minha mãe. Teria vergonha dela se a encontrasse na cidade. Mas ela já não ia à cidade há muitos anos, e parecia uma camponesa. Tinha os cabelos grisalhos despenteados e faltava-lhe os dentes à frente. – Pareces uma bruxa, mãe – dizia-lhe Azalea, quando ia lá em casa. – Por que é que não arranjas uma dentadura? – Depois deitava-se no sofá vermelho, da casa de jantar, atirava os sapatos e dizia: – Café. – bebia depressa o café que a minha mãe lhe levava, dormitava um pouco e ia-se embora. A minha mãe dizia que os filhos são como veneno que nunca se deviam trazer ao mundo. Passava os dias a amaldiçoar um por um todos os filhos.

O Caminho da Cidade (1942), Natalia Ginzburg.106

1– Abertura: o desterro futurista de Sérgio Buarque de Holanda (1929-1930)

Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em Berlim; futurismo no desterro. A experiência de “exílio intelectual” do crítico brasileiro como metáfora para o estudo das transformações modernas no Brasil e na América Latina. As relações entre o jovem ensaísta

com o movimento modernista ao longo da década de 1920. A estadia em Berlim entre 1929 e 1930 como um marco em sua trajetória intelectual. Os debates teóricos travados com Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima e o interesse apaixonado pelas “coisas do Brasil”. O entusiasmo pela crítica literária e o trabalho como jornalista. A opção pela luta socialista democrática. O referencial vanguardista de T. S. Eliot, James Joyce, Thomas Mann, Rainer Maria Rilke, Franz Kafka. A autocrítica às tendências conservadoras e tomistas que assombram o modernismo. O mergulho na tradição cultural alemã através das obras de Friedrich Meinecke, Max Weber, Werner Sombart, Ferdinand Tonnies, Georg Simmel, dentre outros. A obra de Goethe e seus muitos volumes como uma amiga de toda vida. Os horrores da Primeira Guerra Mundial, a ascensão do nazi-fascismo – ovo da serpente que tomaria a Alemanha. Um mundo de crise e desencanto, representado então de forma inovadora pelas telas sombrias e distópicas do cinema expressionista alemão que o jovem Sérgio conheceu muito bem durante seu trabalho como tradutor da UFA – a principal rede de estúdios cinematográficos da Alemanha durante a primeira metade do século XX. O encanto da vida boêmia da grande cidade em redemoinho – São Paulo, Rio de Janeiro, Berlim – o olho do furacão; ou como observa Marshal Berman, em Tudo que é sólido desmancha no ar: o sentimento de existir na cidade em meio ao turbilhão social – tourbillon social –, forma arquetípica da contradição moderna expressa por Jean Jacques Rousseau em Nova Heloísa (1761) e O Emílio (1762).107

A formação do pensamento analítico de Sérgio Buarque de Holanda se apresenta como paradigma para a compreensão do avanço das transformações burguesas no Brasil e para o estudo da modernidade. Que este percurso tenha iniciado sua cisão criativa justamente pelo avesso – pensando as raízes da formação social, o legado ibérico, a herança religiosa, a sociabilidade rural reinventada na vida urbana – para alcançar a compreensão da nova cidade que então surgia: movimento paradigmático que animou a crítica moderna, identificável no percurso de tantos outros que vivenciaram e ainda vivenciam a experiência de modernidade. Inquietos e atormentados pelo turbilhão social, alegres e radiantes em meio à incerteza de tudo, revoltados frente à injustiça e violência sem lei, perplexos ou irônicos diante do silêncio de Deus.108 Compreender como esse pensamento volta-se para o passado, como fruto da experiência radical de transformação do presente, exige de antemão ao historiador uma

107 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia. das Letras, 1986.

108 Ingmar Bergman (1918-2007) aborda a experiência de dúvida da fé e o abandono de Deus em diferentes

filmes. Ver especialmente Ovo da serpente (1977) e a Trilogia do silêncio (1961-1963), com destaque para Luz

de Inverno. BERGMAN, Ingmar. O ovo da serpente (Das Schlangenei). EUA / Alemanha Oriental, 1977, 119

disposição analítica sensível à ambivalência e contradição. Diria o próprio Sérgio Buarque: não basta a razão e a erudição; é preciso imaginação e sensibilidade.

Sérgio Buarque de Holanda viajou para Alemanha em junho de 1929, contratado por Assis Chateaubriand como repórter correspondente d’O Jornal dos Diários Associados. Com o objetivo também de visitar a União Soviética, fixou residência em Berlim, onde ficou por quase a totalidade de sua estadia (com apenas uma breve passada pela Polônia). O escritor brasileiro colaborou com a revista Brasilianische Rundschau (Revista Brasileira) do Conselho do Comércio Brasileiro em Hamburgo e com a revista Duco, escrevendo diversos artigos e trabalhando como tradutor. Em paralelo ao trabalho como jornalista, Sérgio Buarque travou amizade com o poeta Theodor Däubler – artista boêmio, viajante e precursor do Expressionismo Alemão – e frequentou o círculo intelectual do poeta alemão Stefan George (1868-1933), que reunia à sua volta intelectuais e artistas de diferentes gerações.

O círculo de Stefan George foi um movimento intelectual de grande envergadura na Alemanha nas primeiras décadas do século XX. Destaca-se a participação de Ernst Kantorowicz (1895-1963) como um dos principais discípulos de Stefan George. Fruto da terceira geração de intelectuais que gravitavam em torno de sua figura, Kantorowicz escreveu uma biografia sobre o Imperador Frederico II que foi um verdadeiro sucesso na época, garantindo-lhe a entrada na Universidade de Frankfurt, em 1930. Escrita em 1927, com grande repercussão, a biografia de Kantorowicz sobre o imperador do Sacro Império Romano Germânico (de 1220 a 1250) foi apropriada pelo nazi-fascismo na formação do mito nacional germânico como uma alegoria teológico-política que legitimava o III Reich. Kantorowicz, de origem judia, embora inserido na perspectiva assimilacionista pangermanista, como era comum na época, discordou do uso político de sua obra, exilando-se posteriormente nos EUA, em 1939.109 A ambiência intelectual da virada para o século XX na Europa de fala alemã, compreendida na conjuntura de crise do paradigma iluminista, e de forte crise do liberalismo, favorecia a ascensão das correntes filosóficas românticas conservadoras, formadas no irracionalismo, no esoterismo e no misticismo. Stefan George exercia uma relação de

109 Rodrigo Bentes observa a importância de Kantorowicz em resenha do livro de Alain Boureau Histoires d’un Historien Kantorowicz. Ver: MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Crítica monumental. Revista Tempo. Rio de

Janeiro: nº 19, pp. 201-205. No Brasil, Kantorowicz tornou-se especialmente conhecido pela obra Os dois corpos

do Rei. Ver: KANTOROWICZ, Ernest H. Os dois corpos do Rei: um estudo sobre Teologia Política medieval.

dominação erótica e intelectual como líder místico em diferentes gerações de discípulos, controlando a produção criativa de seus seguidores.110

Em entrevista ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo, concedida ao fim da vida, em 1981, Sérgio Buarque comenta sua vivência intelectual na Alemanha e fala de forma enigmática sobre a compra de um livro:

Frequentei alguns cursos de história na Universidade de Berlim como ouvinte, mas eu tinha uma formação literária, em grande parte por causa do modernismo. Então descobri um livro interessante – ainda tenho vários livros daquele tempo –, um livro do Kant sobre Frederico III. Eu me lembrava que o Nietzsche dizia que para ele o grande Frederico era o II, por isso fiquei intrigado e comprei. Mas só o primeiro volume – mais tarde, nos Estados Unidos, encontrei o segundo volume num sebo e consegui comprar. O fato é que daí me veio a ideia para esses assuntos históricos, para uma abordagem maior. Eu sempre tive certa curiosidade por isso. (...) Tive contato com alguns escritores alemães, como o poeta Theodor Däubler, e frequentava o círculo do Stefan George. Conheci o arquiteto Alexander Buddeus, que depois veio para o Brasil trabalhar com Lúcio Costa.111

A afirmação de Sérgio Buarque soa um tanto intrigante posto que precisamente naquela conjuntura a biografia de Kantorowicz (dividida em dois volumes) circulava com sucesso. Walkiria Oliveira Silva, em sua dissertação de mestrado Alemanha secreta: biografia e história no círculo de Stefan George, observa o possível erro de transcrição da entrevista concedida por Sérgio Buarque:

O trecho em que Buarque de Holanda relembra Kantorowicz foi transcrito com certa confusão, mas a afirmação não deixa dúvida de que era a obra de Kantorowicz. No acervo de Sérgio Buarque de Holanda, localizado na Unicamp, encontram-se os dois volumes da obra de Kantorowicz.112

Fruto do debate intelectual realizado pelo círculo de Stefan George, o estudo histórico- biográfico sobre o Imperador Frederico II merece destaque, pois incidiu na recuperação simbólica de uma figura política idealizada e mitificada pelo nacionalismo germânico. Através da imagem de Frederico II, os intelectuais comprometidos com o nazi-fascismo realizaram a transmutação simbólica entre o antigo Sacro Império com o III Reich. Alguns

110 Max Weber se utiliza do personagem Stefan George como exemplo de dominação carismática em Economia e Sociedade. WEBER, Max. Economia e Sociedade. (Vol. 1). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000,

p.161.

111 A entrevista de Sérgio Buarque foi realizada no dia 02 de junho de 1981 por Ernani da Silva Bruno, que na

época era diretor do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. O depoimento de Sérgio manteve-se inédito por mais de vinte anos, sendo publicado apenas em 2004, pela revista Novos Estudos Cebrap. Retomaremos alguns trechos desta entrevista. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Entrevista de Sérgio Buarque de Holanda –

Corpo e alma do Brasil. Com Ernani da Silva Bruno. Revista Novos estudos CEBRAP. São Paulo: n. 69, julho

de 2004, p. 7.

112

SILVA, Walkiria Oliveira. Alemanha Secreta: biografia e história no círculo de Stefan George. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília, 2013, p. 10.

anos mais tarde, o jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985), através do seu livro O Leviatã na Teoria do Estado de Thomas Hobbes, publicado em 1938, desenvolveria o conceito de “estado de exceção”, sustentando a legitimidade do poder soberano do moderno Estado fascista. Carlo Ginzburg, na conhecida conferência Medo, reverência e terror: reler Hobbes hoje, realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2006, aponta a atualidade da teologia-política hobbesiana que, pelas mãos de Carl Schmitt, instaurou-se como corrente hegemônica na política externa norte-americana de guerra contra o “terror” – Shock and awe – posta em prática nas recentes invasões do Iraque e do Afeganistão.113

Sérgio Buarque de Holanda acompanhou de perto o nascimento deste debate no amplo contexto inovador tardo-romântico que pelejava com o “velho” historicismo iluminista. Não é de se estranhar, portanto, que sua interpretação sobre a formação social do moderno Estado brasileiro, apresentada em Raízes do Brasil alguns anos mais tarde, em 1936,114 desenvolva a sensibilidade analítica para observar as permanências de longa duração da cultura religiosa medieval nas instituições políticas modernas.

Na Alemanha, Sérgio Buarque ainda achou tempo para assistir como ouvinte algumas conferências do historiador Friedrich Meinecke, na Universidade Livre de Berlim – talvez o mais influente professor de filosofia da história na Alemanha do começo do século XX – entrando em contato também com a obra de Max Weber e Wilhelm Dilthey, dentre outros. No background da formação literária modernista, o trabalho como crítico literário encontrou-se, assim, com o de historiador. A combinação destas duas formações manteve-se como particularidade de Sérgio Buarque de Holanda ao longo de suas obras, incidindo no tratamento metodológico de suas fontes. Tal combinação aparece de forma paradigmática em Visão do Paraíso (1959),115 onde o autor analisa os motivos edênicos garimpados em relatos de viajantes estrangeiros durante a colonização do Brasil.116 Publicado pela José Olympio, o livro originou-se da tese defendida no concurso à cátedra de História da Civilização

113 A conferência de Carlo Ginzburg “Medo, Reverência, Terror: reler Hobbes hoje”, foi realizada pelo

Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF), em 18 de setembro de 2006. O mesmo texto apresentado por Ginzburg foi recentemente publicado. Ver GINZBURG, Carlo. Medo, reverência e

terror: quatro ensaios sobre iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. Numa tradução livre

ao português, a expressão shock and awe significa produzir submissão e reverência por meio de uma ação (choque) violenta.

114 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. (26ª edição, 30ª

reimpressão).

115 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

116 Thiago Lima Nicodemo, em Urdidura do vivido (2008), reflete sobre a relação entre o ofício de historiador e

de crítico literário em Visões do Paraíso. Ver: NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do Vivido: Visão do

Paraíso e a Obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 50. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo,

Brasileira, na antiga Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, realizado em 1958.

Em sua estadia berlinense, Sérgio Buarque de Holanda encontrou-se com Astrogildo Pereira (um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro) para organizar a visita à União Soviética que, entretanto, não se concretizaria. Astrogildo morava já há mais de ano em Moscou. Passaram então juntos o natal de 1929 e tornaram-se amigos. Antonio Candido, no artigo Sérgio em Berlim e depois,117 narra carinhosamente o encontro. Publicado pela revista Novos Estudos Cebrap três meses após o falecimento de Sérgio Buarque, Antonio Candido faz um sensível relato sobre a estadia de Sérgio na Alemanha.

Sérgio Buarque de Holanda também travou contato com o crítico modernista e militante socialista Mário Pedrosa, que estava a caminho da União Soviética para um curso de formação política. Entretanto, uma doença impediria sua viagem, obrigando-o a ficar em Berlim. Mário Pedrosa então já se aproximava da Oposição de Esquerda Internacional, liderada por León Trotsky, tomando um posicionamento oposto à direção do Partido Comunista da União Soviética. Naquele intervalo de tempo, com o recrudescimento do regime soviético, a luta entre Stalin e Trotsky chegara a um ponto crítico. Mário Pedrosa contava com irreverência que a inesperada doença lhe impedira de ser mandado para a Sibéria. Antonio Candido relata o caso em Um socialista singular, artigo que integra o livro Mário Pedrosa e o Brasil.118

Registro entre parênteses uma coincidência: eu era menino e estava passando uns tempos em Berlim com minha família, no ano de 1929, quando Sérgio Buarque de Holanda morava lá e quando por lá esteve Mário Pedrosa, a caminho da União Soviética para um curso de formação política – mas é claro que não os conheci àquela altura. Mario contava que se salvou de uma provável Sibéria, ou coisa pior, graças a certa doença prosaica que o acometeu na etapa berlinense e impediu o prosseguimento da viagem. Isso lhe deu a oportunidade de se informar melhor sobre a dissidência de Trotsky, com a qual simpatizou imediatamente e à qual teria aderido em Moscou, se não tivesse ficado na Alemanha. Só o conheci pessoalmente quando voltou do exílio em 1945.119

Os relatos de Antonio Candido, para além da riqueza do testemunho como intelectual e amigo de Sérgio Buarque de Holanda, merecem destaque pela importante atuação na recepção e condução da obra de Sérgio Buarque. As interpretações de Antonio Candido

117 CANDIDO, Antônio. Sérgio em Berlim e depois. Revista Novos Estudos Cebrap. São Paulo: vol. 1, n. 3, p. 4-

9, julho de 1982.

118 MARQUES NETO, José Castilho (org.). Mário Pedrosa e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,

2001.

119

CANDIDO, Antonio. “Um socialista singular”. In MARQUES NETO, José Castilho (org.). Mário Pedrosa e

expressam uma reflexão geracional que incidiu diretamente na formação da moderna historiografia brasileira. Destaca-se seu conhecido prefácio O Significado de Raízes do Brasil, escrito para a quarta edição de Raízes do Brasil, em 1967, publicado pela Universidade de Brasília (Unb). Neste prefácio, Antonio Candido escolhe as obras de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior como autores “clássicos” do pensamento histórico brasileiro para sua geração.120 Em entrevista concedida ao Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, realizada em 1981, Sérgio Buarque destaca a importância do referido prefácio escrito por Antonio Candido para a repercussão de Raízes do Brasil, que veio a ser sua obra mais publicada e influente:

(...) a mais importante foi a quarta edição [de Raízes do Brasil], da Universidade de Brasília, encomendada pelo Darcy Ribeiro. O prefácio foi feito pelo Antonio Candido, e tenho a impressão de que isso deu sorte, porque a partir dali o livro passou a ter muita reimpressão, às vezes duas por ano.121

Voltaremos ainda à relevância histórica do prefácio de Antonio Candido, que pautou o debate político realizado no campo dos estudos históricos e das ciências sociais no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Por ora, cabe destacar o entrelaçamento da trajetória dos personagens citados. Mário Pedrosa (1900-1981) e Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), representantes da mesma geração, e Antonio Candido, nascido em 1918, uma geração mais nova: a primeira a se formar na recém-criada Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo, fundada apenas em 1933. Os três intelectuais socialistas travaram amizade ao longo da vida e participaram, por exemplo, da fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980 (correspondendo precisamente às três primeiras carteiras de filiação ao partido). Os relatos de

120

Nas palavras de Antonio Candido: “Os homens que estão hoje um pouco para cá ou um pouco para lá dos

cinquenta anos aprenderam a refletir e a se interessar pelo Brasil sobretudo em termos de passado e em função de três livros: “Casa-grande e senzala”, de Gilberto Freyre, publicado quando estávamos no ginásio; “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado quando estávamos no curso complementar; “Formação do Brasil contemporâneo”, de Caio Prado Júnior, publicado quando estávamos na escola superior. São estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que eclodiu depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo”. Ver: CANDIDO, Antonio. “O significado de Raízes do Brasil” (1967). In HOLANDA, Sérgio

Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Evidente que muitos outros importantes autores foram deixados de lado do repertório selecionado. Antonio Candido teve sua formação intelectual articulada com o modernismo. Iniciou sua atuação como crítico literário na revista Clima, fundada por alunos da Faculdade de Filosofia, Ciência se Letras da USP (FFLCH/USP). A revista contou com a participação do escritor Paulo Emílio Salles Gomes, Alfredo Mesquita (primeiro coordenador da Escola Dramática – EAD), Décio de Almeida Prado, importante crítico de teatro e Gilda Rocha de Mello e Souza, que era filha de um primo de Mário de Andrade e com quem Antonio Candido casou-se. O campo crítico formado nessa rede de intelectuais paulistas recepcionou o espólio da obra de modernista de Mário de Andrade, bem como acolheu importantes pesquisas sobre a obra de Sérgio Buarque de Holanda.

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HOLANDA, Sérgio Buarque de. Entrevista de Sérgio Buarque de Holanda – Corpo e alma do Brasil. Com Ernani da Silva Bruno. Revista Novos estudos CEBRAP. São Paulo: n. 69, julho de 2004, p. 6.

Antonio Candido sobre a passagem de Sérgio Buarque em Berlim incidiram de tal forma no imaginário da geração posterior que alguns estudiosos pensaram inclusive que ambos foram

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