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4 A ALQUIMIA DO OLHAR

4.1 FARÓIS NO OLHAR

“Sei que há muita coisa no lastro dos meus olhos. Coisas incapazes de serem apreendidas por quem está do lado de fora dos faróis. O meu olhar queima as minhas sobrancelhas. Tento justificar a ênfase, buscando alguma coerência no que vejo, usando-as como acento. Impossível.” (DAL FARRA, 2005, p. 34).

Maria Lúcia Dal Farra adentra na Academia Botucatuense de Letras, alocada em sua cidade natal, no ano de 2005. Esse momento representou um instante de extrema significância para a autora: a celebração da própria carreira como ficcionista e intelectual na casa das letras da terra natalícia. Espaço que, por sua vez, está preservado com extrema acuidade em seus discursos, depoimentos e poemas que sempre recorrem à Rua do Curuzu (onde viveu parte significativa da vida), local encharcado de memórias da infância vivida pela autora em Botucatu. Além disso, esse ritual foi um instante de congregar diversos amigos e familiares que estiveram presentes de modo operante no decorrer de sua vida, mesmo após a emigração dela para o estado de Sergipe.

Da celebração do ingresso de Maria Lúcia Dal Farra nessa Academia, assumindo a cadeira 25, a instituição publicou um libreto comemorativo, sem grandes arremates editoriais, em preto e branco, tendo como a principal ilustração de capa a gravura, produzida por Amélia Piza87, do rosto de Dal Farra com uma expressão de significativo contentamento. Ao mesmo tempo em que o libreto era extremamente simples, em seu conteúdo apresentava um valioso material para acessar a biografia da escritora. Poderíamos afirmar que é a única publicação que abarca de modo organizado e objetivo dados fundamentais para incursionar pela vida que foi grafada pela autora desde a sua vivência do interior de São Paulo, chegada ao nordeste e, em diapasão, pelo mundo.

87Amélia Piza é escritora, pintora, desenhista e musicista da cidade de Botucatu – São Paulo. Doutora em Arte

Brasileira pela Universidade Estadual Paulista – UNESP, fez a referida gravura de sua conterrânea para integrar parte do material disponibilizado como resultado do cerimonial de posse de Maria Lúcia Dal Farra na Academia Botucatuense de Letras.

Nesse material sob o título de “Maria Lúcia Dal Farra: escritora botucatuense” é possível observar a valoração dada pela cidade ao trazer em suas insígnias culturais o nome da escritora do Livro de Possuídos em seu hall de figuras ilustres. Vale realçar ainda que nos depoimentos e entrevistas que constam no libreto podemos constatar um elemento importante que é reiterado pelos depoentes: o olhar de Maria Lúcia, que sempre foi apurado desde a infância, a descrição da menina como sendo genial desde a mais tenra juventude e a sua subjetividade em estado de eterna prontidão desde os primeiros passos na cidade.

Na ilustrativa fala de José Celso Soares Vieira88, na época presidente emérito da Academia Botucatuense de Letras, é destacada a formulação do olhar de Dal Farra sempre operado, conforme sua exposição, de modo agraciador para cada recanto de sua terra natal. Em alinhamento à descrição do autor, o olhar de Maria Lúcia Dal Farra descerra cada pedaço do chão em que pisou desde que nasceu, mostrando, com isso, a argúcia da forma de Dal Farra perceber o mundo desde sempre89. Por meio da declaração de José Celso, pode-se verificar a reiterada contemplação que a autora apresenta do espaço e as percepções que captou desde a infância pelas ruas e pela fazenda da família que está alocada, também, na cidade de Botucatu.

De modo semelhante, Hernani Donato, também escritor e amigo da família Domene Dal Farra, narra em sua fala (em homenagem à menina que viu nascer e estava vendo ingressar numa Academia de Letras) um episódio que acompanhou no seio familiar da escritora. Segundo Donato, na época do Natal, era uma prática comum do Sr. Gastão (pai da escritora) catar uns pequenos punhados de capim para colocar pela casa com um objetivo: fazer criar a aura na casa de que as renas do trenó tinham sido alimentadas nas proximidades da residência. O que intrigou Hernani Donato foi que, ao chegar à casa em pleno Natal para observar a alegria das crianças, encontrou uma menina que voltava o olhar de modo insistente

88José Celso Soares Vieira é uma figura de destaque na cidade de Botucatu, seja como um agitador cultural ou

como uma das memórias da própria cidade. Sua atuação como presidente na Academia Botucatuense de Letras foi um dos procedimentos responsáveis pelo ingresso de Dal Farra na referida Academia.

89Conforme José Celso Vieira (2006): “[...] a escritora adentrou as profundezas das cavernas para, nos mistérios

da alquimia, encontrar a pedra oculta de suas raízes. Ali, entre encanto e o belo, a voz de uma vate em forma de menina - quiçá uma sílfide do mundo egério, vinda dos confins da magia [...] se exterioriza por meio de uma linguagem espontânea.” (VIEIRA, 2006, p.6). De acordo com a descrição, a perspectiva que é lançada pelo discurso dessa crítica para Dal Farra é atravessada por um olhar encantatório de José Celso em direção à poetisa. Existe, ainda, nesse discurso, uma valorização à sua forma de se constituir enquanto sujeito em Botucatu, que já despontava como diferente e munida de dotes especiais. Essa crítica enamorada que avalia Maria Lúcia pelo bastião da genialidade auxilia na construção da imagem da autora pelo princípio da predestinação e do seu olhar sempre apurado para o espaço em que nasceu.

para as gramas aspergidas na sala, ficando para segundo plano os brinquedos que haviam sido dados de presente90.

Desta cena, Donato expressa, de modo contundente, que se dirigiu para o Sr. Gastão e proclamou: “Rapaz, cuide bem dessa menina, ela vê o que não existe. Será alguém.” (DONATO, 2006, p. 5). Com isso, pode-se observar que Maria Lúcia Dal Farra é descrita por seus confrades próximos como dotada de uma percepção especial desde a juventude. Essas construções acerca da poetisa auxiliam no delineio de sua figuração autoral como sendo pautada pelo princípio da predestinação e da genialidade. Sublinhamos que os referidos discursos dão um grau de valoração considerável ao seu modo sensível de olhar o mundo que a rodeava, como se a maneira dela de inquirir a terra e as pessoas não fosse algo corriqueiro, mas já tivesse uma auratização de brilhantismo promissor.

No próprio discurso da homenageada, é possível mapear também a montagem da proeminência do olhar em sua experiência sensível diante do mundo. Nessa fala, o recurso utilizado por Dal Farra foi se colocar como um corpo que alça voo pela cidade de Botucatu e vai encontrando nesse percurso as pessoas com quem conviveu e têm significativa importância para a sua formação enquanto sujeito. De cima vai olhando, chegando até as casas, espaços, conservatórios e, por meio dessa trilha, percebendo como essas pessoas a auxiliaram em sua formação.

Merleau Ponty (2016), em O olho e o espírito, avalia o vigor do olhar na experiência humana, acreditando que entre o corpo e as coisas existe um vínculo que é estabelecido de modo dialético. Ao mesmo tempo em que as coisas nos tocam, os objetos também são tocados com o nosso olho – daí, o autor valora a sua potência de eficaz instrumento da experiência humana. O filósofo, por meio dessa ponderação, retira a passividade do ato de olhar e também reconstrói a temporalidade, considerando que a contemplação visual ultrapassa o presente e se funde com o passado e com o futuro. Com isso, podemos pensar que, no instante em que o corpo olha, ele não instaura uma relação simplória de observação e estabelecimento de relações puramente com o presente vivo. Na concepção de Ponty, é justamente o contrário, a corporeidade do olhar constitui-se como um “si”, mas por meio da “confusão”. Sendo assim,

90A fala de Hernani Donato, descrevendo essa cena familiar da escritora, expressa o seguinte enunciado: “Na

manhã do dia 25, conforme era de bom hábito, fui levar os votos de Feliz Natal aos parentes do Lavapés. E passei na casa do Gastão Dal Farra. Havia alegria, café com leite, panetone e duas pequenas que acarinhavam presentes. Uma delas, embora agarrada aos presentes, fixava-se no capim oferecido às renas. Quando me voltou os olhos, eles estavam enormizados, brilhantes, pois mergulhados no maravilhoso. Percebi que ela não estava ali, mas no trenó, no céu, no milagre da poesia.” (DONATO, 2006, p. 5). Diante do exposto, mais uma vez o despontar da genialidade de Dal Farra por parte dos seus confrades é destacado na fala desses leitores críticos. Acoplado a isso, a sua maneira de olhar o mundo de modo encantado, acompanhado da imaginação.

podemos constatar a existência de uma rede complexa de “tocar” e “ser tocado” nas experiências com o mundo.

O filósofo ainda complementa que não temos como escapar de uma relação intrínseca que ativamos com o olho: ao mesmo tempo em que vemos, somos vistos e, diante disso, uma intrincada trama de relações é estabelecida: “[...] o enigma reside nisto: meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível.” (PONTY, 2016, p.278). O corpo que se coloca como capaz de ver também está sendo exposto ao olhar do outro (e ao seu próprio olhar). Diante da exposta pressuposição e pensando a poética de Dal Farra, podemos observar que a valoração dada à sua maneira de perceber o mundo é uma forma de constatar que a atitude da escritora sempre se pauta em um movimento que ultrapassa a passividade e atinge o toque nos objetos que constituem nosso mundo inteligível e sensível.

Nessa trilha de pensamento, poderíamos afirmar a existência de um olhar (o da escritora) que se coloca atento ao universo que a rodeia. Ao tratar disso, em depoimento91, Dal Farra sinaliza a necessidade de que os objetos convivam em sua intimidade para depois devolvê-los em poesia. Com uma observação atenta a tudo que compõe o mundo, ela capta diferentes objetos; dentre eles, conforme já comentamos anteriormente, existem diversas frutas, mas também podemos citar as obras de artes plásticas92. Não obstante, esses elementos são convocados na poesia da escritora para que ela os transforme; imprima a própria digital.

A necessidade de observar obras de arte pictóricas já estava situada nos primeiros traçados da vida da escritora ainda em Botucatu. Retomando sua fala na entrevista dada a Amélia Piza (que citamos no início deste capítulo), no momento em que é inquirida sobre as influências que vieram a incidir na escolha pela literatura, ela afirma que, dentre as várias pessoas que atravessaram a sua vida e vieram a ser fundamentais na sua formação enquanto poetisa, encontra-se Naneto Faconti, um pintor da região. Este artista presenteava constantemente a família da escritora com telas de pintura em estilo cubista, e, ao deparar-se com essas imagens, Dal Farra ficava debruçada por horas, contemplando-as.

91

Estamos nos referindo ao depoimento: Minha poesia de mulher (2003).

92 Reproduzimos o trecho do depoimento em que Dal Farra problematiza sua experiência com os objetos: “Num

desejo de deitar com o mundo, de conter a natureza dentro de mim, de tomar posse de todos os seus elementares através da palavra, tenho sido, sempre, possuída por eles: os seres da realidade material (se é possível assim referi-los), com sua presença clara e simples, mas cifrada e hipnótica, me tomam e arrebatam, procurando verrumar em mim cada uma das suas respectivas conformações poéticas que, aliás, só através das minhas próprias digitais acabam por ser desveladas. Refiro-me aos diversificados objetos da terra: falo, indiscriminadamente, de um rabanete, por exemplo, de uma receita de parmeggiana, de um Van Gogh, de um gato, de uma partitura, de uma Santa Teresa D’Ávila, de uma seqüóia, de um personagem de Shakespeare, de uma orquídea, de uma cebola ou de um Klimt.” (DAL FARRA, 2013, p. 1).

Obviamente, o olhar da autora veio se afinando para se colocar como leitora das obras de artes e, progressivamente, foi inserindo essa experimentação de modo ficcionalizado em sua literatura. Pondo em atrito a relação dos contatos iniciais de uma menina com uma obra de arte pictural, encontramos o poema presente no Livro de Possuídos, “Primeiros Passos”. Nessa poesia, podemos perceber uma criança que tateia as suas primeiras percepções entre cores, imagens e tintas. Nesse desbravamento de uma arte que é inaugural em sua vivência, a menina apresenta tamanha desenvoltura, que se transforma em bailarina que, segura em seus passos, vai se aventurando entre pincéis e telas. Conforme apontam os versos finais do referido texto: “Todo o quadro é uma festa que nos acena.” (DAL FARRA, 2002, p. 13), é patente pensar que a obra de arte está aberta para a apreciação dos seus observadores. Sendo uma festa que nos convoca, o poema nos direciona a pensar que as imagens presentes na tela estão sempre abertas para um olhar observador. O mesmo poema sinaliza ainda que, se todo quadro tem um convite, cabe ao observador construir com o próprio olhar significados perante a obra. Possivelmente esteja na imagem da menina-bailarina desprendida de pudores e medos a corporificação de um desejo maior que se delineia no texto: a possibilidade do leitor se construir ao lado da pintura, sobretudo, com alegria. No meio do poema, do mesmo modo que a infante posta-se de forma extrovertida, as cores também lhe acenam em direção a um apelo: “No entanto / o que se vê é a alegria, / a abertura dos braços, / o receptivo dos tons [...].” (DAL FARRA, 2002, p. 13). O que está realçado no texto é a cumplicidade que se estabelece entre arte e artista, entre a obra de arte e o observador.

Nesse contexto, Dal Farra sinaliza que, na sua formação, a presença da figura paterna foi crucial. Dentre os conselhos por ele concedidos, instruía a filha a se postar de um modo específico perante o mundo; nesse percurso, a autora comenta que era provocada a “[...] olhar para as coisas, primeiro, como todo mundo poderia olhar. E, depois, como apenas eu as veria” (DAL FARRA; PIZA, 2006, p. 25). Está na exposição feita pela autora uma maneira de operacionalizar seu posicionamento diante do mundo na contemporaneidade. Dal Farra primeiro observa o mundo como está, mas, sempre em sua poesia, coloca uma forma específica de olhar o mundo e a arte que a rodeia. O olhar da autora funciona como uma maquinaria que não está se pondo como um escâner daquilo que visualiza, mas sim como uma lente que está disposta a criar aproximações, distanciamentos, cortes, colagens a todo o momento.

No panorama em que a autora está imersa, ela deseja esfiapar as imagens que seus olhos captam, reconstruindo-as. Giorgio Agamben, em seu texto O que é contemporâneo93, discute acerca de como o poeta deve se posicionar no cenário da contemporaneidade. Enquanto se espera que os olhos se voltem para as cenas iluminadas por holofotes, o filósofo encaminha a se pensar por outro procedimento: a direcionar os olhos para o que não está evidente (à luz), mas sim, àquilo que está sob as sombras94.

Comumente se aguarda que os olhos devam estar sempre atentos àquilo que está sendo proposto como a pauta do dia. Aguarda-se, ainda, nesse turbilhão de imagens em que vivemos com o contemporâneo, que acompanhemos cada flagrante, cada imagem exposta e a cena do dia que foi eleita a estar estampada nos tabloides. Para Agamben, a potência do pensamento está situada no caminho inverso: olhar para os discursos e para as imagens que foram solapadas por uma luz que desfoca outros tantos discursos possíveis. Por isso, o sujeito contemporâneo não é aquele que está colado às perspectivas unívocas do seu tempo, mas aquele que se situa em descompasso, em anacronismo com o tempo em que vive. Somente com uma postura desse tipo é que se tornará possível a construção de outras maneiras de se pensar a nossa experiência na sociedade atual. Maria Lúcia Dal Farra está situada nesse campo do anacronismo exposto por Agamben: no mesmo momento em que se aproxima do nosso tempo, estando atenta às imagens e às discussões que se movem em nossa experiência social, ela se distancia em direção às manifestações do passado. A autora se posiciona nesse entremeio, em estado de deslocamento, sem pontos fixos, e organizados em pontos moventes no que se refere à temporalidade.

A propósito desse anacronismo que mobilizamos como sendo uma das posições da autora no campo literário da contemporaneidade, é importante trazer um recente artigo escrito por Teresa Cabañas sob o título “De anacronismos e palimpsestos” (2016). Nessa leitura crítica, com enfoque no último livro de poemas de Dal Farra, a estudiosa da obra dalfarreana aponta que um dos traços marcantes da textualidade ficcional da autora é, justamente, a sua posição anacrônica. Essa adjetivação que, a uma primeira vista, pode parecer como um qualificador pejorativo, no tocante à poética de Dal Farra, adquire outra significação, pois demarca um de seus enquadramentos intencionais na cena literária à qual pertence. Retomar os discursos do passado e da memória não é uma forma de se colocar meramente idólatra do

93Texto presente no livro: O que é contemporâneo e outros ensaios (2009).

94Em conformidade com o pensamento de Giorgio Agamben: “[...] o poeta – o contemporâneo – deve manter

fixo o olhar no seu tempo. Mas o que vê quem vê seu tempo, o sorriso demente do século? Neste ponto gostaria de lhes propor uma segunda definição da contemporaneidade: contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro [...]”. (AGAMBEN, 2009, p. 22).

já vivido, mas sim, uma maneira de se posicionar desajustada com o presente, procurando rastrear alternativas para ler as experiências que se emaranham em nosso cotidiano.

A posição de retorno às expressões culturais da tradição tomadas pela poetisa (sejam elas literárias ou plásticas) pode ser lida como um anacronismo que se quer intencionalmente perquirir. Estaria nesse olhar que se dirige ao passado, imerso de presente e com as pupilas fixas na construção de um futuro questionador, uma das maneiras de se postar da autora. Uma aproximação ao Angelus Novus, de Paul Klee, e Dal Farra pode ser estabelecida diante dessa constatação. O “Angelus”, figura magistralmente retomada por Walter Benjamin em seus estudos, apresenta uma imagem geométrica e angelical em posição de espanto, olhos abertos, que parece pertencer àquela cena do presente. No entanto, as asas e os pés em prontidão demonstram uma forte pulsão de alçar voo e escapar daquela cena: esse escape pode se dirigir ao futuro ou ao passado, mas cabe frisar que o desalinho com o tempo não faz a imagem do anjo se irmanar com o seu tempo de modo pacifista.

De modo semelhante se posta Dal Farra, em desajuste com o tempo ao qual pertence. Esse sentimento de não pertencimento faz com que a autora não se contente em espelhar em sua produção, univocamente, o que vivemos na contemporaneidade. Sua pulsão segue por encaminhamentos mais diversos, buscando no pretérito algumas maneiras de reconstruí-lo e de se modelar em outras possibilidades de experimentação no presente e no futuro. Esse olhar lançado para o seu tempo se alinha ao olhar do poeta sugerido por Agamben (2009), que aposta na contemporaneidade como sendo “[...] uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo.” (AGAMBEN, 2009, p. 59). As retinas de Dal Farra se embevecem em buscar constantemente a reconstrução dos discursos do passado como uma forma de se enfrentar o presente; essa é a sua maneira de se instaurar na cultura contemporânea.

Assim, se o olhar de Maria Lúcia é configurado de maneira tão apurada pela sua fortuna crítica, como apresentamos anteriormente, é importante pensar como esse olhar se posiciona de maneira a se estabelecer de modo transformador, principalmente, diante da própria literatura. Conforme nossa proposta de trabalho, o olhar de Maria Lúcia Dal Farra, assim como o das suas poesias, se constitui em estado constante de pulsão transformadora em relação a diversos aspectos. No tocante ao modo de visualizar o mundo, a escritora sempre se posta de maneira a transmutar o que está disposto para a nossa visão, apresentando pontos de

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