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Secção IV O Procedimento Disciplinar Público

3. Tramitação do procedimento disciplinar no emprego público

3.2. Fase da Defesa

A notificação da acusação acima referida destina-se a permitir ao arguido que exerça o seu direito de defesa como reflexo do direito de defesa do trabalhador constitucionalmente estatuído pelo artigo 31º/1, 2 e 10 CRP. Este direito encontra-se de tal forma tutelado pela lei

62Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar acrescentam que esta situação “implicará a obrigatoriedade de

o instrutor, em cumprimento do dever de obediência, deduzir acusação com base nos factos e nas razões que justificaram a recusa do arquivamento ou realizar as diligências complementares que o órgão que recusou arquivar o procedimento entender serem necessárias ainda realizar para a descoberta, considerando-se, neste último caso, automaticamente prorrogado o prazo da instrução” (Moura e Arrimar, 2014: 608)

que não só se assegura de que ele é respeitado como se o trabalhador tem as capacidades físicas e mentais para organizar e apresentar a sua defesa. Esta situação é regulada pelo artigo 215º LTFP, e neste artigo o legislador distingue as situações em que o trabalhador arguido, apesar da sua capacidade diminuída, ainda tem a suficiente para nomear um representante (número 1), das situações em que não a tem (número 2), sendo neste caso o instrutor a nomeá-lo, utilizando as regras constantes dos artigos 152º e seguintes do CC relativos às pessoas sujeitas a inabilitação, restringindo-se esta nomeação apenas ao procedimento disciplinar (215º/3 LTFP)63. Se o instrutor tiver dúvidas quanto à capacidade mental do trabalhador poderá recorrer a uma perícia psiquiátrica nos termos do artigo 159º/6 CPP (215º/4 LTFP), podendo esta ser também solicitada nos termos do número 7 do artigo 159º CPP (215º/5 LTFP).

Determinado que o trabalhador possui capacidade para proceder à sua defesa, é-lhe atribuída a si ou a representante devidamente mandatado, a possibilidade de, durante o prazo para apresentação de defesa, examinar o processo, tendo acesso a toda a informação procedimental disponível até aquele ponto, particularmente funcionalizada à sua defesa. A recusa da entidade que instaurou o procedimento disciplinar ou do instrutor a permitir o exame do processo pelo trabalhador fá-los incorrer em nulidade insuprível nos termos do artigo 203º/1 LTFP. Ao advogado do arguido pertence também a confiança do processo, de forma a preparar convenientemente a defesa (artigo 217º LTFP).

Na posse de todas as informações necessárias, cabe ao trabalhador ou ao seu advogado redigir defesa, dentro do prazo limite concedido pelo instrutor. Esta defesa é reflexo processual do princípio do contraditório que permeia todos os institutos sancionatórios do ordenamento jurídico português. Nela o trabalhador “expõe com clareza e concisão os factos e as razões da sua defesa” (artigo 216º/4 LTFP), podendo defender-se por mera exceção ou por impugnação. Na mesma peça pode apresentar e requerer provas que sustentem os seus argumentos, podendo recorrer a todos os meios de prova previstos na lei processual civil e na lei processual penal – podendo, fundamentalmente, recorrer a todas as diligências probatórias que não sejam consideradas ilícitas pela lei e pela Constituição; os meios de prova mencionados no número 6 do artigo 216º LTFP são o arrolamento de testemunhas e a junção de documentos. Quanto aos meios de prova que não são legalmente ou constitucionalmente permitidos, o artigo 218º/1 LTFP permite ao instrutor recusar diligências instrutórias requeridas pelo trabalhador por despacho, quando considere que estas são “manifestamente impertinentes e desnecessárias”, espelhando a solução apresentada na fase da instrução, não sendo permitida a audição de

63 Ver acórdãos do STA de 17/03/2004 (Proc. Nº 488/03), de 04/11/2003 (Proc. Nº 48169); e do TCA

testemunhas quando se considerem suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador (artigo 218º/3 LTFP). Mas ao contrário da fase processual, na fase da defesa a lei limita o número de testemunhas a serem ouvidas, sendo o limite máximo de 3 testemunhas por cada facto (artigo 218º/2 LTFP), sendo possível a presença e participação do advogado do trabalhador nestas audiências (artigo 218º/7 LTFP). Adicionalmente, apesar de não se mencionar expressamente, entende-se que o arguido poderá prestar declarações também nesta fase tal como o pôde fazer na fase da instrução, incluindo-se aqui também a acareação com qualquer testemunha64. Cabe ao instrutor inquirir todas as testemunhas e reunir os elementos de prova oferecidos pelo trabalhador no prazo de 20 dias (artigo 218º/8), sendo possível, terminada a produção de prova oferecida pelo trabalhador, a realização de novas diligências, ordenadas por despacho, quando estas se considerarem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade (artigo 218º/9 LTFP).

A defesa deverá apresentar forma escrita, assinada pelo trabalhador ou por qualquer um dos seus representantes, tendo de ser apresentada no local onde o procedimento tenha sido instaurado (artigo 216º/2 LTFP), que normalmente é o local de trabalho. Quando remetida por correio, a resposta considera-se apresentada na data da sua expedição (artigo 216º/3 LTFP)

Na falta de resposta à acusação, o número 7 do artigo 216º LTFP declara que esta vale como “efetiva audiência do trabalhador”, não significando isto que se deve tomar a falta de resposta como uma “aceitação da acusação”, ou considerar os factos nela constantes como provados (não se podendo transpor os artigos 354º e seguintes do CC pois não há qualquer menção expressa na LTFP de que foi essa a intenção do legislador); crê-se que esta norma significa que “fica precludido o direito do trabalhador invocar qualquer nulidade processual decorrente da falta ou insuficiência da garantia de audiência que legal e constitucionalmente lhe é assegurada” (Moura e Arrimar, 2014: 613). E o que fazer se a resposta chegar ao processo após o término do prazo estabelecido? Não parece que essa hipótese se insira na ratio legis do artigo 216º/7 LTFP. Raquel Carvalho considera que o princípio do inquisitório do processo penal aponta para a aceitação da defesa tardiamente referido, principalmente se dela constarem a solicitação de diligências instrutórias, embora o juiz a tal não esteja obrigado; no entanto esta autora acaba por inserir esta questão no artigo 216º/7 LTFP defendendo que o legislador considera o direito de audiência respeitado desde que o trabalhador tenha sido notificado de todos os elementos para que pudesse ter exercido o seu direito (Carvalho, 2014: 246).