2 REVISÃO DA LITERATURA
2.2 Insegurança Alimentar e Nutricional
2.2.1 Fatores associados
Muitos são os fatores que podem conduzir a um quadro de IA, sendo a restrição de renda o maior destes determinantes ao limitar os recursos disponíveis para a aquisição de alimentos, como demonstrado em diferentes estudos (ALMEIDA et al., 2017; MORAIS et al., 2014; OLIVEIRA; LIMA-FILHO, 2011; RAMSEY et al., 2011). Todavia, a renda atual pode não retratar adequadamente a capacidade da família de acessar uma alimentação adequada, diferente da renda familiar média nos últimos anos, que considera a estabilidade financeira do domicílio (GUNDERSEN; KREIDER; PEPPER, 2011).
De todo modo, a situação de IA e fome não pode ser atribuída restritivamente à falta de poder aquisitivo para comprar alimentos, mas também a inúmeras condições sociais, econômicas e de vida, que comprometem os direitos humanos (HOFFMANN, 1995). Indicadores sociodemográficos, como baixa escolaridade, ausência de vínculo empregatício, pertencimento a uma minoria étnica do chefe da família; saneamento e material de construção da moradia inadequados; maior número de moradores no domicílio e presença de moradores menores de 18 anos têm se mostrado diretamente relacionados à IA (GUNDERSEN; KREIDER; PEPPER, 2011; MORAIS et al., 2014).
Outros fatores estruturantes que afetam a conjuntura social e econômica da sociedade concorrem adicionalmente para limitar a garantia da SAN, como a dificuldade de acesso a terra, água, crédito ou até mesmo acesso a mercados de comercialização de alimentos, além de outras condições vulneráveis, envolvendo, por exemplo, a exposição a catástrofes climáticas, crises econômicas, guerras e conflitos. Os mais diversos tipos de riscos que podem conduzir à insegurança alimentar, por meio de implicações nas várias dimensões da SAN, estão elencados no Quadro 1 (CONTI, 2009; HOFFMANN, 1995; PINTO, 2008).
Em todos os contextos faz-se necessário mencionar o impacto da desigualdade social sobre a realização do direito a alimentação adequada, em que a má distribuição dos recursos, reflete na detenção das melhores condições de vida entre uma minoria, enquanto coexistem territórios e grupos populacionais marginalizados sob o risco de conviver com a IAN e a fome (KEPPLE; GUBERT; SEGALL-CORRÊA, 2016; SILVA, 2014).
Quadro 1- Principais riscos e seus impactos na segurança alimentar e nutricional.
Tipos de Riscos Disponibilidade Acesso Utilização Macro (global/regional)
Riscos econômicos
Crise financeira, choques relacionados ao comércio.
Capacidade reduzida de Importação; Alterações nos
incentivos à produção.
Redução nos rendimentos, riqueza e crescimento econômico. Despesas públicas na saúde em declínio. Riscos naturais Alterações climáticas globais. Queda na produtividade de terras cultivadas. Aumento da variabilidade dos rendimentos e da pressão sobre os recursos para adaptação a meios de
subsistência. Aumento de doenças relacionadas com a água. Macro (nacional) Riscos políticos
Conflitos civis, guerra.
Menor produção; Aumento dos custos de transação;
Ruptura no sistema de apoio à agricultura.
Poder de compra reduzido (preço, rendimentos).
Ruptura do sistema de saúde.
Riscos econômicos
Colapso no crescimento, crise fiscal ou monetária.
Esgotamento do estoque de alimentos; Menor capacidade de importação; Alterações nos incentivos à produção; Declínio das despesas públicas de apoio
à produção agrícola e ao desenvolvimento rural.
Diminuição da riqueza e do poder de compra (preço,
rendimentos).
Ruptura do sistema de Saúde.
Riscos naturais
Terremotos, cheias, seca, desertificação.
Menor produção; Redução da propriedade de
gado; Pressão sobre estoques de alimentos.
Rendimentos reduzidos (agrícolas, não agrícolas); Diminuição da riqueza e do
crescimento económico.
Diminuição do acesso à água potável; Aumento de doenças relacionadas
com a água.
Meso (comunidade)
Riscos políticos
Conflitos civis, guerra.
Menor produção; Aumento dos custos de transação;
Ruptura no sistema de apoio à agricultura. Ruptura do sistema de Saúde. Riscos naturais Deslizamentos de terra, chuvas, ventos fortes,
ataques de pragas, doenças do gado.
Menor produção; Aumento da pressão sobre os recursos naturais; Aumento
das flutuações anuais e da discrepância regional. Rendimentos reduzidos (agrícolas, pecuários); Diminuição do poder de compra. Diminuição do acesso à água potável; Aumento
de doenças relacionadas com a água. Riscos ambientais Desflorestação, redução da fertilidade do solo.
Aumento dos custos de Produção.
Diminuição da riqueza (gado).
Riscos para a saúde
Epidemias, HIV/SIDA, falta de água e
saneamento.
Menor produção de alimentos.
Perda de dias de trabalho (rendimentos reduzidos); Aumento das despesas não
alimentares.
Absorção e utilização reduzida de nutrientes; Exaustão dos sistemas de saúde levando a menos tratamentos.
Riscos sociais
Discriminação no acesso aos recursos, exclusão social, perda de entidade
patronal.
Menor criação de gado.
Redução das oportunidades de diversificar os rendimentos; Exclusão de
seguros informais.
Micro (agregado familiar) Riscos para a saúde
Doenças, deficiências,
ferimentos. Menor produção própria.
Rendimentos reduzidos; Aumento dos custos de saúde; Diminuição da propriedade de bens; Aumento do endividamento. Riscos relacionados ao ciclo de vida Velhice, morte.
Menor produção própria.
Rendimentos reduzidos; Aumento dos custos de saúde e das despesas não alimentares; Diminuição da
propriedade de bens; Aumento do endividamento.
Micro (agregado familiar) Riscos sociais
Distribuição desigual de alimentos dentro do
agregado familiar
Acesso discriminatório a alimentos por dados membros da família
(mulheres).
Riscos econômicos
Desemprego, problemas nas colheitas.
Menor produção própria.
Rendimentos adquiridos reduzidos; Diminuição da propriedade de bens; Aumento do endividamento.
Ademais, os determinantes intersetoriais da IAN se apresentam em diferentes níveis, considerando a organização da sociedade: a) nível relativo ao país e contexto mundial: macrossocioeconômico; b) nível caracterizado pela comunidade ou região: regional e local; e c) nível domiciliar ou individual: domiciliar, conforme apresentado na Figura 3 (KEPPLE; SEGALL-CORRÊA, 2011). Em cada nível organizacional, as dimensões da SAN podem apresentar natureza, causas e efeitos distintos; por exemplo, os alimentos podem estar disponíveis em um país, mas não em certas regiões desfavorecidas ou grupos discriminados, demonstrando que a depender do contexto, a importância de determinados fatores pode apresentar variação (GROSS et al., 2000).