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CAPÍTULO 1 | RECORTE TEÓRICO

1.4 O MERCADO IMOBILIÁRIO INFORMAL

1.4.2 Fatores condicionantes dos preços

Muitas famílias que integram as classes populares não escolhem os arranjos informais como a melhor alternativa, pois, como mostra Smolka (2003), no que se refere ao mercado fundiário, o preço do metro quadrado de lotes em assentamentos informais não é barato. A estimativa apresentada pelo autor mostra que no início dos anos 2000, em distintas cidades de dez países latino-americanos, a mediana dos preços dos lotes informais comercializados era de US$ 27 por metro quadrado2. Por outro lado, a mediana dos preços da terra crua nessas mesmas cidades variava entre US$ 5 a US$ 10 o metro quadrado. Esses dados se tornam ainda mais espantosos quando se considera, no caso brasileiro daquele período, que a proporção de pobres nas áreas metropolitanas correspondia a 37% da população, para uma linha de pobreza que variava de US$ 40 a US$ 88 entre metrópoles e grandes centros urbanos (SMOLKA, 2003).

Ainda sobre o mercado fundiário informal, Abramo (2009) esclarece que a formação dos preços no submercado de loteamentos obedece a uma composição de fatores que, somados, definem o preço dos lotes, sendo eles: 1) custos de fracionamento da gleba; 2) localização; 3) ajuste de mercado; 4) antecipação de infraestrutura e de serviços; e 5) facilidade e flexibilidade nos termos de contratação de créditos informais.

O primeiro é o fator ricardiano clássico, em que as características topológicas e topográficas determinam custos de fracionamento diferenciados que serão incorporados ao preço do lote. O segundo é o fator thuneniano, no qual a localização do loteamento na hierarquia de acessibilidade e de infraestrutura urbana também está incorporado no preço do lote. O terceiro é o fator de ajuste de mercado, que se caracteriza como um multiplicador ou redutor

2 Outras medianas de preço por m²: Guarulhos (Brasil) - US$ 40,00; Bogotá (Colômbia) - entre US$ 15,78 e US$

dos preços em função da concorrência oligopolista entre os demais loteadores e/ou ao submercado em áreas consolidadas, e/ou, ao mercado formal. O quarto se trata do fator de antecipação de infraestrutura e de serviço; o loteador ao buscar glebas sem infraestrutura e não a disponibilizar, antecipa que o poder público irá sanar esse problema futuramente, e assim, cobra no presente o que, possivelmente, será ofertado no futuro. No quinto e último fator, a maior facilidade e flexibilidade no acesso a um lote a partir de contratos informais de endividamento familiar – crédito – gera juros – ou proto-ganho financeiro – de natureza informal que serão incorporados ao preço final do lote (ABRAMO, 2009). Os três primeiros fatores são de caraterística universal que condicionam os preços dos lotes tanto no mercado informal, quanto no formal, contudo, no mercado formal não há fatores que reduzam os preços dos lotes em relação aos produtos ofertados no mercado informal. Os demais fatores são caraterísticos apenas do mercado informal.

No que se refere ao mercado imobiliário informal em áreas consolidadas, ele possui um caráter autorreferencial (ABRAMO, 2009; LACERDA; MELO, 2009) e uma estrutura concorrencial (ABRAMO, 2009) na formação dos preços. O caráter autorreferencial se atribui ao fato que, antes de estipular o preço de mercantilização do produto, o indivíduo busca informação sobre os preços praticados nas proximidades de onde o imóvel está localizado. A busca fica restrita ao assentamento em questão, tornando o mercado imobiliário informal mais atomizado e mais delimitado territorialmente em relação ao mercado formal. Já a estrutura concorrencial ocorre porque os produtos imobiliários pertencem a um grande número de proprietários que atuam de forma independente face aos interessados nos produtos, tornando a oferta racionada. Como os imóveis são construídos sob o comando de cada família, a partir das suas necessidades e/ou dos seus recursos financeiros, a oferta habitacional se torna heterogênea, com diferenciações que vão desde as tipologias das edificações, os materiais construtivos utilizados, o número de cômodos, as dimensões do imóvel, até a topografia do lote e a sua localização dentro da própria área consolidada, que pode favorecer a acessibilidade ao transporte público e aos centros de emprego e de serviços. Todas as diferenciações citadas têm seu peso na formação dos preços pretendidos e praticados no mercado em áreas consolidadas, porém, além dessas, para Abramo (2009) existem duas externalidades endógenas positivas muito valoradas nos assentamentos consolidados e que tendem a serem capitalizadas nos preços dos imóveis mercantilizados, sendo elas: a “externalidade da liberdade urbanística e construtiva” e a “externalidade comunitária”.

A primeira externalidade permite ao proprietário do imóvel fazer um uso mais intensivo do solo, seja via fracionamento e/ou criação de solo, tendo em vista que os assentamentos não

estão regulados pelos direitos urbanísticos e de propriedade, logo, essa liberdade é incorporada ao preço final dos produtos por ser uma vantagem em relação ao mercado formal, além de ser um atrativo para a demanda do mercado informal. Leitão (2007, p. 144) relata que na favela da Rocinha mais que o acesso à infraestrutura, o que condiciona o preço do imóvel é “a segurança da estrutura do prédio e as possibilidades de ampliação futura, horizontal – o que é cada vez mais raro – e vertical”, portanto, quanto maior é a possibilidade de ampliação, mais elevado é o preço do imóvel.

A segunda externalidade citada por Abramo (2009) está relacionada às relações sociais que se desenvolvem dentro dos assentamentos. Via de regra, os residentes dessas áreas possuem muitos amigos e/ou familiares que igualmente residem nas proximidades, com os quais constantemente trocam favores e ajudas mútuas; ademais, os moradores, em geral, tendem a se organizar em busca de soluções para problemas da comunidade. Segundo o autor, a externalidade comunitária

[...] é o resultado de uma economia de reciprocidades em que as famílias têm acesso a bens e serviços a partir de relações de Dom e Contra-Dom, nas quais não desembolsam valores monetários para aceder a certos bens e serviços (Caillé, 2000). A externalidade comunitária é sustentada por redes sociais e manifestam dinâmicas de proximidade organizada (Rallet e Torre, 2007) que permitem interações interfamiliares que reproduzem temporalmente os laços de Dom e Contra-Dom. Esses laços estabelecem uma dinâmica de trocas baseada em relações de confiança e de lealdade (Pelligia, 2007) (ABRAMO, 2007, p. 37-38).

A posição do assentamento informal na hierarquia de localização da cidade também é fator que condiciona os preços dos imóveis no mercado informal. Abramo (2003) explica que no caso do assentamento estar próximo de uma área que absorva investimentos crescentes do poder público, aquelas detentoras de infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos, ele também absorve parcelas dessas externalidades, o que acaba se tornando uma causa de distinção entre os demais assentamentos informais da cidade, assim como um fator condicionante dos preços dos imóveis situados no seu interior. Outro fator que condiciona os preços são as transformações físicas que ocorrem dentro do assentamento a partir de intervenções de caráter urbanístico – como pavimentação de vias, serviços relacionados ao saneamento urbano etc. – promovidas por ações do poder público ou comunitária. Essas ações valorizam o espaço construído do assentamento, assim como promovem igualmente a distinção entre os demais assentamentos. Todavia, as intervenções podem não ocorrer na totalidade do assentamento e as áreas que não passam por essas transformações são desvalorizadas em relação às áreas que são contempladas com as transformações físicas.

As negociações no mercado imobiliário informal são realizadas diretamente entre os proprietários dos imóveis e os interessados nos produtos, garantindo a personalização das transações e ocasionando a variação dos preços dos produtos em um curto período, devido à existência de ajustes dos preços decorrentes das condições financeiras dos interessados, além de existir o “pechinchar” por partes desses últimos. E é por essa razão que se faz necessária a análise sobre como as transações mercantis são realizadas nos assentamentos informais, e tal análise encontra-se no subitem seguinte.