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2.3 Fatores de risco e de proteção associados ao suicídio

2.3.1 Fatores de Risco

Os fatores de risco para o suicídio têm merecido maior interesse dos pesquisadores e referem-se à existência de indicadores clínicos, sociais, culturais e psicossociais associados ao aumento do potencial suicida. O conhecimento dos fatores associados ao agravo e de suas taxas de incidência possibilita o delineamento de estratégias de prevenção, além do trabalho de intervenções nas crises (Prieto e Tavares, 2005).

Entretanto, para que o trabalho preventivo seja eficaz, torna-se necessário o conhecimento dos indicadores clínicos associados ao ato suicida. Os que mais se destacam são: história anterior de tentativas de suicídio não fatais, perdas recentes, perdas de figuras parentais na infância, dinâmica familiar conturbada, personalidade impulsiva e agressiva, sentimentos intensos de desesperança, certos tipos de transtornos mentais (como depressão e alcoolismo) e algumas condições clínicas tais como doenças orgânicas incapacitantes, dor crônica, lesões desfigurantes perenes, epilepsia, trauma medular, neoplasias malignas e HIV/AIDS (Prieto 2002, WHO 2003).

Os fatores socioeconômicos como mudanças de cidade, de condição social e a privação de certos bens básicos são também condições que afetam a saúde, constituindo-se em importantes fatores de risco para os eventos suicidas. A OMS, em seu Relatório sobre

56 Saúde de 2002, reconhece a importância dos fatores socioeconômicos, quando define saúde “não apenas como a ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico,

mental e social”. Também, dentro dessa visão global, Scliar (2007) formulou um conceito de

saúde que reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural e considera as concepções religiosas, filosóficas e científicas e conclui que o conceito de saúde não é o mesmo para todas as pessoas, mas depende da época, do lugar, da classe social e dos valores individuais de cada um.

Devemos considerar ainda, os fatores sociodemográficos, como o gênero masculino, com maior propensão ao suicídio, aqueles que se encontram na faixa etária entre 15 e 35 anos ou acima de 75 anos, bem como os residentes em áreas urbanas, os aposentados e os desempregados (Viana, 2008), principalmente, os que perderam o emprego recentemente (Meneghel et al, 2004) ou pertencem aos estratos econômicos extremos (os muito ricos ou muito pobres), além da ausência de uma religião definida. Encontram-se ainda, em maior risco, os indivíduos solteiros, separados e viúvos (WHO, 2003).

A situação profissional e o desemprego podem desencadear o suicídio, como afirmam Kapczinshi et al (2001). Embora o estabelecimento de uma relação entre suicídio e renda/emprego seja relativamente recente, vários estudos, independentemente da linha de investigação, indicam uma significativa associação entre suicídio e as variáveis econômicas (Loureiro, 2010). No entanto, o impacto causado pelas condições desfavoráveis de trabalho, pelas perdas financeiras, ou pelo desemprego está relacionado à saúde das pessoas, na medida em que gera conflitos ou desencadeia transtornos psiquiátricos, que podem conduzir ao ato de autoextermínio.

O estresse no ambiente do trabalho, gerado principalmente pelas precárias condições de trabalho e pela pressão por metas e/ou produtividade, jornadas prolongadas e os novos modelos de gestão nas empresas, entre tantos outros, contribuem para o aumento na incidência de distúrbios psiquiátricos que incapacitam o trabalhador ou pode levá-lo ao suicídio, nos casos mais graves. Este problema foi discutido em um estudo de Santos et al (2010), que aborda as dificuldades dos bancários no contexto das reestruturações produtivas que se iniciaram na década passada e que ainda continuam a submeter os empregados dos bancos a condições desumanas nas relações de trabalho e exigindo elevadas metas de desempenho.

57 Ainda, se associam ao evento, as situações de crise econômica e os fracassos no desempenho do homem como provedor da família, que podem levar a atritos e à exacerbação do consumo de álcool e drogas, até à dissolução familiar (Marin-Leon e Barros, 2003), além de mudanças de condição socioeconômica e a migração (Schmitt, 2008), com a presença de conflitos subjetivos relacionados à identidade cultural, entre outros.

Especialmente para os adolescentes são apontados, como fatores de risco, as brigas entre os pais, a solidão e a traição de amigos e namorados que se afiguram comuns a todos os grupos (Benincasa e Rezende, 2006). Em um estudo realizado em Brasília (DF), por Prieto (2002), entre adolescentes e jovens com história de tentativa de suicídio recente, foi detectada a elevada importância dos eventos estressores na história de desenvolvimento desses indivíduos. As experiências estressoras caracterizaram-se por uma infância marcada pela presença de indicativos de negligência emocional, violência física, verbal ou sexual intrafamiliar. No mesmo estudo, os eventos que assumiram a função de precipitadores do comportamento suicida foram os conflitos relacionais graves e as separações recentes, além de história de abuso sexual na infância, que também estão associadas à elevação no risco de comportamentos suicidas na fase adulta.

Estudo realizado por Mioto (1994) procurou analisar os sentimentos dos familiares diante do adolescente que tentou o suicídio, buscando entender a dinâmica e a estrutura familiar desses adolescentes tentadores e sua ligação com o ato. A conclusão é que a tentativa de suicídio no adolescente pode ser interpretada como uma forma de expressão dos conflitos familiares acumulados ao longo de uma infância comprometida. Normalmente, esses conflitos se agravam na adolescência e acabam sendo expressos pelo desejo de morte. Este desejo é atuado pelo jovem num momento marcado pelo desespero e desesperança, não só do próprio jovem, mas também de sua família. Nessa perspectiva, a tentativa de suicídio é entendida como um sentimento que subjaz às relações familiares, fazendo parte de uma estrutura inconsciente.

Em estudo sobre a prevalência e os fatores associados ao planejamento suicida entre adolescentes escolares, Baggio et al (2009) observaram que relatos de solidão e de tristeza representaram cerca de três vezes mais planejamento suicida em relação aos que não referiram esses sentimentos. Da mesma forma, aqueles adolescentes que referiram ser agredidos pelos pais ou responsáveis e os que faltaram às aulas sem o conhecimento e a permissão deles

58 apresentaram uma prevalência, quase nos mesmos índices de suicídios (2,7 vezes maior), do que os demais.

Como já foi dito, outro fator importante relacionado ao suicídio se liga à história de abuso sexual na infância, uma vez que existe uma forte associação entre a elevação no risco de comportamentos suicidas na fase adulta e a violência sexual sofrida nos anos iniciais da vida (Prieto, 2002). E, quando este tipo de violência se liga ao abuso físico, os riscos são ainda mais elevados (Chachamovich et al 2009).

Para a população idosa são apontados como fatores de risco: o isolamento social, introspecção, o luto, a perda de independência financeira, o uso de álcool e outras drogas, os processos depressivos e as doenças físicas incapacitantes (Hawton e Heeringer, 2009). Ainda, em relação à população idosa, Conwell et al (2002) considera que existem diferenças entre os fatores de risco para os idosos jovens (faixa de 60 anos) daqueles que se encontram nas faixas etárias mais avançadas (faixa dos 85 anos). As tentativas prévias de suicídio na população idosa representam um importante fator de risco, tendo em vista que nesta faixa etária a relação entre tentativas e suicídios consumados é, de no máximo, três tentativas para cada óbito consumado, enquanto na população geral a média fica entre 10 a 20 tentativas para cada suicídio exitoso (Prieto e Tavares, 2005, Botega et al, 2006, Macente et al, 2009).

Os esforços de prevenção, independentemente do nível de intervenção, apoiam-se necessariamente na compreensão destes fatores e na adoção de medidas estratégicas, que estão distribuídas em três níveis de atuação: primária, secundária e terciária e se destinam a públicos distintos que se encontram em situações diferentes.

Na prevenção primária, as intervenções são educativas e estão voltadas às comunidades em geral, às famílias e à escola. Seu objetivo principal é evitar o aparecimento dos riscos, por meio de informações, orientações e conscientizações acerca das dificuldades e perigos diretamente relacionadas ao tema. As pesquisas demonstram que as intervenções baseadas no fortalecimento da autoestima, no desenvolvimento de aptidões para enfrentar a vida e em um processo sadio de tomada de decisões reduzem o risco de suicídio, principalmente entre os jovens.

Há também, como medida preventiva, a necessidade de se restringir o acesso a métodos letais, como armas, pesticidas, medicamentos e lugares altos (OMS, 2000). Estudos

59 têm demonstrado que o risco de suicídio é cinco vezes maior em residências onde existem armas de fogo. Este risco se afigura de forma preocupante, inclusive para os profissionais que tem acessibilidade a métodos letais, como os policiais e militares que normalmente conduzem armas como objeto de trabalho (OMS, 2000, Brasil MS/OPAS, 2009). Outra categoria que apresenta elevado risco são os profissionais da área da saúde, como médicos, estudantes de medicina, dentistas e enfermeiros, que dispõem de uma grande quantidade de medicamentos e drogas ao seu alcance e, diante da perda das condições idealizadas e da ansiedade pelo temor em falhar, podem adotar o suicídio como uma maneira de eliminar seus problemas (Meleiro, 1998). Ainda, as pessoas que trabalham ou residem em fazendas onde geralmente encontram grande quantidade de defensivos agrícolas estão, também, mais vulneráveis aos riscos (Tavares, Montenegro e Prieto, 2004).

A atuação em nível de prevenção secundária é necessária nas situações em que já existe um risco configurado, no sentido de atuar em uma situação concreta que necessita de uma intervenção objetiva para minimizar o impacto de fatores de risco reconhecidos, buscando aumentar a influência de características de proteção relevantes (OMS, 2002). Reconhecer, orientar e encaminhar adequadamente as pessoas que apresentam sofrimento ou transtornos mentais seria uma forma importante de atuar neste nível de prevenção.

Entende-se como prevenção terciária, a atuação voltada à intervenção em uma condição ou um quadro mórbido (médico ou psicológico) já instalado. A atuação neste nível requer profissionais especializados e com foco direcionado para o indivíduo que desencadeou a situação (Tavares, Montenegro e Prieto, 2004).

As experiências adversas na história de vida das pessoas, marcadas pelos atos de autoextermínio, apontam para a presença de fatores estressores. Estes seriam os fatos ou circunstâncias que precipitariam ou desencadeariam o ato autoagressivo (Werlang, 2000).

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