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2.6 Etiologia

2.6.1 Fatores genéticos

As pesquisas mostram a extrema importância da predisposição genética, que condiciona o aumento do depósito de tecido adiposo. A relação dos fatores genéticos com a obesidade é demonstrada nos estudos realizados com crianças adotadas, nos quais existe elevada correlação entre os seus índices de massa corpórea e os de seus pais e irmãos biológicos, correlação que existe ao estudar as mesmas crianças em relação aos pais adotivos (MÜLLER, 2003).

As crianças cujos pais são obesos apresentam risco muito mais alto de obesidade quando comparadas com aquelas cujos pais são magros. Estudos com gêmeos adotados revelaram que o peso, na fase adulta, relaciona-se mais com o dos pais biológicos do que com o dos pais adotivos (MAFFEIS, 2000). Algumas mutações em genes que podem interferir no desenvolvimento da obesidade também já foram descritas, mas não será objetivo neste texto descrevê-las pormenorizadamente. O risco de uma criança ser obesa aumenta em função da obesidade dos pais. É baixo quando nenhum dos pais é obeso, alto quando apenas um é obeso e muito alto quando ambos são obesos. Embora o componente genético seja discutível, a prática clínica mostra que é muito difícil separá-lo do contexto familiar e cultural. Sabe-se que a obesidade na infância e na adolescência tende a continuar na fase adulta, se não for convenientemente controlada, levando ao aumento da morbimortalidade e diminuição da expectativa de vida (LAMOUNIER et al., 2007).

Os fatores genéticos desempenham papel importante na determinação da suscetibilidade do indivíduo para o ganho de peso, porém são os fatores ambientais e de estilo de vida, tais como hábitos alimentares inadequados e sedentarismo, que geralmente levam a um balanço energético positivo, favorecendo o surgimento da obesidade (BRAY; POPKIN, 1998; WHO, 2004). Estudos de intervenção com gêmeos monozigóticos também falam a favor da modulação genética da resposta às alterações ambientais. Em uma avaliação de 12 pares de gêmeos monozigóticos submetidos à dieta hipercalórica, a resposta em termos de ganho de peso, aumento da gordura corporal e aumento da gordura visceral variou consideravelmente entre os indivíduos, principalmente entre os

pares na comparação com os intrapares. Uma pesquisa com gêmeos monozigóticos submetidos a balanço energético negativo à custa de programa de exercícios físicos também evidenciou mais concordância intrapar no que diz respeito às variações de peso, gordura corporal, gordura subcutânea e gordura visceral (PÉRUSSE; BOUCHARD,, 2000).

Avaliando, em 1990, pares de gêmeos idênticos e fraternos crescendo separados ou vivendo juntos, demonstrou-se a contribuição da genética e a maior determinância dos fatores genéticos no IMC (MÜLLER, 2003). Os estudos de gêmeos têm tentado separar as influências ambientais das genéticas, já que, se forem criados em ambientes distintos (quando um dos gêmeos é adotado por outra família), tem-se a possibilidade de obterem-se informações sobre a influência ambiental em indivíduos com o mesmo patrimônio genético.

Stunkard et al. (1986) realizaram um estudo na Dinamarca no qual as crianças adotadas puderam ser comparadas com seus pais biológicos e com seus pais adotivos. Foram obtidas informações sobre 3.580 adotados, utilizando-se como critério o IMC. Houve relação clara entre a classe de peso dos adotados e a de seus pais biológicos, não havendo relação aparente entre crianças adotadas e seus pais adotivos, sugerindo fortemente que influências genéticas são determinantes importantes da adiposidade e que as influências ambientais têm pouco ou nenhum efeito. É importante ressaltar que as influências genéticas observadas nesse estudo não são apenas confinadas ao grupo obeso, mas se estendem a toda a faixa de adiposidade, desde os muito magros até os muito gordos (STUNKARD et al., 1986).

Borjeson, na Suécia, analisando 5.008 pares de gêmeos, selecionou 101, dos quais um ou mais estavam acima do peso em relação à altura por mais de dois desvios-padrão. O autor chegou à conclusão de que os fatores genéticos desempenham papel decisivo na origem da obesidade (BORJESON, 1976). A coexistência de obesidade em vários membros da mesma família confirma a participação da herança genética na incidência da obesidade. A probabilidade de que os filhos sejam obesos quando os pais o são foi estimada em alguns estudos, obtendo-se percentagens entre 50 e 80% (ORERA, 1997).

Em 1994 foi clonado o gene da leptina, que desencadeou verdadeira revolução na compreensão da biologia da obesidade. O hormônio leptina é produzido no tecido adiposo branco e o seu receptor se expressa em vários

tecidos, mas seus efeitos sobre o peso corpóreo manifestam-se por ação hipotalâmica. É um marcador da quantidade de tecido adiposo, de modo que, com o aumento da massa adiposa, aumenta a sua produção, que reduz a ingestão alimentar (via inibição de neuropeptídeo Y) e aumenta o gasto energético, o que tende a fazer a massa adiposa retornar ao seu set point. Nas pessoas obesas, no entanto, o set point é diferente, talvez devido à resistência à ação da leptina. Já foram identificadas várias crianças que não produzem leptina: elas nascem com peso normal, mas, devido a um apetite voraz, rapidamente se tornam obesas. Esses pacientes beneficiam-se do uso desse hormônio, à semelhança das experiências realizadas com os ratos ob (ratos deficientes em leptina). No entanto, a maioria das pessoas obesas apresenta excesso de leptina, e não falta, sugerindo que o mecanismo seja mais uma resistência à sua ação do que sua falta, talvez devido à dificuldade em atravessar a barreira hematoliquórica (DAMIANI; DAMIANI; OLIVEIRA, 2005).

No entanto, a rápida elevação da obesidade nos últimos anos ocorreu num período curto demais para permitir atribuí-la a quaisquer mutações genéticas significativas nas populações. Os modelos que atribuem origem genética às obesidades, embora importantes, não têm, até o momento, qualquer aplicabilidade prática, estando restritos ao terreno experimental. A prática clínica mostra que o componente genético é indiscutível, mas é muito difícil separá-lo do contexto familiar e cultural em que a pessoa se desenvolveu ou vive e que tanto influencia o hábito alimentar (FELIX; SILVA, 2003; LIVINGSTONE, 2000).

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