• Nenhum resultado encontrado

Fatores que afetam a qualidade da carne

No documento Ana Rita Tavares Fialho (páginas 49-52)

Capítulo 2 Revisão Bibliográfica

2.6. Fatores que afetam a qualidade da carne

A qualidade da carne de porco está relacionada com qualidade sanitária, fatores genéticos e tecnológicos. Os porcos destinados ao consumo fresco são abatidos entre os 60 e 120kg e os destinados maioritariamente à transformação entre 140 e 180kg. Regra geral, os animais apresentam com o aumento da idade/peso de abate, um aumento da taxa de mioglobina e dos lípidos intramusculares e diminuição da perda de água dos músculos. O teor de ácido oleico aumenta com a idade nos porcos do tronco Ibérico o que é favorável à qualidade da produção de presuntos. A utilização de machos inteiros é um problema a nível sensorial, por afetar o cheiro e “flavor” da carne derivado da produção por estes de compostos como o escatol e a androsterona (Lebret e Faure, 2015).

A qualidade biológica de um alimento é definida pela sua qualidade nutricional e sensorial, estando as duas interligadas. A qualidade nutricional é garantida por uma composição rica em AGS, AGMI e AGPI na gordura intramuscular, e na quantidade de água e proteína existente na carne. Estes fatores podem ser influenciados pela alimentação, peso ao abate e/ou genética do animal (Elias et al., 2012). Os fatores que contribuem para uma qualidade sensorial aceitável são a suculência, tenrura, sabor, “flavor” e cor, sendo geralmente determinados por painéis treinados em análise sensorial de produtos cárneos (Rodrigues et al., 2015).

Como já foi indicado anteriormente, o aumento dos AGMI na alimentação dos porcos influencia a qualidade nutricional da carne e dos produtos transformados, pelo que o regime de Montado aumenta a taxa de ácido oleico do tecido adiposo e diminui a taxa de AGS, de ácido linoleico e fosfolípidos. A adição de vitamina E à dieta permite reduzir a oxidação lipídica e da mioglobina na conservação e prevenção da rancificação e escurecimento da carne, melhora a retenção de água e estabiliza as membranas celulares. A fração insaponificável de lípidos dos porcos do tronco Ibérico em regime de Montado contém uma taxa de vitamina E muito elevada, que retarda a primeira fase de oxidação dos lípidos e torna a maturação dos presuntos com ótimos sabores e aromas, melhorando assim a qualidade do produto (Pastorelli et al., 2012).

Parâmetros de qualidade da gordura, como teor de gordura intramuscular e composição lipídica, afetam a qualidade nutricional e organolética da carne e são os principais fatores que afetam a aceitação pelo consumidor da carne fresca. Por isso, o estudo da composição lipídica da gordura na carne fresca adquiriu importância nos últimos anos (Clemente et al., 2012). Estudos feitos em porcos de genótipos comercias apresentam valores de gordura intramuscular no músculo Longissimus lumborum bastante abaixo do nível exigido para uma qualidade nutricional aceitável (Madeira, 2013). Para contornar esse fator a indústria de suínos tem elevada preocupação na produção sustentável de suínos, através da alimentação ou cruzamentos com outras raças para a manutenção da composição rica em ácidos gordos na gordura intramuscular sem aumento na gordura subcutânea, para assim obter uma qualidade

30 nutricional superior da carne (Wood et al., 2008). A carne de suínos Alentejanos pode ser uma alternativa eficaz. Apesar da carcaça apresentar muita gordura e uma proporção baixa de cortes magros, podendo prejudicar a rentabilidade económica deste sistema de produção (Neves et al., 2012), foi demonstrado que as qualidades nutricionais da carne desta raça podem ser aproveitadas com cruzamentos com raças industriais, uma vez que, do cruzamento de porcos Alentejanos com raças puras industriais, resultaram animais cuja carne apresenta uma qualidade superior à das raças industriais (Tirapicos Nunes et al., 2000).

Devido à correlação positiva entre o teor de AGS e doenças cardiovasculares, reduzir a gordura na carcaça foi um dos principais objetivos na produção de suínos industriais, mas isso influenciou negativamente a qualidade sensorial da carne. Porcos mais gordos têm mais GIM, que reflete melhor qualidade da carne. Esta é uma das razões para a melhor qualidade da carne de raças autóctones em comparação com raças modernas ou industriais. A qualidade nutricional do tecido adiposo subcutâneo também é importante, pois o toucinho é amplamente utilizado em produtos cárneos transformados e tem sido sugerido que um tecido adiposo de boa qualidade nutricional deve conter menos de 15% de AGPI (Zemva et al., 2012). A interação entre o genótipo e o ambiente das raças destinadas a carne para consumo constitui um fator determinante na qualidade da carne, pois a qualidade do produto também está relacionada com atributos secundários como bem-estar animal, impacto ambiental, rastreabilidade ou aspetos de segurança, cada vez mais valorizados pelos consumidores. Assim, os porcos autóctones são uma valiosa reserva genética que pode ser usada para recuperar as propriedades organoléticas da carne de porco industrial, propriedades que foram perdidas devido a severos programas seletivos realizados para melhorar quantitativamente a produção de suínos (Pugliese e Sirtori, 2012).

Alguns dos atributos sensoriais mais importantes da carne são aparência, suculência, sabor e textura. Entre os atributos de textura, a dureza é a mais importante para o consumidor (Huidobro et al., 2005). A qualidade também é afetada por fatores como o tipo de fibra muscular, a capacidade de retenção de água, o comprimento miofibrilar e do sarcómero, e a quantidade e a natureza do tecido conjuntivo (Tejerina et al., 2012).

A genética é outro dos fatores que afeta a qualidade biológica da carne, sendo o gene halotano, entre outros, de grande importância. Este gene é um gene recessivo que afeta a suscetibilidade do animal ao stress, devida a uma mutação no gene que controla o canal de cálcio (recetor de ryanodine, RYR1) do retículo sarcoplasmático. Este gene provoca uma maior incidência de carne PSE (Florowski et al., 2017). As raças suínas do sul da Europa parecem não ter o gene halotano, sendo que foram encontrados alelos T no locus RYR1 com frequência muito baixa (0,07) nas raças portuguesas, o que indica que já de si estas carnes possuem características de qualidade elevada (Pugliese e Sirtori, 2012).

31 Um menor número de fibras num músculo está correlacionado com fibras que apresentam uma maior hipertrofia, e este tipo de fibras está associado a uma qualidade da carne inferior. O aumento do diâmetro das fibras do tipo IIB contribui significativamente para a variação da ternura da carne e para um “flavor” anormal. Por sua vez, o “flavor” encontra-se positivamente relacionado com a percentagem de fibras do tipo I. Os músculos com maior percentagem de fibras do tipo IIB e menor percentagem de fibras do tipo I apresentam também uma taxa glicolítica maior e como consequência, exibem uma cor pálida e uma maior perda por gotejamento do que outros músculos, dando origem a carnes PSE (Florowski et al.,2017; Zhao et al.,2018).

O stress pode ser definido como um conjunto de respostas biológicas, respostas hormonais e somáticas quando um indivíduo recebe uma ameaça à sua homeostase (equilíbrio). A ameaça é o fator de stress (frio, calor, equipamentos desajustados à vida, interações sociais, dor, infeção, fome, medo) e pode ser avaliado de acordo com sua intensidade e duração da sua ação. Certos fatores de stress (calor, social, medo) podem alterar o comportamento animal e diminuir a ingestão de alimentos e/ou absorção de nutrientes no tubo digestivo, afetando a composição corporal, imunidade e bem-estar animal e, consequentemente, afetando as funções reprodutivas, o crescimento e a qualidade dos produtos finais. As temperaturas muito acima da zona de conforto térmico dos suínos, frequentemente associadas a ondas de calor e períodos de seca extrema, são os principais fatores de stress climático que afetam a produção de suínos no sul da Europa. Em geral, os suínos destinados aos produtos de alta qualidade (DOP, IGP) são abatidos com pesos bem acima da idade de maturação sexual (120-160 kg PV), quando o crescimento muscular estabilizou e o ganho de peso se faz à custa de maior capacidade de deposição e infiltração de gordura intramuscular (+ 60% monoinsaturada), condição essencial para o desenvolvimento das características organoléticas (aroma, sabor, cor, brilho, textura). Os problemas de altas temperaturas durante o transporte de animais para os matadouros, também aumentam as perdas económicas e de qualidade dos produtos finais. Por esta razão, o bem-estar animal durante o transporte não pode ser negligenciado, e atenção especial deve ser dada às condições físicas dos veículos e à manipulação de animais, densidade animal no veículo, distâncias percorridas e tempo de viagem (Santos Silva, 2012).

Vários estudos demonstraram que a carne de porco Ibérico é de qualidade superior à obtida com porcos industriais. Assim, a fim de aumentar a sua produtividade, é frequentemente cruzado com o porco industrial Duroc para aumentar a sua capacidade reprodutiva, melhorar a taxa de crescimento e aumenta a eficiência alimentar e o conteúdo de peças magras sem uma redução significativa na qualidade da carne, produtos cárneos ou nas peças de carne que são consideradas de maior qualidade quando comparadas com as obtidas de raças industriais puras (Utrillas et al., 2012).

32

No documento Ana Rita Tavares Fialho (páginas 49-52)