• Nenhum resultado encontrado

Ao analisar as variáveis deste bloco, observou-se que quanto à idade, houve tendência de mulheres mais jovens, especificamente na categoria de 25 a 29 anos, realizarem o exame de Papanicolaou fora do período adequado, porém esta diferença não foi estatisticamente significante. A literatura tem mostrado que a menor prevalência de realização do exame de Papanicolaou encontra-se entre as mulheres mais jovens e as mais velhas (DIAS-DA-COSTA et al., 2003; HACKENHAAR; CESAR; DOMINGUES, 2006; ARAÚJO, 2008; GASPERIM, 2010; DIONÍZIO, 2011). Em estudo realizado por Pinho (2002), a proporção de realização do exame de Papanicolaou alguma vez e nos últimos três anos foi maior entre as mulheres na faixa etária de 35 a 49 anos. A baixa cobertura entre as mulheres mais jovens pode ser em decorrência da idade de início da vida sexual ou em razão da recomendação do programa de prevenção do câncer do colo do útero, que, no Brasil, recomenda rastrear mulheres na faixa etária de 25 a 64 anos (ARROSSI et al., 2009).

Em relação à ocupação, as mulheres que referiram trabalhar em empresa pública tiveram menor chance de realizar o exame no período inadequado comparadas àquelas que mencionaram outras ocupações. A literatura tem relatado que as maiores proporções de atraso no exame de Papanicolaou estão entre as mulheres que não trabalham fora de casa (GAMARRA; PAZ; GRIEP; 2005; SILVA et al. 2006). Possivelmente, questões de gênero estão ligadas à associação entre o trabalho exclusivamente em casa e a atitude inadequada frente ao exame. Sob a ótica da perspectiva de gênero, essas mulheres podem possuir menos autonomia para trata de questões relacionadas ao cuidado à sua saúde, o que poderia dificultar a formação de uma atitude adequada em relação ao exame de Papanicolaou (GAMARRA, 2004). As mulheres ativas profissionalmente, independente de seu papel no mercado de trabalho, apresentam proporções mais elevadas de atitude adequada em relação à realização do exame, podendo isto ocorrer em virtude do maior contato com outras pessoas e consequentemente maior acesso a informações, estimulando a busca por serviços preventivos. Cabe salientar ainda que, de acordo com o Decreto nº 6.856, de 25 de maio de 2009, os servidores da administração pública federal devem ser submetidos a exames médicos periódicos, incluindo a citologia oncótica, o que pode estar relacionado ao fato das mulheres de empresa pública apresentarem prática do exame mais adequada.

Levando em consideração as históricas desigualdades de poder nas relações de gênero, acredita-se que a oferta isolada do exame de Papanicolaou não é suficiente para redução da

Discussão | 95

incidência do câncer do colo do útero. Deve-se considerar a intrínseca relação entre os aspectos de saúde e as tensões de gênero impostas pela definição dos papéis sociais. Neste sentido faz-se necessário a sensibilização dos serviços de saúde às questões de gênero, uma vez que este câncer está imbricado diretamente com estas relações. Partindo dessa compreensão, os programas de prevenção e controle do câncer do colo do útero não pode prescindir das questões de gênero, mas sim incorporá-las como um dos determinantes da saúde, desenvolvendo ações que tomam maior amplitude, considerando as especificidades femininas e atuando nos fatores sociais, culturais e históricos (NOGUEIRA; SILVA, 2008).

Em relação ao nível de escolaridade, semelhante a outros estudos epidemiológicos, o baixo grau de instrução esteve associado com a realização do exame de Papanicolaou no período inadequado (PINHO, 2002; ARROSSI et al., 2009; DIONÍZIO, 2011; GASPERIM; BOING; KUPEK, 2011; BORGES et al. 2012; AUGUSTO et al. 2013). As mulheres que possuíam ensino fundamental incompleto tiveram chances mais elevadas de realizar o exame no período inadequado comparadas àquelas com ensino superior completo. Augusto et al. (2013), ao estudarem as barreiras para o rastreamento do câncer do colo do útero no Rio de Janeiro, observaram que o analfabetismo, fortemente associado ao nível socioeconômico, esteve relacionado de maneira independente com a prática irregular do exame de Papanicolaou.

A evidência mostra que a educação facilita a acessibilidade e o entendimento das informações acerca dos determinantes da saúde, leva a um crescimento da demanda por práticas preventivas regulares e, consequentemente, a maior propensão da população feminina em participar do rastreamento com o exame de Papanicolaou (SABATE; FEINSTEIN, 2006; KO; PARK; LEE, 2012). Desta forma, têm-se sugerido que o nível educacional deva ser considerado nas estratégias de prevenção do câncer cervical, uma vez que a baixa escolaridade pode dificultar o conhecimento sobre a doença, seus fatores de risco e a importância da realização do exame (JORGE et al., 2008).

Outro fator que tem influência no acesso e utilização do exame de Papanicolaou é o nível socioeconômico (PINHO et al. 2003; QUADROS et al., 2004; JORGE et al., 2011; BRISCHILIARI et al., 2012). Contudo, neste estudo, o nível socioeconômico não esteve associado de modo estatisticamente significante com a realização do Papanicolaou, embora tenha sido evidenciado uma tendência à realização do exame fora da periodicidade adequada entre as mulheres pertencentes às classes sociais mais baixas. Reconhecendo que os indicadores do nível socioeconômico, composto por educação, ocupação e renda, são determinantes sociais de saúde que comumente estão associados ao rastreamento do câncer

Discussão | 96

cervical, pode-se inferir que a classe econômica teria um efeito indireto no comportamento de prevenção, medido por meio dos indicadores de baixa condição socioeconômica (WILLIAMS-BRENNAN et al., 2012). Sob este aspecto, Martins, Thuler e Valente (2005) observaram, em revisão sistemática sobre a cobertura do Papanicolaou e seus fatores determinantes, que a não realização do exame no Brasil associa-se, entre outros fatores, à baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico e a baixa renda familiar.

No presente estudo, a renda familiar se mostrou associada de maneira estatisticamente significante à frequência de realização do exame de Papanicolaou, ou seja, as mulheres que não possuíam renda familiar tiveram mais chance de realizar o exame de Papanicolaou no período inadequado quando comparadas àquelas que relataram renda de mais de dez salários mínimos. Tal resultado é consistente com a literatura, visto que maiores probabilidades de não realização do exame de Papanicolaou são encontradas em mulheres de baixa renda familiar (WILCOX; MOSHER, 1993; LOPES et al., 1995; AGUILAR et al., 1996; NASCIMENTO; ELUF-NETO; REGO, 1996; DIAS-DA-COSTA et al., 2003; PINHO; FRANÇA JUNIOR, 2003; MARTINS; THULER; VALENTE, 2005; GASPERIN; BOING; KUPEK, 2011). Ainda, a posse de linha telefônica residencial, que reflete o poder aquisitivo, mostrou-se associada com a frequência de realização do exame de Papanicolaou, sendo umfator protetor para realização do exame no período adequado.

Assim, as mulheres em condições desfavoráveis tem-se confrontado com barreiras provenientes do baixo nível socioeconômico que levam à dificuldade de acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, às condutas de prevenção do câncer cérvico-uterino, tornando- as mais susceptíveis ao acometimento por esta neoplasia (HEGARTY et al., 2000; JORGE et al., 2008; ZEFERINO, 2008). Desta forma, para que um programa de rastreamento populacional tenham um bom desempenho é necessário considerar as disparidades entre os grupos sociais, garantindo o acesso aos métodos de diagnóstico e tratamento adequados às comunidades com piores condições de vida.

Documentos relacionados