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CAPÍTULO 3 AS RELAÇÕES TRANSNACIONAIS, OS

3.1 As relações transnacionais

3.1.1 Fatos jurídicos tributários e colonialidade

A UNCTAD- United Nations Conference on Trade and Development69 (2002)- define empresas ou corporações transnacionais

69 Frente às desilusões das promessas, propostas por organismos internacionais

como a OMC, o FMI e o Banco Mundial, que serviriam, diante do princípio do livre comércio, “como catalisadores de um processo que traria o máximo de bens para o máximo de pessoas”, nas palavras de Walden Bello (2003, p. 10-11), a OMC “era o terceiro pilar de uma santa trindade que sustentaria a nova ordem

como companhias consolidadas ou não, em que são compreendidas suas matrizes e filiais estrangeiras. Sendo empresa matriz aquela definida como a que controla ativos em outras entidades situadas em países que não o seu de origem e que possuem certa participação no capital destas. Conforme explica Cretella Neto (2006, p. 20-23) a UNCTAD considera filial estrangeira, a empresa na qual um investidor, residente em outro país, “detém parcela do controle que lhe permite manter interesse duradouro na administração daquela empresa”. Empresas subsidiárias, associadas ou filiais são referidas, de modo geral, como filiais estrangeiras ou filiais70. Na formulação detalhada do autor, empresas transnacionais, portanto, devem ser entendidas como:

econômica, sendo os outros dois o Fundo Monetário Internacional (FMI), que promovia fluxos de capitais sempre mais livres, e o Banco Mundial, que supervisionaria a transformação de países em desenvolvimento de acordo com as linhas de livre comércio e trataria de sua integração na economia global”, e no contexto de necessidade de reestruturação de uma economia mundial voltada ao Norte com marginalização do Sul, pós Segunda Guerra Mundial, países do Terceiro Mundo reúnem esforços em prol do desenvolvimento de uma redistribuição do poder econômico global. Nesse sentido, estabelece-se, entre outros esforços, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) em 1964, que se tornou por toda a década seguinte, como afirma Bello (2003, p.50), “o principal veículo usado pelos países de Terceiro Mundo em seus esforços para reestruturar a economia mundial”.

70 Como, em síntese, menciona Cretella Júnior (2006, p.20-21) a partir do

documento da UNCTAD (2002), tem-se por empresa subsidiária aquela “constituída no país hospedeiro na qual outra entidade detém diretamente mais da metade do poder de decisão dos acionistas e tem o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros dos órgãos administrativos, operacionais ou de supervisão”. Empresa associada, aquela “constituída na qual um investidor detém 10%- mas não mais do que esse percentual- dos direitos dos votos dos acionistas” e filial, “empresa não limitada, total ou parcialmente controlada no país hospedeiro, que pode ser [...]: um estabelecimento permanente ou escritório de investidor estrangeiro; uma sociedade não limitada ou joint venture entre o investidor estrangeiro direto e um ou mais terceiros; terrenos, estruturas (exceto quando forem de propriedade de entidades governamentais) e/ou equipamento imóvel e objetos diretamente pertencentes a residentes no exterior; ou equipamento móvel (como navios, aviões, plataformas de exploração de petróleo ou de gás) em operação em determinado país que não o país do investidor estrangeiro, durante pelo menos um ano”.

A sociedade mercantil, cuja matriz é constituída segundo as leis de determinado Estado, na qual a propriedade é distinta da gestão, que exerce controle, acionário ou contratual, sobre uma ou mais organizações, todas atuando de forma concertada, sendo a finalidade de lucro perseguida mediante atividade fabril e/ou comercial em dois ou mais países, adotando a estratégia de negócios centralmente elaborada e supervisionada, voltada para a otimização das oportunidades oferecidas pelos respectivos mercados internos. (CRETELLA NETO, 2006, p.27)

Assumida a lógica de sistema-mundo colonial/moderno perpetuado e hoje de colonialidade/modernidade, entende-se adequada a afirmação de Cretella Neto (2006, p.28-31) de que as empresas transnacionais são consideradas sujeitos auxiliares do Direito Internacional Público, que “por sua importância econômica e pelo poder político internacional de fato, no organograma das instituições oficiais”, interferem e podem impor-se como atores de peso no processo internacional de decisões políticas, sociais e econômicas. Tais empresas, reconhecidas por alguns, como rivais modernos do Estado, ainda que dotados de força autônoma, necessitam subordinar-se ao poder estatal. Certamente, subordinados às agendas traçadas pelos Estados mais ricos do globo, de forma que seja sustentada a duplicidade lógica de mercado e de concentração de riqueza de um sistema- mundo capitalista eurocêntrico-norte-americano, onde fazem-se claras as relações de contradição e de polaridade Norte-Sul, em que pelo olhar, certamente, subalternizador e liberalizante são em muito definidos o Direito Tributário, o Direito do Trabalho, o Direito Econômico e o Direito Internacional.

De modo que, sensivelmente alerta Cretella Neto (2006, p.68-69), não poder deixar de ser observado, que, embora adotado um discurso liberalizante do comércio, a União Europeia tem sido bloco que impõe maiores entraves ao comercio internacional. Estabelece cotas de importação a inúmeros produtos, para cada país ou grupo de países, e tributa fortemente as importações de fora do bloco. Enquanto concede alguns bilhões de euros de “ajuda humanitária” a países pobres, simultaneamente lhes impõe cotas reduzidas à importação dos produtos primários, “restringindo-lhes as exportações em muitos mais bilhões de euros do que os concedidos em título de ajuda, além de tolher-lhes o

desenvolvimento”. Empregam habilmente a retórica dos Direitos Humanos, ao passo que lhes negam eficácia quando do trato das minorias bascas da Espanha, na Irlanda do Norte, por exemplo, e, em regra, aos estrangeiros, especialmente islâmicos e negros, impondo-lhes “clausulas sociais”. Ainda mais: exigem dos países de fora do bloco que se conformem às exigências trabalhistas por eles definidas e apenas passíveis de cumprimento por países desenvolvidos, impondo, claramente, todo tipo de barreiras não tarifárias.

A vida econômica internacional contemporânea é marcada pelo crescente movimento transfonteiriço de capital e de tecnologia, de forma que muitos destes fluxos globais de capital entre pessoas físicas ou jurídicas, que guardam relação com o Estado brasileiro, devem ser tributados e, contrariando o sistema jurídico- constitucional- tributário pátrio, em seus objetivos e princípios, não o são. Como informa Cretella Neto (2006, p.71), no ano de 1964, o fluxo líquido total de capital de longo prazo das economias dos países desenvolvidos para os países “em desenvolvimento” da África, da América Latina e da Ásia correspondia a 7,9 bilhões de dólares. Mais da metade do montante, cerca de 67% correspondente a transferência de capital por meio de transações bilaterais intergovernamentais, 8% referentes à repasses governamentais para a aquisição de títulos emitidos por agências de financiamento, tais como o Banco Mundial, e outros 25% restantes constituídos por capitais privados investidos a longo termo, nas palavras do autor:

[...] um pouco mais de US$ 2 bilhões eram constituídos por capitais privados investidos a longo termo, sendo que US$ 400 milhões correspondiam a investimentos que compunham carteiras de pessoas físicas e de investidores institucionais, que adquiriram títulos emitidos nos mercados locais, sem procurar obter controle acionário das companhias emissoras operando nos países hospedeiros em desenvolvimento. Os outros quatro-quintos, ou seja, US$ 1,6 bilhões, correspondiam a investimentos diretos feitos por empresas privadas, que pretendiam operar fora de seus países de origem, por meio de filiais ou subsidiárias e outras formas societárias organizadas no exterior. (CRETELLA NETO, 2006, p.71)

Sobre estas relações transnacionais entre empresas, entre pessoas físicas ou mesmo entre pessoas físicas e jurídicas, que envolvem fluxos contínuos de capital é que será concentrada atenção e que, diante desafios e possibilidades, será defendida a tributação para os fins já outrora expostos no presente trabalho. Sabe-se da atuação das empresas privadas transnacionais em países estrangeiros, em especial os de Terceiro Mundo, por meio de investimentos diretos. Como relembra Cretella Neto (2006, p.71-72), investimento estrangeiro direto é conceito econômico, que, segundo a definição proposta pela OCDE, adotada pelas comunidades europeias, diz respeito àqueles investimentos feitos por não residentes com o objetivo de estabelecer vínculos econômicos duradouros com uma empresa, “tais como, especificamente, aqueles que permitem ao investidor exercer influência efetiva sobre a administração da sociedade”. Abrange o conceito, a criação ou a ampliação de uma empresa existente, de filiais ou de subsidiárias.

São diversas as formas de atuação das empresas transnacionais. Pode uma empresa estrangeira, por exemplo, estabelecer ou não comple- ta presença no país, em que almeja estabelecer negócios, a partir de organizações operacionais por meio de subsidiárias, de filiais ou mesmo de “joint ventures”, as chamadas sociedades em parceria com empresas locais. Do contrário, servir apenas, a transnacional estabelecida naquele território, de “porto de exportação” com vendas para clientes no país estrangeiro. Como explica Cretella Neto (2006, p.72), nestas posições intermediárias, em que a empresa transnacional não tenciona desenvol- ver atividades integrais de fabrico, propaganda e distribuição em dado território, mas opta, por exemplo, em transferir habilidades de administração, por meio de parcerias contratuais com companhias locais independentes, versando os contratos sobre as mais diversas áreas, como os de serviço técnico, acordos de licenciamento de tecnologia e/ou marca, contratos de engenharia e de construção, entre outros.71

O movimento de capitais, nesse contexto, não ocorre sem conflitos, como explica Cretella Neto (2006, p.72-73), de um lado, têm- se os Estados importadores de capital, do outro, Estados exportadores de capital, de modo que o fluxo de capitais de um país para o outro costuma ser separado em duas categorias: a de investimento estrangeiro

71 Alerta o autor para o exemplo da empresa Nike, que faturou, em 2003, US$

8,81 bilhões de dólares produzindo em fábricas de terceiros, situadas em dezenas de países, a grande maioria subdesenvolvidos ou “em desenvolvimento”.

direto e a de investimento em carteiras de ações, sendo a última de cunho especulativo, que busca retornos financeiros mais rápidos, volátil e que pretende saída imediata do país em caso de revezes macroeconômicas e/ou políticas. O primeiro, dotado de objetivos de retorno ao longo prazo, pode ser relacionado à aquisição de bens móveis e imóveis no Estado estrangeiro e a um maior envolvimento na economia do país em que se estabelece.