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Rita de Sousa

A

febre das trincheiras é causada por Bartonella quintana e é transmitida ao

Homem através do piolho do corpo (Pediculus humanos humanus). Taxonomia

O género Bartonella está incluído no sub-grupo das alfa-proteobacterias, ordem Rhizobiales, família Bartonellaceae. O género Bartonella, classificado durante muito tempo na ordem Rickettsiales, foi reclassificado recentemente na ordem Rhizobia- les e está filogeneticamente mais próximo dos géneros Brucella, Rhizobium e Agro-

bacterium do que das rickettsias.

Os membros do género Bartonella são bactérias intracelulares facultativas, Gram- -negativas de forma cocobacilar. Têm como particular estratégia para se multiplica- rem a infeção dos eritrócitos e todos os membros são organismos de crescimento muito fastidioso. B. quintana está descrita em todos os continentes.

Epidemiologia

As primeiras descrições de infeção causada por B. quintana surgiram durante a I Guerra Mundial, e ficou conhecida pela febre das trincheiras (ocorria nos soldados que lutavam nas trincheiras europeias). Estima-se que durante este período esta febre tenha afectado mais de um milhão de pessoas nas frentes ocidental e orien- tal da Europa. Posteriormente a doença foi descrita esporadicamente na Europa, Ásia e Norte de África e alguns surtos de doença foram também relatados durante a II Guerra Mundial. Na sua maioria, estes casos de infeção estavam associados a situações de condições precárias de higiene, falta de saneamento e com as popu- lações desabrigadas [1].

Actualmente na Europa e na América do Norte a infeção por B. quintana está particularmente associada com pessoas socialmente desfavorecidas, e relacionada com a pobreza, alcoolismo e sem abrigo.

Infeção e manifestações clínicas

B. quintana é transmitida ao Homem pelo piolho do corpo (Pediculus humanus hu- manus). A bactéria é excretada nas fezes do piolho e penetra na pele através de pe-

quenas lesões decorrentes da abrasão causada pelo coçar das picadas dos piolhos. O Homem é o único reservatório conhecido.

Bartonella quintana foi originalmente descrita como o agente etiológico da febre

das trincheiras e só mais foi tarde associada a outras patologias, como a endocardite e angiomatose bacilar [1].

As descrições das manifestações clínicas associadas com infeções de B. quinta-

na variam consideravelmente e incluem desde infeção assintomática, a doença febril

recorrente (febre das trincheiras), endocardite com “cultura negativa” e angiomatose bacilar. A causa da variabilidade das manifestações clínicas é desconhecida, mas pode estar relacionada com o hospedeiro ou a variabilidade genética de diferentes estirpes de B. quintana.

De acordo com o acima descrito as manifestações podem ser:

p febre das trincheiras: febre de inicio súbito, muitas vezes acompanhada de dor

de cabeça, mal-estar e artralgias nos membros inferiores, particularmente nas canelas. Os doentes podem experimentar um ou vários episódios de febre re- corrente aproximadamente a cada cinco dias. Após a fase febril da doença, alguns doentes recuperam completamente, enquanto outros podem manter a infeção sem manifestações clínicas aparentes. Como resultado, podem ocorrer recidivas de muitos meses ou anos após o episódio inicial mesmo com trata- mento antibiótico com tetraciclinas.

p endocardite: a bacteriémia crónica associada ao desenvolvimento de endocar-

dite e que pode ocorrer em doentes sem história prévia de doença cardíaca.

p angiomatose bacilar: as manifestações clínicas da angiomatose bacilar são re-

presentadas por lesões de proliferação vascular decorrentes da resposta an- giogênica determinada pelas bartonelas. As lesões da angiomatose bacilar apresentam localização variada, podendo envolver todo o organismo, incluindo as mucosas, embora as lesões cutâneas sejam as mais frequentemente reco- nhecidas. As manifestações mais comuns da angiomatose são lesões papulo- sas, angiomatosas ou papulonodulares. Estas lesões aparecem especialmente em indivíduos imunocomprometidos, em especial HIV positivos.

No tratamento das infeções por B. quintana é recomendado o uso de doxiciclina, eritromicina ou azitromicina, sendo o tempo de tratamento variável de acordo com o tipo de manifestação (p. ex: bactierémia e endocardite)

No caso da endocardite para além do tratamento com o antibiótico pode ser ne- cessária cirurgia e substituição das válvulas cardíacas.

Diagnóstico Laboratorial

A confirmação do diagnóstico clínico com base no diagnóstico laboratorial pode ser realizado através do isolamento do agente (requer 20-40 dias), serologia ou técnicas de biologia molecular (PCR). A serologia é específica e existem diferentes kits co- merciais no mercado quer de ELISA quer de imunofluorescência. No entanto alguns estudos serológicos mostraram que casos esporádicos de infeção por C. burnetii podem ter reacções cruzadas e originar resultados falsos positivos para B. quintana e que a mesma pode induzir reacções cruzadas com clamídia. Em geral, a maioria dos doentes imunocompetentes com endocardite causada por B. quintana apresen- tam serologia positiva com títulos elevados de anticorpos (IgG > 1600).

Em situações em que é necessário realizar cirurgia e substituição de válvulas, a deteção molecular por PCR nas vegetações das válvulas cardíacas é útil para a con- firmação do diagnóstico clínico. O mesmo procedimento pode ser utilizado para a deteção de DNA de Bartonella em biópsias das lesões de angiomatose bacilar ou no sangue de doentes bacteriémicos. A imunohistoquímica pode ser também utiliza- da como técnica de diagnóstico em biópsias de pele de doentes com angiomatose bacilar. Esta técnica é util para fazer o diagnóstico diferencial com outras patologias. A presença das bactérias pode ser demonstrada pela coloração Warthin-Starry.

Bibliografia

1. Kaiser PO, Riess T, O’Rourke F, Linke D, Kempf VA. Bartonella spp.: throwing light on uncommon human infections. Int J Med Microbiol. 2011 Jan; 301(1):7-15.

2. Santos R, Cardoso O, Rodrigues P, Cardoso J, Machado J, Afonso A, Bacellar F, Marston E, Proença R. Bacillary angiomatosis by Bartonella quintana in an HIV-infected patient. J Am Acad Dermatol. 2000 Feb;42(2 Pt 1):299-301.

3. Childs JE, Olson JG, Wolf A, Cohen N, Fakile Y, Rooney JA, Bacellar F, Regnery RL Prevalence of anti- bodies to Rochalimaea species (cat-scratch disease agent) in cats. Vet Rec. 1995 May 20;136(20):519- 20. No abstract available.

FEBRE RECORRENTE EPIDÉMICA