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A LUTA PELA HEGEMONIA: GOVERNO CHÁVEZ X OPOSIÇÃO

3. Que oposição?

3.2 Fedecámaras: o empresariado na oposição

A Federação Venezuelana de Câmaras e Associações de Comércio e Produção (Fedecámaras) foi fundada em 1944, como uma entidade de representação empresarial, que reunia os três grandes setores da economia: o agrícola, o comercial e o industrial (ARENAS, 2005).

Como vimos durante o período puntofijista, a legitimidade do regime foi construída através de uma série de mecanismos de negociação e pactos de interesses entre o Estado e os diversos setores sociais, representados por suas entidades, dentre estas a Fedecámaras. Esta estrutura de relação do Estado com grupos de interesse constituía, nos termos de Rey (1988), um sistema semi-corporativo de participação. O empresariado organizado na Fedecámaras se inseriu neste sistema fortalecendo seus vínculos com os governos e, assim, propiciando as condições para satisfazer seus interesses de classe. De acordo com Gomez Calcaño (1996), a Fedecámaras conseguiu manter um importante grau de autonomia política frente aos partidos e ao Estado. A ela foi concedida “participação em quase todas as instâncias de decisão que compunham a estrutura do governo” (ARENAS, 2005, p. 351).

No entanto essa autonomia foi perdendo peso, na medida em que a dinâmica semi- corporativa se fragmentava. O enfraquecimento do poder da Fedecámaras se tornou ainda mais visível com as mudanças nas regras do jogo econômico e institucional empreendidas por Carlos Andrés Pérez, em seu segundo mandato, com um programa de ajuste de corte neoliberal. Além, das transformações ocorridas no sistema semi-corporativo, a fragmentação e as divergências de interesses dentro do próprio empresariado implicaram na redução do potencial de influência e pressão da representação empresarial.

Assim, “la representación institucional histórica de intereses del empresariado,

encarnada en Fedecámaras, disminuye con lo cual su capacidad para influir efectivamente en el proceso de formulación de políticas públicas se reduce significativamente” (ARENAS,

2005, p. 353). A esse respeito Arenas (2005) aponta a necessidade da adequação das decisões políticas às novas regras do jogo, impostas pela dinâmica do mercado como um dos aspectos da redução da influência desta entidade. O aumento do número de empresas multinacionais, com capacidade de relacionar-se individualmente com o poder público, bem como a divergência de interesses entre setores empresariais também compõe o quadro de debilitação do sistema semi-corporativo e, consequentemente, da importância política da Fedecámaras.

Com a crise política dos anos 1990 e o advento do governo Chávez, a debilidade da representatividade da Fedecámaras se faz ainda mais intensa, criando um clima de impossibilidade de acordos entre o governo e o empresariado.

A maioria dos empresários não havia apoiado Chávez durante sua campanha eleitoral. Em geral a aversão desta classe ao candidato respondia à imagem de autoritário e antidemocrático que ficou ligada a ele desde o fracassado golpe liderado pelo mesmo em 1992. Quando Chávez é eleito, entretanto, diante de sua popularidade, grande parte do empresariado reduziu o tom de suas críticas, aguardando as primeiras medidas do novo

presidente. Porém, as primeiras medidas de Chávez, já no processo de redação de uma nova Constituição, fizeram com que estes empresários reiniciassem forte campanha contra o novo presidente, apontando seu projeto de governo como um risco à propriedade privada e às liberdades civis.

Na mobilização contra as ações de Chávez, as possíveis divergências setoriais entre os empresários são deixadas à margem. E, a Fedecámaras passa a assumir um importante papel como porta voz do empresariado na oposição ao governo. Neste sentido, a Fedecámaras “como ente que reúne al empresariado nacional, sus cámaras y asociaciones, tiene un área

de influencia numerosa para propagar su posición contraria ante el proyecto de Constitución aprobado por la ANC. El organismo empresarial cuenta con 242 cámaras afiliadas, que representan a 500,00 empresas privadas, aproximadamente”. (El Universal, p. 02,

23/11/1999). Em outras palavras, a enorme estrutura da entidade que estava estagnada é reabilitada visando fazer frente ao “Projeto Bolivariano” de Chávez.

Segundo Arenas (2005, p. 356), o divórcio entre o governo e o empresariado já se mostrava na ausência do primeiro mandatário – Hugo Chávez – nas Assembleias Anuais de Fedecámaras desde 1999. Tendo em vista que nestas convenções participaram pontualmente cada um dos presidentes ao longo do período democrático que se iniciou em 1958, tal fato pode ser considerado significativo.

O marco do confronto entre o governo e a Fedecámaras, entretanto, deu-se com a utilização pelo presidente do artigo 236 da Constituição de 1999 que lhe outorgava o poder, por meio da chamada “Lei Habilitante”, de promulgar decretos com força de lei em áreas prioritárias para a economia nacional. Com base neste instrumento legal, o presidente promulgou, em novembro de 2001, 49 decretos com força de lei. Segundo Arenas (2005), a revolta do empresariado se deveu ao fato de o executivo não ter consultado os atores afetados, antes da promulgação das Leis. Assim, a Fedecámaras em aliança com a CTV convocou uma paralisação contra as chamadas “Leis Habilitantes”. Estas organizações acusavam o presidente de utilizar a habilitação fornecida pela Assembleia para governar de forma autoritária, desrespeitando os mecanismos de interlocução com a sociedade civil.

O empresariado também se revoltou com a ação do governo, em abril de 2001, de aumentar o salário mínimo em 10% sem antes recorrer ao processo de consulta com os diversos setores, através da chamada “Comissão Tripartita”. Esta comissão foi criada pelo presidente Rafael Caldera em 1996, para a fixação de preços e salários. Vale ressaltar que este tipo de comissão já existia em governos anteriores. O empresariado afirmava que esta mesma Comissão Tripartite deveria ter sido envolvida nos debates sobre a Reforma da Lei de

Seguridade Social, para que atores importantes, como os trabalhadores organizados na CTV e o empresariado, representados pela Fedecámaras, pudessem emitir suas opiniões.

Segundo Arenas (2005, p. 358), “La posición del Ejecutivo revelaba la voluntad del

gobierno de soslayar la opinión de los grupos organizados históricamente como Fedecámaras y la CTV”. Neste sentido, a confrontação entre governo e Fedecámaras

correspondia à busca por parte do governo em se desprender das relações corporativistas que existiram nos governos anteriores, o que confluía para a criação de um novo corporativismo, cuja distinção do primeiro encontrava-se no caráter estatal deste último. Para Arenas (2005), o regime “chavista” “se ha dispuesto a construir organizaciones empresariales desde arriba”, incitando a formação de novas organizações sindicais e patronais, nas quais se apontava a existência de forte ingerência do Estado. O surgimento de organizações ligadas ao governo aguçava ainda mais o conflito com as tradicionais entidades representativas.

Na medida em que a Fedecámaras aumentava o tom das críticas ao governo e iniciava uma campanha pela inviabilização do mesmo, os quadros em torno do presidente respondiam desqualificando a entidade. O governo buscava colar a imagem da mesma à crise do Pacto de

Punto Fijo do sistema político do final dos anos 1980.

No cerne da questão encontrava-se a luta do poder econômico e das elites corporativas tradicionais para fazer valer sua influência dentro do poder público. Nem o empresariado, nem a estrutura tecno-política da Fedecámaras aceitavam a autonomia do governo na tomada de decisões que lhes afetassem diretamente.