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Federalismo fiscal no regime autoritário: coordenação centralizada e transferências

4. FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL REPUBLICANO 1889-1988

4.4 Federalismo fiscal no regime autoritário: coordenação centralizada e transferências

A dinâmica da economia brasileira no período 1964-1988 pode ser dividida em quatro momentos, segundo a dinâmica produtiva de economia mensurada pelo PIB. O primeiro, refere-se a 1963-1965, marcado por taxas de crescimento médio em torno de 2% a.a., inflação, desequilíbrio externo, fracasso do Plano Trienal (1962- 1964) e crise política, que culminou com a chegada dos militares ao governo em março de 1964.

O segundo foi caracterizado pela retomada do desenvolvimento e pela contenção das taxas de inflação, uma combinação de objetivos articulada em torno do Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG (1964-1966), que resultaram em crescimento médio da ordem de 4% entre 1965-1967. O governo militar adotou medidas orientadas a modernização da economia e a expansão da abrangência do papel do Estado, em especial, por meio de gastos em infra-estrutura elétrica e rodoviária, fortalecimento das autarquias federais, criação de empresas estatais e obras urbanas financiadas pelo Sistema Financeiro de Habitação – SFH, com recursos obtidos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.

O terceiro momento representou o auge do desenvolvimento industrial brasileiro do pós-guerra, o chamado “milagre econômico” com crescimento médio anual de 11% entre 1968-1974 e 6% a.a. no período 1975-1980. Esse momento de auge foi pautado por sucessivos planos de desenvolvimento: (i) Plano Estratégico de Desenvolvimento (1967-1970), (ii) Metas e Bases para a Ação do Governo (1970- 1972), (iii) Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND (1972-1974), e (iv) Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND (1974-1976).

Segundo Tavares (1985:43), o objetivo central da ação econômica do governo era concluir o ciclo de instalação da indústria brasileira (pesada, de bens de capital, de insumos básicos e de bens intermediários) e ampliar os serviços de infra- estrutura.

Por fim, tivemos a década de 80, marcada por taxas reduzidas de crescimento econômico, desequilíbrio externo, escassez de financiamento, alta dos juros, inflação, crise fiscal do setor público e esgotamento do modelo de desenvolvimento industrializante apoiado no investimento direto do Estado em infra- estrutura e na produção de bens e serviços. Em 1981 foi registrada a primeira taxa negativa do PIB desde o pós-guerra, nos anos seguintes a cena foi dominada por tentativas de superação da inflação por meio de pacotes de medidas econômicas sem êxitos relevantes.

O Estado também modernizou e expandiu o sistema de proteção social. Em 1966 unificou os institutos de aposentadorias e pensões em torno do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS e em 1974 criou a Empresa de Processamento

de Dados da Previdência – DATAPREV. No período 1964-1988: estendeu a previdência social ao trabalhador rural (1969), expandiu os serviços de seguridade para empregados domésticos (1972), e instituiu a renda mensal vitalícia para os maiores de 70 anos (1974).

O financiamento das despesas públicas vinculadas a um Estado interventor, que atuava na produção industrial, na edificação da infra-estrutura produtiva e fornecimento de serviços sociais básicos, demandava uma acentuada e diversificada carga tributária sobre o sistema produtivo, ainda que parte do gasto tenha sido financiada por expansão monetária, endividamento e venda de bens e serviços.

O período 1965-1967 foi caracterizado por uma profunda transformação do quadro tributário nacional, estruturado em torno de três documentos de referência: (i) a Emenda Constitucional nº 18/1965, (ii) o Código Tributário Nacional – CTN (1966), e a (iii) Constituição Federal de 1967. Não por acaso estas transformações foram concebidas e executadas num quadro de crise fiscal do Estado e baixo índice de atividade produtiva, que antecederam o período do “milagre econômico”.

As alterações introduzidas pelos três documentos supramencionados estavam orientadas a quatro grandes objetivos: (i) melhorar dos resultados financeiros do setor público, (ii) dotar o governo federal de instrumentos tributários capazes de permitir melhor formulação e execução da política econômica orientada ao crescimento, (iii) reduzir as disparidades regionais e (iv) melhorar a competitividade externa (Oliveira, 1991:49).

O quadro resultante da Constituição Federal de 1967 apresentou cinco grandes mudanças:

- Criação do imposto sobre a transmissão de bens imóveis – ITBI (estadual), resultante da fusão dos impostos sobre transmissões “causa mortis” – ITBI/CM (estadual) e “intervivos” – ITBI/IV (municipal).

- Criação do imposto de renda pessoa jurídica – IRPJ (União), por meio do qual tributaram-se os rendimentos de capital, antes taxados pelo imposto sobe negócios e economia – INE (União).

- Substituição do imposto sobre consumo – IC (União) e do imposto sobre vendas e consignações – IVC (estados), respectivamente pelos impostos sobre produtos industrializados – IPI (União) e sobre circulação de mercadorias – ICM (estados). O fato novo foi a substituição da cobrança cumulativa pela incidência sobre valor agregado e a existência de alíquota uniforme para todos os estados. - Criação do imposto sobre serviços – ISS (municipal) em substituição

aos impostos sobre: indústrias e profissões – IIP, licenças – IL, e diversões públicas – IDS.

- Transferência do imposto sobre exportação – IE, antes estadual, para a esfera federal.

Ainda nesse período foram instituídas regras que permitiram a União fixar as alíquotas máximas dos principais impostos das esferas subnacionais (ITBI, ICM e ISS) e conceder isenções fiscais sobre as mesmas bases, o que restringiu a autonomia dos estados e municípios sobre a gestão tributária.

Outro instituto adotado como mecanismo de aperfeiçoamento da coordenação fiscal vinculada ao ICM, principal tributo da federação, foi a criação do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, composto por representantes dos estados e da União, que possui dentre suas competências a possibilidade de aprovação, quando da existência de unanimidade, de mudanças na legislação do imposto sobre circulação de mercadorias de um estado.

Por fim, foi instituído um sistema de transferências de recursos tributários entre esferas de governo, onde se destacavam os fundos constitucionais de participação estadual e municipal em bases federais e a participação municipal na arrecadação do ICM estadual. As transferências possuíam motivações compensatórias e distributivas. Pela primeira vez o sistema tributário adotava critérios diretamente orientados a superação das desigualdades na distribuição regional da renda.

Porém, novamente se fez presente o poder da esfera federal, isto porque, a efetivação dos repasses estava submetida à prévia aprovação da programação de despesa das esferas recebedoras, que deveriam atender as exigências de aplicação em saúde (10%), educação (10%), extensão rural (10%), fundos de desenvolvimento (10%) e despesas de capital (50%). Estas condições só foram revogadas pela Emenda Constitucional nº 17 de 1980.

O período correspondente aos 20 anos que separaram as constituições de 1967 e 1988 foi marcado por cinco grandes movimentos (Tabela 4.5): o primeiro deles refere-se a estabilidade da carga tributária mensurada em relação ao PIB, com

registro de pequeno movimento declinante entre 1984 e 1988, explicado pelas políticas de incentivos e pelo processo inflacionário.

Tabela 4.5

Carga tributária por nível de governo 1970-1984

Ano União Estados Municípios Total

Impostos Contribuições Sociais Total

1970 11,65 5,68 17,33 7,95 0,55 25,80 1971 11,47 5,88 17,35 7,19 0,52 25,09 1972 11,71 6,42 18,13 7,17 0,55 25,84 1973 10,97 6,97 17,94 6,76 0,54 25,23 1974 11,32 6,96 18,28 6,42 0,53 25,30 1975 11,06 7,83 18,89 5,57 0,60 25,06 1976 11,03 7,88 18,91 5,45 0,60 24,97 1977 10,66 8,19 18,85 5,41 0,61 24,89 1978 10,21 8,45 18,66 5,67 0,63 24,95 1979 9,58 8,23 17,81 5,34 0,62 23,72 1980 10,53 7,70 18,23 5,20 0,57 24,01 1981 10,04 7,83 17,87 5,30 0,58 23,72 1982 9,58 9,21 18,79 5,36 0,55 24,70 1983 10,37 8,34 18,71 5,17 0,55 24,40 1984 8,75 7,56 16,31 5,18 0,52 22,02 1985 9,29 7,00 16,29 5,48 0,53 22,33 1986 9,36 8,03 17,39 6,73 0,56 24,66 1987 9,38 7,19 16,57 5,90 0,54 23,03 1988 9,20 6,44 15,64 5,60 0,56 21,24

Fonte: Afonso e Vilela (1994) apud Cossío (1998).

A expansão dos incentivos fiscais orientados aos programas setoriais e regionais de desenvolvimento também marcou o período, em especial a década de 70, quando esta “conta” chegou a representar 50% do volume efetivamente pago como imposto de renda (Oliveira, 1991:137).

O crescimento da receita associada ao financiamento da seguridade social, que passou de 5% no início dos 70 para 7% no final dos anos 80, foi decorrente

da expansão da base de arrecadação e constituiu-se num aspecto relevante do período analisado. Foi criado o PIS-Pasep em 1972, houve a efetivação da arrecadação do Salário-educação em 1975 e a instituição do Finsocial em 1982, houve aumento de alíquotas das contribuições existentes e aumento do número de contribuintes.

Outro movimento merecedor de referência foi à afirmação de um desenho federativo fiscal onde a participação relativa da União cresceu em detrimento das demais esferas. Contribuíram para essa tendência o movimento ascendente da conta “seguridade social” do governo federal e, conforme demonstrado por Oliveira (1991:134), os resultados obtidos com impostos especiais, com destaque para o imposto único sobre combustíveis e lubrificantes que alcançou participação de 16% na receita federal.

Por fim, cabe mencionar o aumento da importância relativa das transferências vinculadas aos fundos de participação de estados e municipais. Esse fenômeno foi resultante do crescimento do percentual do IR e do IPI, destinados a essa finalidade, de 12% para 31% entre 1975 e 1987, após sucessivas mudanças legislativas nos exercícios de 1975, 1980, 1983 e 1985, que permitiram a melhora das disponibilidades dos governos subnacionais.

O crescimento da dimensão fiscal dos fundos de participação dos estados e municípios, associado à revogação da obrigatoriedade da aprovação pelo governo federal da programação das despesas a serem realizadas com tais recursos, são sinalizações de uma nova tendência da ordem federativa fiscal em direção ao

fortalecimento relativo das esferas subnacionais, ainda dentro do quadro político dos governos militares.

As mudanças no desenho do sistema tributário não foram capazes de alterar de maneira significativa às desigualdades inter-regionais na capacidade de financiamento do setor público, derivado da concentração da atividade econômica, em especial da produção industrial, da renda per-capita, e da massa de salários, faturamento e lucros que financiavam a seguridade social.

Enfim, o Estado aumentou a carga tributária e o esforço de arrecadação entre 1967 e 1979 para melhorar as condições de financiamento da política de desenvolvimento pautada na industrialização e no estado de bem-estar à moda brasileira. Em um segundo período, a década de 80, os esforços de arrecadação ganharam um novo e relevante objetivo: a redução do déficit do setor público.

Tudo isso num contexto de redemocratização e expansão da participação popular nos debates públicos, nos processos eleitorais e nos debates constituintes que precederam a promulgação da Constituição de 1988, um momento onde havia forte associação entre ordem democrática e descentralização da política fiscal, compreendida como condição necessária para o fortalecimento da organização federativa.