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Feira Agroecológica na praça da Gentilândia

No documento O Benfica dos grafites nos anos 2000 (páginas 42-45)

Fonte: http://consumidoresresponsaveis.blogspot.com/2010_05_01_archive.html. Acesso em: 15 dez.2011.

A sistematização desses encontros forma grupos que se identificam por afinidades e em que as pessoas compartilham as mesmas posturas e ideais. Para Vasconcelos Jr. (1999, p.57) “a formação dos pequenos grupos constituem uma rede de sociabilidade, onde a dimensão lúdica, o gratuito, a criatividade e o imprevisto vão dando forma às regras de convivência características dos diversos bairros da cidade.” Dessa forma, os encontros nas praças podem configurar um exemplo típico das possibilidades de sociabilidade que existem neste lugar.

Ao caminharmos pelas ruas desse bairro, encontramos pessoas de todos os tipos e calibres. Muitas delas são atraídas por poderem expressar suas posturas e escolhas de vida. Tempos atrás muitos jovens homossexuais se encontravam na praça da Gentilândia e a notícia dessa frequência rapidamente se espalhou por toda a cidade. Sobre isso, um jornal já apontava que “a Gentilândia passou, de boca em boca, a ser o local do permitido. Os jovens, antes, engaiolados nos shoppings, foram para a praça: “estamos ficando lá na Gentilândia”, divulgam os adolescentes, barrados nas boates gays da cidade.” (O POVO, 13 abril 2011).

Na tentativa de preservar antigos costumes era comum, nesse período, o morador acionar a polícia por se sentir ofendido ou incomodado com aquele público. Ver dois meninos ou duas meninas se beijando soava como uma afronta para alguns moradores mais conservadores. Alguns diziam que não colocavam mais suas cadeiras nas calçadas porque não queriam que seus netos e filhos vissem aquela cena. O acontecimento provocou um breve esvaziamento da praça, levando a prefeitura de Fortaleza a sediar, no mesmo local, a I

Conferência GLBTTT27, na tentativa de revitalizar esse espaço, transformando em ponto de referência para jovens militantes que lutam pelo reconhecimento de seus direitos.

Sob os olhos vigilantes dos moradores desse bairro, a vida social não deixa de existir e diversas redes de sociabilidade se interligam a partir do encontro e do lazer. Ainda nessa perspectiva, Vasconcelos Jr. (1999) afirma que constitui o caminho das redes de sociabilidade a partir do mundo dos atores sociais e das microrelações que significam um lugar. Para Maffesoli (1985, p.37) “o ambiente tem uma função: a de criar um corpo coletivo, de modelar um ethos.” Sobre isso, é curioso observar que as pessoas desse bairro vivem em mundos antagônicos, fortalecidos pelas diferenças.

De um lado, o sagrado, representado pelas festas populares de São João e de eventos natalinos do calendário das instituições religiosas da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios inaugurada em 1910. A alguns metros dessa Igreja situam-se instituições ligadas à Igreja Católica: a casa de repouso psiquiátrico Myra y Lopez faz parte da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo e o Instituto das Filhas de São José e o Dispensário dos Pobres do Sagrado Coração, que, por obra do acaso, são vizinhas do Motel Le Chalet. É o encontro entre o sagrado e o profano onde também encontramos o Centro Espírita São Francisco de Assis e a presença de um prédio da instituição Seicho No Ie, que se identifica como uma filosofia que transcende o sectarismo religioso acreditando que todas as religiões são luzes da salvação que emanam de um único Deus.

Por outro lado, o profano, representado na celebração da vida, nos jogos, nas festas de rua no período que acontece o pré-carnaval, nas bebedeiras, nos tradicionais e antigos botecos como é o caso do bar do Chaguinha, bar do Beto, bar do Assis e do Cantinho Acadêmico28 mais conhecido como o bar do Pereira onde muitos artistas, estudantes e intelectuais se acotovelam em seus balcões e mesas para rodadas de cerveja ao som de uma boa música com infinitas conversas. Sem contar os “cabarés”, disfarçados como residências familiares (conhecidos também como casa de tolerância) que encontramos camuflados nessa localidade.

Percebemos que o contraste entre o sagrado e o profano, estrutura e organiza a vida das pessoas no Benfica. Todavia, Maffesoli (1985) já anunciava que a estrutura fundamental das redes de sociabilidade pode ser entendida a partir de uma “sociologia da orgia”. Sobre isso o referido autor afirma que “o sentido da organicidade nasce dos estados

27 Sigla que identifica Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Transexuais. 28

O bar do Pereira, recentemente, em julho deste ano, foi palco para mais um trabalho do então artista plástico Clark, como assim gosta de ser chamado. Muito conhecido no bairro, o artista produz murais com o recurso da aerografia contribuindo com a propagação dos grafites nesse bairro.

orgíacos, das paixões que pulsa na vida das pessoas. De uma forma paroxítona, a orgia é uma condensação deste acordo simpático com o cosmos e com os outros [...] parece paradoxal ver- se no orgiasmo uma das estruturas de toda a socialidade.” (MAFFESOLI, 1985, p.19).

O diversificado público que estrutura as redes de sociabilidade no Benfica contribui para novas mentalidades e faz surgir novos eventos que, segundo Chaui (1989, p.121), “os artistas, poetas, humoristas, pensadores da rua e bares também são capazes de gerar novas práticas e novas ideias críticas acerca da sociedade que vivem.” Esses atores sociais constroem seus espaços por desejos e medos, ainda que seja secreto e que suas regras sejam absurdas, mas possibilitam construções de mundos mais participativos e democráticos de forma que estar no Benfica é diferente.

A transformação dos centros de vivência em zonas de passagem representou um novo modelo no que diz respeito à ocupação das cidades. É certamente um acontecimento urbano que altera, paulatinamente, o tipo de ocupação espacial de grupos e pessoas de um determinado lugar. De um lado, ainda encontramos no Benfica prédios históricos, ícones de um tempo em que a elite ostentava riqueza e poder, assim como famílias e casas remanescentes de vila, onde ainda desfrutam de encontros e conversas nas calçadas, por outro lado, encontramos traços da modernidade e pessoas que vivem de passagem nesse bairro como artistas, intelectuais, estudantes, poetas e bêbados. Contradição ou não, o que destacamos é que o bairro atravessou o tempo sem perder o ar sedutor do seu passado graças as contribuições ligadas à produção cultural e humanística, favorecida por todos os institutos de educação e das pessoas que vivem nessa localidade.

2.2 “Tudo junto e misturado”: histórico do grafite

O tópico intitulado “tudo junto e misturado” é uma expressão que ouvimos repetidas vezes nas falas dos grafiteiros que indica um reconhecimento, por parte desses sujeitos, da multiplicidade que configura a cena do grafite cearense. Para penetrar nesse complexo universo, e ao mesmo tempo fascinante, achamos oportuno fazer, ainda que rapidamente, um roteiro cronológico dos grafites, revelando suas origens, sua trajetória histórica, sua chegada e repercussões na cidade de Fortaleza, contextualizando, assim, o campo específico deste trabalho.

Para compreendermos o que levou pessoas a prática do grafite é de imediato percebido o discurso mais comum que se assemelha ao de Gitahy (1999). Em seus escritos o autor afirma que “a manifestação mais antiga, com certeza, foram os desenhos feitos nas

paredes das cavernas. Aquelas pinturas rupestres são os primeiros exemplos de graffiti que encontramos na história.” (GITAHY, 1999, p.11). Segundo a visão de Wenders (1992), as pinturas podem ser entendidas como uma necessidade humana que anos depois foram vinculadas aos afazeres do artista. Sobre isso, o referido autor declara que:

Muito tempo atrás, os homens rabiscavam desenhos nas paredes de suas cavernas. Eles gravavam em pedra ou escreviam na areia. Mas tarde eles aprenderam a pintar sobre outras superfícies, sobre as cúpulas das igrejas ou sobre telas. Durante muito tempo a realidade só pode ser representada pela pintura. (WENDERS, 1992, p.82).

Essas são algumas hipóteses que explicam o surgimento dos grafites, que para Gitahy (1999), começou na antiguidade com as pinturas rupestres. Nesse tempo, o homem pintava paredes provavelmente com um sentido mítico. Acreditava que dominando aquela imagem ele também dominaria o mundo. Outro sentido era de registrar e relatar o cotidiano como ilustra a figura abaixo que retrata um suposto ritual entre os homens no Período Paleolítico que se estendeu por quatro milhões de anos.

No documento O Benfica dos grafites nos anos 2000 (páginas 42-45)