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Felicidade e Absurdo sob o olhar da consciência

2. Felicidade e Absurdo: filhos da mesma terra

2.1. Felicidade e Absurdo sob o olhar da consciência

Poderíamos dizer que o que dá sentido ao homem e à existência, às relações e

à unidade, aos valores e ao labor é o seu estado de inserção no mundo. Mas isso não é verdade,

pois se podemos falar de sentido é porque já interpretamos a phy,sis. Por isso, o pensamento

camusiano pontua a importância da consciência. É ela quem oferece o sentido, e como tal pode

ser interpretada enquanto anterioridade à noção de Felicidade e de Absurdo. Em um de seus

primeiros escritos nos Carnets, Camus diz: “Ce n’est pas d’être heureux que je souhaite, mais

seulement d’être conscient.” (C I, p.23), isso porque ambos, felicidade e absurdo, não

encerram em si a solução das problemáticas da existência humana.

Em Epicuro, como vimos, a felicidade não se reduz a um estado, mas é o

pode dizer ser jovem ou velho demais para filosofar, o que seria como dizer que se é jovem ou

velho demais para ser feliz (cf. C.M. 122). Camus, de certo modo, dialoga com Epicuro ao

dizer que a felicidade depende da consciência, e nesse sentido o absurdo também, por

pertencer ao mesmo caráter relacional. Possui um relevo específico a afirmação de Camus: “il

n’y a point de bonheur si je ne puis savoir. (...) Dans cet univers indéchiffrable et limité, le

destin de l’homme prend désormais sons sens.” (MS, PII, p113), porque encontramos aqui

uma dupla significação: sentido e ação. Podemos distinguir dois momentos do que ele designa

“consciência”, que tornam-se claras somente a partir da percepção do absurdo. Um primeiro

que é o momento da passagem da experiência ao sentido e um segundo que é a passagem do

sentido à ação. Esses dois momentos apresentam a figura da própria filosofia, que para Camus

possui um sentido prático, e preservadas as proporções, é semelhante ao pensamento de

Epicuro no que tange ao seu cerne: conduzir o homem à sua realização. Isso significa que

Camus vê a consciência como o exercício filosófico mais nobre pois requer a recusa da

esperança resignadora ou a passividade da estagnação da confiança histórica, como já dissemos

anteriormente. Diante disso nos perguntamos sobre como podemos dizer que é só a partir do

absurdo que a consciência adquire sentido?

Na fase lírica de Noces encontramos uma evocação de descoberta e do

sentido da felicidade do homem que se une à terrra e às coisas sensíveis. É a fase de perceber

que o homem está unido ao seu mundo, ao seu tempo, à sua natureza. Esse estado de união é

uma aproximação à noção de Felicidade, mais ainda que apenas à percepção de sua presença.

No entanto o que motiva Noces é o êxtase, o encontro, a possibilidade, a realização (ainda que

imperfeita). Com o retorno de Tipasa e o seqüente confronto com o mundo, a phy,sis antes

vista sob um olhar lírico, deve ter seu sentido descoberto de maneira mais plena, caso contrário

harmonia mantidas entre o homem e a phy,sis. A busca incessante de Camus é por essa

harmonia, como lemos em um de seus Carnets ao escrever sobre a filosofia que permeia o

absurdo: “Mais cela ne m’empêche pas d’avoir (ou plus exactement de connaître) une

philosophie de préférence: Ex: un juste équilibre entre l’esprit et le monde, harmonie,

plénitude.” (C II, p.83). Isso não quer dizer que não haja consciência na fase lírica, no entanto

é uma consciência latente que apenas “conheceu” a experiência da unidade sensível.

Quando falamos de consciência enquanto sentido significa o momento

imediatamente posterior à experiência sensível que é a experiência traduzida em sentido. Há

uma diferença, para Camus, entre “sentir” o divórcio do homem com seu mundo e de ter a

consciência desse divórcio. Por isso, torna-se evidente afirmar que para o homem que tomou

consciência do absurdo está atado a ele para sempre (cf. MS, PII, p.121). A consciência aqui é

como uma chamada da razão sobre a experiência, que uma vez conhecida não pode ser

desprezada. Posto isso, não podemos ignorar que a existência do absurdo ou da felicidade se

dá sobre a noção de relação entre o homem e a phy,sis, e é por isso que o sentido do absurdo,

pautado nessa relação, só aparecerá se não se consentir nele (cf. MS, PII, p.121), o que

necessariamente seria suprimir uma das partes envolvidas na relação. É neste nível dos

sentidos que podemos perceber a necessidade do envolvimento das partes, como diz nosso

autor: “Sur le plan de l’intelligence, je puis donc dire que l’absurde n’est pas dans l’homme ...

ni dans le monde, mais dans leur présence commune. Il est pour le moment le seul lien qui les

unisse.” (MS, PII, p.120).

O segundo momento da consciência é o da ação. Isso quer dizer que uma vez

apresentado à razão, o sentido que as coisas tomam requerem um posicionamento. Não basta

saber o que é a felicidade se ela não suscita em mim uma descoberta ou uma busca, nem saber o

termos: “Vivre sous ce ciel étouffant commande qu’on en sorte ou qu’on y reste. (...) On peut

se demander cependant ce que cette notion contient de clair et tenter de retrouver par l’analyse

directe sa signification d’une part et, de l’autre, les conséquences qu’elle entraîne.” (MS, PII,

p.119). Como já analisamos atrás, quanto à noção de Felicidade que é explicitada pelo labor

(identificada com a tomada de consciência), também aqui podemos perceber que a consciência

se preenche de sentido no momento próprio de seu exercício. A experiência sensível se une

aqui à experiência da consciência, e, nesse sentido, preenche sua vida prática ao tomar um

caráter qualitativo. Diz Camus quanto a isso: “Un surnuméraire aux Postes est l’égal d’un

conquérant si la conscience leur est commune. Toutes les expériences sont à cet égard

indifférentes. Il en est qui servent ou desservent l’homme. Elles le servent s’il est conscient.”

(MS, PII, p.150).

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