ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES SURDOS SOBRE A SEXUALIDADE:
UM ESTUDO A PARTIR DAS RELAÇÕES AFETIVAS
Valéria Maria Azevedo Guimarães
Fábio Santos
Emanuelle Costa Dantas
Joilson Pereira da Silva
Raquel Ferreira da Silveira
Jorge Fortes dos Santos
6&
Bruno Felipe de Santana Santos
7Resumo
O objetivo deste estudo foi identificar e analisar as percepções e os comportamentos dos estudantes surdos sobre a sexualidade com o foco nas relações afetivas. Foram entrevistados 6 estudantes surdos de forma individual, em Língua Brasileira de Sinais, por meio de um roteiro semiestruturado. Utilizou- se o Software IRAMUTEQ para a análise dos dados mediante a Classificação Hierárquica Descendente. Percebeu-se que as os participantes tiveram suas percepções ancoradas na comunicação a partir das relações com os familiares, com a comunidade surda e das relações amorosas. Além disso, observou- se que a barreira na comunicação pode ocasionar omissão e/ou falha no repasse das informações referente a sexualidade. Desta forma, sugere-se novas pesquisas científicas para ampliar esta temática com a comunidade surda.
Palavras-chave: sexualidade, relações afetivas, surdos.
6 Universidade Federal de Sergipe. 7Universidade Tiradentes.
Endereço para correspondência: Avenida Marechal Rondon, S/N, Bairro Jardim Rosa Elze, São Cristóvão/SE, CEP: 49.100-000. Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) -Didática II - 1º andar.
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Dezembro de 2018 39 IntroduçãoA barreira na comunicação é uma realidade vivenciada pelos surdos, pois estes estão inseridos em uma sociedade predominantemente ouvinte. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a língua oficial dos surdos, caracterizada como espaço-visual que possibilita a comunicação e contribui para a organização do pensamento das pessoas surdas (Fernandes, 1998). Além da falha na comunicação com a sociedade, o surdo também a percebe na própria família, que é considerada a agente primária da socialização cujo convívio com seus membros possibilitam a aprendizagem de valores, comportamentos sociais, desenvolvimento linguístico e da autoimagem (Gomes, 1994). Isso é apontado por Negrelli e Marcon (2006) ao afirmarem que a qualidade nas relações entre pais e filhos contribui para o desenvolvimento do relacionamento consigo e no convívio social.
O desconhecimento sobre a língua de sinais pode ocasionar falhas na comunicação entre os surdos e os ouvintes, o que gera uma comunicação restrita e fragmentada entre os familiares e a sociedade como um todo (Batista & Reis, 2011; Laboritt, 1994). Isto pode ser evidenciado com a sexualidade pelo fato de os próprios familiares possuírem dúvidas sobre os aspectos que envolvem o relacionamento afetivo e a relação sexual (Cursino, Rodrigues, Maia, & Palamin, 2006). Job (2004) salienta a resistência dos familiares em promover a educação sexual e isto pode causar a falta de conhecimento dos surdos sobre a temática em questão.
Além da importância dos familiares, pesquisas (Flinn, 1982; Getch, Branca, Fitz-Gerald, & Fitz- Gerald, 2001; Trejo, 2005) apontam a instituição de ensino como um ambiente que contribui para a diminuição de mitos e estereótipos acerca da sexualidade e evidenciam a necessidade da educação sexual nas escolas para promover o comportamento crítico e reflexivo entre as pessoas surdas. A sexualidade, além de fazer parte do desenvolvimento humano, envolve as sensações físicas, subjetivas e emocionais, o que a torna uma definição ampla e referente a várias manifestações do ser humano que não somente o sexo (Maia, 2006). Ademais, Parker (2003) afirma que a sexualidade é passiva de transformação por fazer parte da dimensão social, histórica e cultural do ser humano.
Jhai (2017) abordou a sexualidade na escola por meio de grupos sobre os “relacionamentos românticos” e aprimorou a autonomia dos alunos surdos para que fossem capazes de expressar suas próprias necessidades, o que contribuiu para a melhoria dos relacionamentos. Com isso, foi possível perceber que este tipo de grupo possibilitou mudanças positivas nas amizades, relacionamentos românticos e na relação professor-aluno. Para o relacionamento ser considerado satisfatório, segundo Shulman, Davila e Shachar-Shapira, (2011) é preciso que a pessoa saiba iniciar um relacionamento, equilibrar as necessidades do eu, da outra pessoa envolvida e ser resiliente. Smeha e Oliveira (2013)
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Dezembro de 2018 40analisaram a percepção dos jovens adultos sobre os relacionamentos amorosos na contemporaneidade e perceberam que eles buscavam confiança, respeito, alguém que tenha beleza e um futuro profissional estável.
Estudos apontam a escassez de pesquisas voltadas para a sexualidade e com foco na afetividade das pessoas surdas, o que pode prejudicar as interações pessoais e sociais do surdo (Bisol, 2008; Joharchi, & Clark, 2014; Ribeiro, 2011). Neste sentido, a presente pesquisa objetivou identificar e analisar as percepções e os comportamentos dos estudantes surdos sobre a sexualidade com o foco nas relações afetivas.
Método Amostra
Participaram do estudo 6 estudantes surdos, dos quais 3 eram alunos de uma escola bilíngue e os demais de uma Instituição de Ensino Superior (IES). As idades variaram de 17 a 45 anos, tendo como idade média 27,5 anos. Os estudantes do gênero masculino compuseram a maior parte da amostra (n=4), que era majoritariamente solteira. Todos os participantes foram selecionados através de amostragem por conveniência, considerando, ainda, os seguintes critérios de inclusão: a) serem sinalizadores fluentes em Língua Brasileira de Sinais e b) estudantes do ensino médio ou ensino superior. Os estudantes que, porventura, fossem usuários de implante coclear (IC) não foram incluídos no processo de amostragem.
Instrumentos
Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista individual semiestruturado que versava a respeito dos dados pessoais (género, idade, religião, estado civil, naturalidade, escolaridade, município onde residia, com quem residia e referentes à surdez e comunicação) e relativos à sexualidade, tendo como foco a relação afetiva.
Procedimentos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CEP) através do Número do Parecer: 2.659.827. Após a aprovação, os pesquisadores foram às instituições, apresentaram a pesquisa ao setor responsável e agendaram o dia para a realização da
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Dezembro de 2018 41coleta dos dados. Tanto na escola bilíngue como na IES, realizou-se o recrutamento dos estudantes e em caso de interesse, foram explicados de maneira pormenorizada, a partir da exposição, em vídeo, para os alunos com idade superior a 18 anos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento (TA) para o participante com idade igual ou inferior a 17 anos, em Língua Brasileira de Sinais (Libras). Esse vídeo expunha todas as informações pertinentes à pesquisa em seu aspecto científico e ético de modo semelhante ao documento original. Com o auxílio de intérprete de Libras, decidiu-se desenvolver e apresentar o TCLE e o TA dessa maneira em consideração e respeito à cultura e à comunidade surda. As entrevistas individuais foram conduzidas em Libras por uma das pesquisadoras, tendo duração de aproximadamente uma hora, capturadas em imagem por câmera de vídeo. Para a tradução das entrevistas da Libras para a Língua Portuguesa houve a participação de dois intérpretes.
Análise de dados
Para a compreensão dos dados obtidos nas entrevistas foi utilizado o Software Interface de R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Textes et de questionnaires (IRAMUTEQ) para auxiliar na análise dos dados mediante a Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Esta análise é considerada uma técnica lexográfica cuja função é classificar os segmentos do texto submetidos à análise e produzir classes de Unidades de Contexto Elementares (UCE) cujo vocabulário é semelhante dentro das classes, mas que diferem em cada outra classe (Camargo & Justo, 2013).
Resultados e Discussão
O corpus investigado foi constituído por seis textos, divididos em 265 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 218 STs (82,26%). Emergiram 9.244 ocorrências, sendo 1.352 de formas distintas e 316 com uma ocorrência. O conteúdo obtido nesse estudo foi categorizado em 6 classes e as 10 primeiras palavras de cada classe foram selecionadas e estão expostas na Figura I. O dendograma contém as palavras expressas com sua frequência e seu qui-quadrado e seguirá a mesma ordem disponibilizada pelo IRAMUTEQ. A classe 6 é a geradora das demais classes e se encontra no primeiro subgrupo, seguida das classes 3 e 5. Adicionalmente, as demais classes (1, 4 e 2) pertencem ao segundo subgrupo.
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