• Nenhum resultado encontrado

O fenômeno do “mal-estar docente”

2. Aspectos grandiosos e dramáticos de ser professor: o fenômeno

2.1. O fenômeno do “mal-estar docente”

O “mal-estar docente” é uma “doença contemporânea e internacional”. Do descompasso entre as novas exigências e demandas colocadas pela sociedade à escola e consequentemente ao professor derivam características do “mal-estar”, conforme afirma Esteve (1999, p.13):

A acelerada mudança no contexto social, em que exercemos o ensino, apresenta, a cada dia, novas exigências. Nosso sistema educacional, rapidamente massificado nas últimas décadas não dispõe de uma capacidade de reação para tender às novas demandas sociais. Quando consegue atender a uma exigência reivindicada imperativamente pela sociedade, o faz com tanta lentidão que, então, as demandas sociais já são outras. Portanto, os professores se encontram ante o desconcerto e as dificuldades de demandas mutantes e a contínua crítica social por não chegar a atender essas novas exigências. Às vezes o desconcerto surge do paradoxo de que essa mesma sociedade, que exige novas responsabilidades dos professores, não lhes fornece os meios que eles reivindicam para cumpri-las. Outras vezes, da demanda de exigências opostas e contraditórias.

O autor (1999, p. 25) nos coloca que a expressão “mal-estar docente” tem sido utilizada desde 1957 e a considera a mais “inclusiva existente na bibliografia atual” sobre o tema, conceitualmente usada para:

[...] descrever os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência.

Outra definição, agora proposta por Lopes (2001) expressa:

Mal-estar docente, malestar docente, malaise enseignante, teacher’s burnout ou stress in teaching são os termos que a comunidade científica tem usado para dar conta da existência de uma crise na docência com origem em mudanças nos parâmetros do exercício profissional e com impacto nefasto no equilíbrio pessoal dos professores e na qualidade da educação.

No Canadá, por exemplo, segundo Hargreaves (2004), uma pesquisa realizada confirmou outras já feitas em outros países como a Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia e verificou que embora os professores em 480 escolas de ensino secundário tivessem menos de 50 anos, 73% do total de professores entrevistados afirmaram que pediram a antecipação de sua aposentadoria, pois as reformas do ensino, afirma o autor (2004) afetaram diretamente o trabalho docente aumentando o controle externo às suas atribuições sem a devida contrapartida intra-muros escolares para que o ato educativo fosse realmente efetivado.

No Brasil, ainda são poucos trabalhos cujo objeto de estudo é o “mal - estar docente”.

Pesquisa importante relacionada ao tema foi a realizada por Codo e outros pesquisadores em parceria com a CNTE21 e divulgada em forma de livro em 1999. Nele, Codo (1999) apresenta a pesquisa realizada com uma

21

amostra nacional de 39.000 trabalhadores em educação (professores, diretores e outros gestores, pessoal de apoio administrativo e de manutenção, além de bibliotecários, estagiários, supervisores de ensino) dos quais 31,9% apresentavam baixo envolvimento emocional com a tarefa, 25,1% apresentavam exaustão emocional e 10,7% apresentavam despersonalização e portanto, estavam emburnout.

Essas três características registradas pelas respectivas porcentagens fazem parte da Síndrome de Burnout. Essa síndrome, sobre a qual debruça-se Codo et alli (1999, p. 237) pode ser representada pela

imagem do professor desanimado, queixoso até de detalhes insignificantes sobre o seu trabalho, sua clientela, tratando os alunos como se estivessem lidando com uma linha de montagem de salsichas [...] Será que este profissional não percebe a importância do seu trabalho para a formação dos nosso filhos? Não, muitas vezes não percebe mesmo. Será que não é capaz de envolver, de se emocionar pelo seu trabalho? Não, muitas vezes não é capaz mesmo.

Em sua definição, a síndrome é apresentada como “a síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece inútil” (CODO, 1999, p.238). Os três componentes principais do burnout são aqueles que se revelaram bastante presentes na amostra brasileira (CODO, 1999, p.238):

1- Exaustão emocional – situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si mesmos a nível afetivo. Percebem esgotada a energia e os recursos emocionais próprios, devido ao contato diário com os problemas.

2- Despersonalização – desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas e de cinismo às pessoas destinatárias do trabalho (usuários/clientes) – endurecimento afetivo, coisificação da relação.

a realização do trabalho e o atendimento, ou contato com as pessoas usuárias do trabalho, bem como com a organização.

A síndrome de Burnout, bem como o “mal-estar docente” é uma epidemia mundial. Nos Estados Unidos em uma pesquisa realizada entre professores, na qual foi perguntado se eles já haviam sentido alguma característica do burnout, entre 77% e 93% afirmaram já ter sentido alguma dessas características (CODO, 1999, p.249). A conseqüência mais comum e a mais preocupante da síndrome (que é bastante semelhante com as conseqüências do “mal-estar docente”) é a desistência do trabalho; e a desistência – contínua, aquela em que o professor retira, ou deixa de depositar, toda a sua energia no seu trabalho, mas continua lá. Completa Codo (1999, p.254) “o trabalhador arma, inconscientemente uma retirada psicológica, um modo de abandonar o trabalho, apesar de continuar no posto”22.

Outra pesquisa recente sobre os fatores de insatisfação dos professores na rede estadual de São Paulo e o abandono da profissão ou do magistério público foi a realizada por Lapo e Bueno (2003).

Essa investigação partiu de um dado alarmante: o aumento de 300% nos pedidos de exoneração do magistério na rede estadual de São Paulo entre os anos de 1990 e 1995 (LAPO e BUENO, 2003, p.68). Entre as razões colocadas pelos professores entrevistados sobre suas demissões aparecem: baixa remuneração e péssimas condições de trabalho, baixa remuneração e o

22

. Apesar de haver características comuns entre a Síndrome de Burnout e o “mal-estar docente” utilizaremos a segunda expressão por acreditarmos que ela pode ser mais bem entendida pelo professorado e por sua conceituação e formas de superação basearem-se nas ciências da educação e especialmente na formação de professor, enquanto o burnout apóia-se na psicologia social e do trabalho. O conceito dessa síndrome refere-se a outros profissionais do “cuidar” como enfermeiros, médicos, bombeiros, profissionais de creche enquanto que o conceito de “mal-estar” refere-se especificamente a situações vividas pelo professor.

surgimento de um emprego mais rentável, baixa remuneração e falta de perspectiva de crescimento profissional (LAPO e BUENO, 2003, p.72).

Mesmo as autoras não se detendo sobre as questões relativas ao “mal-estar” entre os professores entrevistados, puderam perceber que o abandono da profissão é um processo tecido ao longo dos anos. Custa ao professor, que escolheu a docência – pelo menos optou por ela um dia – abandoná-la, pois representa o fechamento de um ciclo de “insatisfações, fadigas, descuidos e desprezos com o objeto abandonado” (LAPO e BUENO, 2003, p.75). Esse abandono representa, contudo, a relação mais justa e sincera entre o professor “acometido” das características do “mal-estar docente” e os alunos e a escola que tem uma expectativa em relação ao seu trabalho.

Pesquisa realizada por Lima (2003) também apresenta características do “mal-estar docente” entre os professores viventes da nossa realidade e sobre eles afirma a pesquisadora: “tanto os fatores como as conseqüências do mal-estar docente apontados por Esteve entremearam a fala dos professores entrevistados” (LIMA, p. 2003, p. 75).

Mesmo tendo realizado uma pesquisa com um grupo restrito de docentes, Lima ao fazer uma análise psicanalítica do fenômeno do “mal-estar docente” traz uma importante contribuição para o seu entendimento:

A idéia de um superego cultural torna-se especialmente interessante quando se quer entender um mal-estar que se instala de forma parecida entre os professores, podendo mesmo ser categorizada como um mal-estar de uma classe profissional e exercendo sobre o sujeito pressões tão opressoras quanto o superego individual.

Essas investigações, ainda que pontuais, nos convidam a entendermos melhor as causas, as características, as conseqüências e a formas de superação do “mal-estar docente” e como se verifica entre as professoras observadas ao longo de nossa investigação, uma vez que as mudanças sociais são globais e afetam as escolas situadas nas mais longínquas paisagens.