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Do ponto de vista químico, o ferro fundido vermicular (FV) difere muito pouco do ferro fundido cinzento e do nodular. A principal diferença na composição química do ferro fundido vermicular em relação ao ferro fundido cinzento (FC) e ao nodular se observa na quantidade de enxofre (S), em relação ao cinzento; e de magnésio (Mg), em relação ao nodular.

Uma pequena variação na quantidade de Mg é de fundamental importância para a obtenção do ferro fundido vermicular (Figura 3-1). Em um dos processos de obtenção do FV, ele é produzido pela adição de magnésio ao banho para assegurar que a grafita não cresça na forma de lamelas, estrutura, essa, típica do ferro fundido cinzento; nem na forma esférica, característica do ferro fundido nodular; mas sim, em uma combinação destas duas formas, obtendo a grafita na forma vermicular. Essa forma de grafita é estável somente quando o nível de enxofre (S) é baixo. Quando ele é alto, obtêm-se grafitas na forma de lamelas, que são altamente indesejáveis devido à redução da resistência à tração do ferro fundido vermicular (SERGEANT; EVANS, 1978; SINTERCAST, GUESSER; SCHROEDER; DAWSON, 2001).

Essas pequenas variações químicas implicam significativamente na forma da grafita, como pode ser visto na Figura 3-2, em que os diferentes tipos de morfologias das grafitas, cinzento, vermicular e nodular, são apresentados por imagens obtidas através da microscopia eletrônica de varredura.

Figura 3-1: Curva “S” – Percentual de nodularidade (adaptado de SERGEANT; EVANS (1978) e SINTERCAST).

Figura 3-2: Morfologia da grafita dos diferentes tipos de ferros fundidos (SAHM; ABELE; SCHULZ, 2002): a) ferro fundido cinzento, b) ferro fundido vermicular e c) ferro fundido nodular.

A análise da morfologia da grafita dos diferentes tipos de ferros fundidos, neste caso, cinzento, vermicular e nodular, mostra que o ferro fundido cinzento apresenta grafitas na forma de lamelas com cantos agudos e superfícies lisas. Suas grafitas são interconectadas e sem orientação preferencial, formando uma rede quase contínua. A grafita, por possuir uma elevada condutividade térmica, da ordem de aproximadamente 3-5 vezes maior que a matriz de ferro, garante ao material uma boa condutividade térmica; e devido a sua orientação neste, proporciona uma excelente capacidade de amortecimento das vibrações (ZIEGLER; WALLACE, 1984; DAWSON, 1994). Em virtude das descontinuidades provocadas na matriz pelos cantos agudos das grafitas que agem como pontos de concentração de tensões e planos de propagação de trincas, essa morfologia tem como desvantagens a

redução da resistência mecânica, da ductilidade e da tenacidade do material (ZIEGLER; WALLACE, 1984; DAWSON, 1994; MARQUARD; HELFRIED; McDONALD, 1998).

A morfologia da grafita do ferro fundido nodular apresenta-se na forma de nódulos sem os cantos agudos verificados no ferro fundido cinzento, o que evita a criação de descontinuidades na matriz e ocasiona menor concentração de tensões no material. Esta disposição das grafitas confere ao material um aumento da sua resistência mecânica, ductilidade e tenacidade, quando comparado com o ferro cinzento. Como desvantagens, pode-se citar: menor condutividade térmica da liga, em virtude das grafitas não se mostrarem interconectadas; menor capacidade de amortecimento e pior usinabilidade quando comparado com o ferro fundido cinzento e o ferro fundido vermicular (ZIEGLER; WALLACE, 1984; GUESSER; SCHROEDER; DAWSON, 2001).

Quanto ao ferro fundido vermicular, a morfologia da sua grafita exibe lamelas espessas com extremidades arredondadas, interconectadas e com superfície áspera e irregular; aumentando, assim, a aderência da matriz de ferro (GUESSER, SCHROEDER; DAWSON, 2001).

As extremidades arredondadas não agem mais como pontos de concentração de tensões, aumentando, desta forma, a resistência mecânica do vermicular em relação ao cinzento. Como as grafitas estão interconectadas, elas propiciam uma maior taxa de transferência de calor e dissipação de vibrações do que as verificadas no ferro fundido nodular. A Tabela 3-1 destaca as propriedades mecânicas dos ferros fundidos cinzento, vermicular e nodular.

Tabela 3-1: Propriedades típicas dos ferros fundidos cinzento, vermicular e nodular (DAWSON; SCHROEDER, 2000).

Propriedade Cinzento Vermicular Nodular

Resistência à tração [MPa] 250 450 750

Módulo de elasticidade [GPa] 105 145 160

Resistência à fadiga [MPa] 110 200 250

Condutividade térmica [W/mK] 48 37 28

Essas propriedades mecânicas fazem com que o ferro fundido vermicular seja uma boa opção para inúmeras aplicações, como blocos de motores diesel, cabeçotes de blocos de motores, discos de freios, coletores, entre outras (SERGEANT; EVANS, 1978; COOPER; LOPPER Jr., 1978; GUESSER; GUEDES, 1997; MARQUARD; HELFRIED; McDONALD, 1998).

Na aplicação em blocos de motores é que se verifica a grande utilização do ferro fundido vermicular, justamente por suas características mecânicas. Mas essas mesmas características mecânicas que fazem dele a melhor solução atualmente para blocos de motores diesel o tornam, por outro lado, um material difícil de ser usinado, principalmente em processos de corte contínuo, como, por exemplo, o mandrilamento, processo este de fundamental importância na fabricação de blocos de motores.

Na fabricação de blocos de motores, o madrilamento é utilizado na usinagem de elementos de maior diâmetro, como cilindros, mancais, alojamento de bomba d’água e alojamentos de selos de vedação. Neste caso, a usinagem dos cilindros é a operação mais complexa, podendo, em função das tolerâncias exigidas como diâmetro, circularidade, cilindricidade, perpendicularidade, entre outros, ser realizada em até três operações, como desbaste, semi-acabamento e acabamento (GODINHO, 2007; MOCELLIN, 2007).

No caso do mandrilamento do ferro fundido vermicular, pelo menos nas empresas que o autor conhece1, este é feito em três etapas. Essas etapas foram adaptadas do processo de mandrilamento do ferro fundido cinzento para o vermicular; por isso, não apresentam a mesma produtividade obtida quando usinando o ferro fundido cinzento. Atualmente, os tempos verificados para a realização da operação de mandrilamento do vermicular são 3 vezes maiores que os obtidos quando mandrilando o cinzento, sendo tal operação um dos principais gargalos no processo de fabricação de blocos de motores em FV. Isso torna a busca do aumento da produtividade do processo de mandrilamento um dos motores do desenvolvimento das pesquisas referentes à usinagem do ferro fundido vermicular.

Os primeiros testes com vermicular em linhas dedicadas, conhecidas como “transfer”, foram efetuados pela Adam Opel em 1997 (REUTER et al., 2000). Nessa ocasião, os três principais processos de corte presentes na usinagem de um bloco

de motor: fresamento, furação e mandrilamento foram executados, valendo-se, para isso, de ferramentas comumente utilizadas na usinagem do ferro fundido cinzento, como o nitreto de boro cúbico policristalino (PCBN), cerâmica (nitreto de silício) e metal-duro.

A Figura 3-3 mostra a dificuldade em usinar o ferro fundido vermicular em comparação com o ferro fundido cinzento. Em todos os processos, é evidente que o vermicular é mais difícil de ser usinado que o ferro fundido cinzento. Em operações como fresamento e furação, a vida da ferramenta condiz com a diferença verificada na resistência mecânica das ligas (o vermicular tem aproximadamente o dobro da resistência mecânica do cinzento (ver Tabela 3-1)). O problema que ainda demanda por soluções é a grande diferença observada no processo de mandrilamento, no qual a vida da ferramenta, quando usinando o vermicular, é em torno de 5% do valor obtido quando usinando o cinzento com altas velocidades de corte e utilizando ferramentas cerâmicas.

Figura 3-3: Comparativo da vida das ferramentas em relação à usinagem do vermicular e do cinzento para diferentes processos de usinagem (REUTER et al., 2000).

A busca para superar esse problema ocorre por vários meios, como desenvolvimentos metalúrgicos, processos de usinagem e materiais de corte. A seguir, são exibidos os desenvolvimentos relacionados a cada uma dessas três abordagens, mostrando a aplicação do conhecimento adquirido com esses desenvolvimentos e onde ainda existe a possibilidade de estudar e realizar avanços

que ajudem a melhorar o desempenho da usinagem do ferro fundido vermicular.

3.2 Influência dos fatores metalúrgicos na usinabilidade do ferro fundido

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