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FERROVIAS NO BRASIL E NA BAHIA No século XIX o trem foi, talvez, o maior símbolo da modernidade em matéria

de transportes. Sendo o mais rápido meio de locomoção terrestre à época, via preferencial para transportar mercadorias e passageiros, o trem representava o último avanço da moderna técnica europeia. Símbolo de progresso e desenvolvimento, obra do homem ―civilizado‖ para superar os obstáculos naturais e vencer as grandes distâncias. Meio mais adequado para cruzar a vastidão dos territórios desocupados e auxiliar, inclusive, na importante tarefa de colonizar áreas isoladas. Pelo modo de constituição das companhias que reuniam enormes capitais, como por utilizar materiais como o ferro e o carvão e as mais recentes técnicas de construção, que impulsionaram os processos de industrialização e urbanização, a ferrovia surge como a expressão máxima do capitalismo. 106

Na Europa e na América, a expansão das indústrias e o consequente desenvolvimento econômico proporcionavam um acúmulo de capitais e criou condições favoráveis a grandes investimentos na expansão das forças produtivas. Dentre esses investimentos destaca-se o papel reservado para as melhorias empregadas nos transportes, para vencer grandes distâncias e reduzir o tempo e os custos das viagens.

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LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Edusp, 2012. p. 156-157.

Conforme Eric Hobsbawn, o processo de mundialização das conquistas do capitalismo no campo dos transportes foi também responsável pela industrialização que extravasou o continente europeu espalhando-se pelo globo. Sendo assim,

A presença de estradas de ferro e, numa escala menor, navios a vapor introduzia então a força mecânica em todos os continentes e em países que de outro modo seriam não-industrializados. A chegada da estrada de ferro foi em si um símbolo e uma conquista revolucionários, já que a construção do planeta como uma economia interativa única era, de várias formas, o aspecto mais espetacular e de maior alcance da industrialização.107

Nesse cenário de profundas transformações sociais, políticas e econômicas do século XIX, também no Brasil iniciou-se a implantação do novo sistema de transporte, a ferrovia. A partir de meados daquele século seriam lançadas as primeiras estradas de ferro que viriam para colaborar no estabelecimento de uma rede de comunicações que, como nunca antes, ligava as diversas partes do país, então isoladas umas das outras. Esse movimento ganharia volume e intensidade a partir da década de 1870.

Ainda durante o período imperial seriam tomadas as primeiras iniciativas no sentido de modernizar e dinamizar as trocas de mercadorias e os deslocamentos de passageiros através de estradas de ferro. Na década de 30 aparece a primeira referência a ferrovias no Brasil, com a Lei n.º 101, de 31 de outubro de 1835. Com essa medida, o governo imperial concedia privilégios a companhias que desejassem instalar linhas férreas para ligar a capital imperial à Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. 108 No entanto, esta legislação não alcançou o resultado esperado e a instalação das primeiras ferrovias teria lugar apenas alguns anos mais tarde.

Dentre as dificuldades encontradas para o inicio da implantação de ferrovias no país devemos destacar a questão financeira. A construção de uma linha férrea demandava enormes investimentos iniciais e sua rentabilidade deveria ser garantida para justificar aos investidores a grande inversão de capitais necessária a tal empresa. A ausência de certezas no que diz respeito à rentabilidade do empreendimento ferroviário no Brasil, sem garantias legais até então, é apontada como fator crucial para a dificuldade em reunir os capitais necessários para a construção das primeiras estradas.109

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HOBSBAWN, Eric J. A era do capital, 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 68.

108 BRASIL. Decreto n. 101, de 31 de outubro de 1835. Coleção de Leis do Brasil – 1835, p. 118, v. 1,

parte 1. (Publicação).

109

SAES, Flávio Azevedo Marques de. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Támas & LAPA, José Roberto do

As primeiras empresas ferroviárias no país surgiriam somente em meados do século XIX, após a aprovação da Lei n.º 641, de 26 de junho de 1852. Essa medida permitiu uma série de garantias e vantagens às companhias que se propusessem a estabelecer ferrovias no território brasileiro. Estabeleceu, assim, um regime geral de concessões de estradas de ferro no Brasil que seguiria por todo o período imperial. Por essa lei ficou garantido, através de recursos imperiais, os juros de 5% sobre o capital empregado na construção das ferrovias e ainda outros 2% a serem pagos com recursos das províncias. Outros privilégios eram a isenção de taxas sobre as importações necessárias à construção, o direito sobre a faixa lateral de cinco léguas (30 quilômetros) onde outra companhia não poderia se instalar, e ainda prioridade sobre a compra de terras públicas localizadas nessa área reservada. 110

A primeira via férrea brasileira foi inaugurada em 30 de abril de 1854, ligando o porto de Mauá, na Baía de Guanabara, à estação Fragoso, a 14,5 km de distância. Sua execução foi obra de Irineu Evangelista de Souza que, com recursos próprios e de investidores ingleses, concluiu o primeiro trecho da estrada, inaugurada em presença do próprio imperador D. Pedro II. Por esse feito, Souza receberia do imperador o título de Barão de Mauá. 111 A criação dessa linha férrea marcou o início da malha ferroviária no Brasil.

No norte do país a modernidade em transportes também não demoraria a chegar. Em 11 de setembro de 1852, o decreto n.º 670 aprovado na Câmara dos Deputados concedia a construção da segunda ferrovia brasileira, a Recife and San Francisco

Railway Company. Em meados de 1850 organizou-se na Europa a RSFR para construir

a linha férrea que ligaria a capital pernambucana à Cachoeira de Paulo Afonso, no rio São Francisco. A construção daquela linha foi iniciada em 1855 e aberta ao tráfego sete anos depois, com a conclusão do primeiro trecho projetado, alcançando os rios Una e Pirangí, com 124 km. 112

Amaral. História Econômica da Independência e do Império. 2ª ed. São Paulo: Hucitec/ABPHE/Unesp/Imprensa Oficial, 2002, p. 177-196. p. 178.

110 BRASIL. Decreto n. 641, de 26 de junho de 1852. Coleção de Leis do Brasil – 1852, p. 5, v. 1.

(Publicação).

111 FERNANDES, Etelvina Rebouças. Do mar da Bahia ao Rio do Sertão: Bahia and San Francisco Railway. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, 2006. p. 45.

112

LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias, agricultura de exportação e mão-de-obra no Brasil no século XIX. História Econômica & História de Empresas, São Paulo, v. III, n. 1, p. 43-76, 2000. p. 49-50.

Imagem 2 – Estação de Salvador da BSFR (c.1860)

Fonte: ANÔNIMO. Estação Jequitaia da Bahia and São Francisco Railway, província da Bahia, c. 1860. Cartão-postal editado em 1910. Apud, GERODETTI, João Emílio; CORNEJO, Carlos. As ferrovias do Brasil nos cartões-postais e álbuns de lembranças. São Paulo: Solaris Edições Culturais, 2005. p. 218.

Na mesma época foi concedida a construção de outra linha, similar a RSFR, a

Bahia and San Francisco Railway Company. Igualmente organizada em Londres, essa

companhia deveria construir uma ferrovia para conectar a capital da província da Bahia à importante cidade de Juazeiro, à margem direita do rio São Francisco, criando um sistema integrado de transporte de ferrovia e hidrovia que alcançaria as regiões do interior com enorme potencial comercial. A construção da BSFR começou em 1856, partindo do subúrbio de Salvador e atingindo a cidade de Alagoinhas no ano de 1863 com um traçado que totalizava 123 km.113

Na Bahia, a iniciativa para a construção da primeira ferrovia foi do governo da província que, em 1847, contratou o engenheiro polonês André Pzerdowosky para projetar e orçar uma estrada de ferro que cortaria o território baiano ao conectar duas importantes regiões. Iniciados os trabalhos em 1º de setembro de 1858, na região da

Jequitaia, atual bairro da Calçada, a ferrovia só alcançaria seu ponto final projetado, em Juazeiro, em 1896, ou seja, quase 50 anos depois dos primeiros estudos realizados.114

Uma possível explicação para os atrasos em concluir os projetos das estradas está relacionada aos maus resultados financeiros apresentados pelas ferrovias da região Norte, a exemplo da BSFR e da RSFR. Em ambos os casos, os seguidos balanços deficitários não estimulavam novos investimentos em prolongamentos. Não é demais lembrar que aquelas duas estradas sofreram muito tempo a concorrência dos transportes animal e fluvial, que desviavam boa parte do volume de mercadorias que deveria seguir pela ferrovia, de acordo com o prognóstico de rendimentos. Um dado que ilustra esse argumento é o de que, ainda em 1885, cerca de 40% do açúcar que chegava ao Recife era transportado por barcaças sem passar pela estrada de ferro.115

Dados referentes a renda da BSFR revelam que, entre 1860 e 1883, esta companhia foi predominantemente deficitária, embora tenha obtido saldo positivo em alguns anos. Nos dez primeiros anos de funcionamento a estrada de ferro apresentou um déficit médio anual de 118:276$656. 116

Outro fator que também teria contribuído para o fraco desempenho das ferrovias nessa primeira fase estava relacionado ao alto custo na construção, com um padrão mais elevado que o necessário, com a importação de materiais e máquinas da Europa, que embora recebessem isenção de impostos, representavam grandes somas e, finalmente, o custo de importação da mão de obra. 117

As dificuldades para construção das linhas férreas não impediu que a malha ferroviária nacional seguisse um rumo de expansão contínua e ininterrupta e em todas as regiões do país. A quantidade total de quilômetros de ferrovias no Brasil saltou de 14,5 km, em 1854, para 12.300 km, quarenta anos depois, em 1894.118 Vale lembrar que uma grande parte dessas linhas férreas se concentrou ao longo da zona cafeeira, entre o Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Em 1895 somente São Paulo detinha 2.962 km de trilhos ferroviários, praticamente 25% do total nacional. 119

114 FERNANDES, op. cit., p. 77; 98. 115

LAMOUNIER, op. cit., 2000. p. 50.

116 FERNANDES, op. cit.,. p. 137. 117 LAMOUNIER, op. cit., 2000. p. 50. 118

LAMOUNIER, op. cit., 2012. p. 155.