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5 INSTRUMENTALIZAÇÃO PARA GESTÃO COMUNITÁRIA: O ACORDO DE USO E OCUPAÇÃO DO QUILOMBO DOM JOÃO

O Acordo de Uso e Ocupação do Solo do Quilombo Dom João é, assim como os quatro outros projetos individuais, fruto de todo o processo de discussões, oficinas, construções coletivas de demandas e saberes sobre a realidade da comunidade. Partiu da compreensão da pouca disponibilidade imediata de áreas disponíveis no território passíveis de ocupação e construções de casas, e de questões levantadas pela comunidade e pelo diagnóstico relacionadas a essa realidade. Tais questões passam pela problematização do adensamento na área; pela importância da preservação ambiental; por reflexões sobre o conforto térmico e ambiental das edificações e do conjunto das mesmas, considerando a influência na saúde dos moradores, e consequentemente aspectos construtivos como afastamentos e verticalização.

Como dito anteriormente na explicação sobre o território, o grupo RAUE iniciou junto à comunidade um processo de construção do que seria uma poligonal que representasse o território

reivindicado pelo Quilombo, visto que a poligonal traçada pelo grupo Geografar se propõe apenas como

registro do processo de discussão por ele construído. Neste sentido, é importante destacar que há áreas de fazendas vizinhas apontadas pela comunidade como áreas de plantações ou extrativismo, também inclusas na Poligonal do Geografar. Tais áreas, entretanto, não são utilizadas para fins de moradia, ainda que pudessem ser consideradas áreas adequadas para construções. Todavia, o processo de construção desta nova poligonal ainda não se concluiu, não tendo sido discutido com a comunidade a possibilidade de inserção de tais áreas dentro das suas reinvindicações. Dessa forma, este projeto se restringe ao aterro atualmente ocupado, que é a mesma considerada pelo TAUS.

Também é importante esclarecer que o processo de amadurecimento de discussão necessário para a real implementação deste projeto demanda um outro tempo de trabalho, não condizente com o tempo institucional no qual a Residência se insere. Isto implica em assumirmos que entregar, a esta altura do processo, um trabalho dito por concluído seria prematuro e pouco produtivo fora da academia, e desrespeitaria o tempo de amadurecimento da comunidade, sendo incoerente com todo o processo desenvolvido. Assim, entende-se que este ponto em que estamos se coloca como parte do nosso percurso, que ainda não se concluiu, sendo necessários outros encontros e momentos de discussão para aprofundarmos os conteúdos com a comunidade, e só então aprovarmos este Acordo.

5.1 O OBJETIVO GERAL

O objetivo geral deste projeto é, como consequência do amadurecimento de discussões e reflexões relacionadas à forma de ocupação do espaço habitado, instrumentalizar a gestão comunitária do território do Quilombo Dom João. Espera-se, a partir de definições acordadas entre a comunidade, orientar futuras

72 construções, de forma a respeitar e preservar o meio ambiente e permitir a reprodução da forma de vida da comunidade.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Compreender, esclarecer e documentar o que significa espacialmente o território usado pela comunidade, assim como a importância deste documento enquanto instrumento de luta e consolidação de seus direitos;

 Ressaltar a relação e a importância do uso sustentável do território e a reprodução da forma de vida, trabalho e organização de comunidades quilombolas e tradicionais;

 Evidenciar uma ocupação sustentável e responsável de uma área de preservação ambiental por uma comunidade tradicional devidamente instrumentalizada e orientada tecnicamente em relação a gestão do seu território;

 Prever e garantir espaços para uso comum dentro da área de ocupação consolidada;

 Garantir que as próximas construções a serem realizadas respeitem o meio ambiente e considerem o impacto do conjunto das construções na vida dos moradores da comunidade;

 Garantir que as próximas construções possuam conforto térmico adequado, considerando questões relacionadas à saúde e qualidade de vida, além de soluções dentro da realidade socioeconômica da comunidade.

5.3 JUSTIFICATIVAS

Como explicitado anteriormente, o processo da prefeitura municipal de São Francisco do Conde contra o Quilombo Dom João traz como pano de fundo interesses não devidamente explicitados da prefeitura e parceiros em dar outra destinação à área, provavelmente com uso rentável financeiramente. Todavia, o processo jurídico aberto pela Prefeitura de São Francisco do Conde usa como argumento principal supostos danos ambientais causados pela comunidade, utilizados como pretexto para a expulsão dos moradores, interrupções de prestações de serviços públicos, exclusão de processos de políticas públicas participativas.

Aliado a isto, há ainda uma visão de incompatibilidade da existência de uma comunidade tradicional e a preservação do meio ambiente em que essa se insere, presente em parte da legislação vigente referente ao tema. Este tipo de perspectiva é um reflexo da invisibilidade dada às culturas tradicionais ao longo da história, que não possuíram voz na elaboração de parte das leis que dizem respeito aos seus próprios interesses. Neste sentido, e não por acaso, o processo em questão reflete o

73 ponto de vista da elite econômica do Brasil, sendo os supostos danos ambientais causados pela comunidade, decorrentes da ausência de saneamento básico, o principal argumento utilizado pela prefeitura.

É nesse contexto que a criação de instrumentos que sirvam para auxiliar a gestão de áreas de preservação por parte de comunidades rurais se coloca, colaborando com a criação de novas perspectivas sobre formas de preservação ambiental. Assim, evidencia-se a real possibilidade de gestão comunitária consciente e responsável, que concilie a reprodução da vida de uma comunidade tradicional com a preservação do meio ambiente, aliando saberes técnicos e tradicionais.

Isto posto, considerando a ausência de saneamento básico e a necessidade do desenvolvimento de soluções adequadas, entende-se que o mesmo não pode ser desvinculado de um planejamento da ocupação do território em questão. Aliado a isto, durante o desenvolvimento deste trabalho verificou-se notificações por parte do INEMA em relação a aterros realizados pela comunidade para viabilizar novas construções. Vale destacar que durante o processo por parte da prefeitura, o INEMA tem se posicionado a favor da mesma, o que ressalta a importância de se endossar aspectos de consciência e responsabilidade ambiental por parte da comunidade em relação a gestão de seu território.

Ainda neste sentido, pode-se verificar em campo a falta de espaços para ampliações e novas construções, sendo assim identificada uma tendência a um adensamento populacional. A consciência e conquista do direito de permanecer naquela área, materializada no TAUS, trouxe consigo uma apropriação do aterro de forma mais efetiva. As famílias se preocupam com seu próprio crescimento, com as casas dos seus filhos e netos, e trabalham no sentido de materializar conforto e segurança para os mesmos na construção de suas residências de alvenaria.

Considerando este provável adensamento, é importante realizar inicialmente uma análise do solo, verificando o peso que este consegue suportar sem afundar. Além disto, há ainda o potencial impacto ambiental deste possível crescimento, o que aponta a necessidade de um planejamento que concilie as necessidades comunitárias com o respeito e manutenção do meio ambiente.

Outro ponto a ser destacado são as novas construções realizadas desde a conquista do TAUS. Até então, a maioria das casas eram de materiais improvisados ou taipa, ao passo que tem sido cada vez mais comuns construções de alvenaria. Esta troca de tipologia reflete a nova perspectiva de permanência no local, porém traz frequentemente cômodos sem ventilação ou iluminação adequados, o que a longo prazo, poderá influenciar diretamente a saúde dos moradores. Há ainda uma preocupação da comunidade em relação ao distanciamento entre as novas construções e o mangue, ruas e espaços públicos.

Além disso, recentemente construiu-se uma primeira casa com laje, que, aliado a conversas com moradores, evidencia uma tendência a verticalização. Há ainda que se considerar o impacto de um possível adensamento sem afastamento entre construções e de um aumento de gabarito do conjunto das construções na vida comunitária, na ventilação, iluminação e conforto do espaço comum. O adensamento

74 traz também a importância de se garantir espaços para que os usos comuns atuais possam continuar acontecendo, assim como novos usos previstos pela comunidade também possam ter lugar.

5.4 METODOLOGIA

Um Acordo de Uso e Ocupação do Solo como este proposto só será útil a partir de um real envolvimento dos moradores e construtores do espaço com as temáticas propostas. Ao longo do processo percebeu-se não serem suficientes apenas os momentos de oficina para que os assuntos abordados fossem de fato interiorizados pela comunidade. Assim, considerou-se fundamentais vivências e momentos de discussões informais, além de atividades que trabalhassem a temática na prática. O plantio do Baobá se colocou neste sentido, e junto com as outras estratégias, trouxe como resultado a vontade por parte da comunidade da arborização e apropriação do espaço comum da praça existente. A metodologia de desenvolvimento deste Acordo de Uso e Ocupação do Solo passou, portanto, por pesquisas bibliográficas, oficinas e sistematização sobre mapas do território usado pela comunidade, leituras técnicas e comunitárias do material do diagnóstico, oficinas, vivências e conversas informais.

Inicialmente, as leituras técnicas e comunitárias do diagnóstico buscaram compreender as possibilidades de áreas de ocupação permanente, considerando a importância das áreas de preservação ambiental e as questões fundiárias ali existentes. Em seguida, elaborou-se um programa preliminar de pontos importantes de serem discutidos e acordados entre a comunidade, afim de orientar uma ocupação que respeitasse o meio ambiente, possibilitando inclusive a própria reprodução da forma de vida da comunidade.

A partir deste programa preliminar, realizou-se uma oficina para discuti-lo e ajustá-lo, orientando assim o desenvolvimento das propostas elaboradas. Inicialmente, propunha-se duas oficinas em dias

Foto 39 - Plantação do Baobá. Fonte: Acervo Próprio

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