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Festas de Congadas: Em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito

O CONTEXTO DA CIDADE DE ITUIUTABA

3.1. Cidade de Ituiutaba, Pontal do Triângulo Mineiro

3.2.2. Festas de Congadas: Em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito

As festas de Congada, em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito64, são importante força de mobilização de seus fiéis, sendo que, neste trabalho, elas são compreendidas como reflexo das estratégias de dominação dos povos europeus sobre a África negra, cujos valores e crenças do catolicismo se mesclaram à cultura dos africanos colonos, os quais, “catequizados”, mantêm viva essa fé e devoção até os dias de hoje, multiplicando, do seu jeito, essa prática religiosa e cultural.

Sabemos que os escravos, ao chegarem ao Brasil, não recebiam denominações referentes às suas etnias, mas às regiões africanas e/ou portos de embarque. Misturadas e diferenciadas na diáspora, essas etnias se agrupavam e as Congadas são exemplo de tais agrupamentos. Em Minas Gerais, a festa do Congado remonta o século XVIII, tendo surgido, de acordo com Naves (s/d), quando um antigo rei africano veio para o Brasil, Francisco (Chico-Rei), imperador do Congo. Instalando-se na cidade de Vila Rica, o rei africano trabalhou e, ao conseguir a liberdade, organizou a Irmandade do Rosário e Santa Efigênia, construindo uma igreja no Alto da Santa Cruz, a igreja de Nossa Senhora dos Rosário dos Pretos, sendo coroado, dando origem assim às festividades das Congadas em agradecimento e devoção às santas, com cortejos, cantorias e batuques.

Na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, essas festas são muito frequentes. Elas costumam acontecer no segundo domingo de maio e chegam a durar até dois dias, depois de um ano de preparação, na arrecadação de recursos para a realização das festividades. Em Abdala (2011), encontramos dados de que cerca de quarenta dias antes da comemoração, são realizados “[...] leilões e visitas em residências dos devotos angariando recursos” (p. 141).

64 Em Cerniavskis (2010, p. 15), encontramos referência de que São Benedito, “[...] o Santo Negro, italiano, não

era escravo, mas filho de pais descendentes de escravos trazidos da Etiópia para a Sicília”. Além de que este santo era muito procurado pelas pessoas pela sua fama de ser um santo milagreiro, que fazia curas.

Na cidade de Ituiutaba, conversando com a festeira Teles65, que é neta, filha e sobrinha dos fundadores da Congada da cidade, representada pelos grupos “Moçambique Camisa Rosa” e “Congo Camisa Verde”, respectivamente, soubemos que no ano de 1951, o padre João Ave da Igreja Matriz de São José proibiu a realização da festa. Essa festa só foi autorizada após a fundação de uma Irmandade, a Irmandade de São Benedito, como uma exigência do padre. Essa irmandade deveria ser composta por “doze homens, como se fossem os doze apóstolos, doze homens preparados”.

Em cumprimento às exigências do padre, durante um ano esses homens, e suas mulheres, iam toda segunda-feira se preparar para ter uma vida cristã, como nos contou Teles (2014). As pessoas da Irmandade tiveram que fazer “a primeira eucaristia dos homens que não tinham e casar as pessoas que eram amasiadas” 66. Foi assim mesmo, “um trabalho de

evangelização para criar a Irmandade, para ter direito de fazer as festas do Congo daquela data pra cá”, um modo de o Congo não ficar pra lá, profano, e a Igreja pra cá, sagrada, como nos alerta Cerniavskis (2010), além da Igreja não perder fiéis para a fé católica.

Em Naves e Katrib (2008), pesquisadores das festas de Congadas na cidade de Ituiutaba e região, nós encontramos referência de que o Padre João Ave autorizou, oficialmente, o funcionamento da Irmandade no ano de1957. Para os autores, “[...] enquanto os europeus viam a „conversão‟ dos africanos ao catolicismo como uma maneira de controle social, o culto a estes mesmos santos católicos se tornou uma forma dos negros utilizarem o espaço público e legítimo da Igreja para a organização das Irmandades” (p. 2). Cerniavskis (2010) trata este refúgio dos homens e mulheres negros/as no sincretismo religioso, associação das culturas africanas com as festas católicas, como “[...] forma de resistência e de autodefesa” (p. 19).

Teles (2014) ressaltou que os grupos de Congos e Moçambiques já existiam na região, prevalecendo, entretanto, os grupos de Moçambique, conhecidos por Ternos67. Tal afirmativa é reforçada por Naves e Katrik (2008), quando dizem: “Em Ituiutaba, segundo relatos de alguns congadeiros, os festejos aconteciam em fazendas nos arredores da cidade onde também

65 TELES, Divina C. (Terno de Congo “Camisa Verde”, Ituiutaba, MG). Comunicação pessoal, 2014.

66 O avô de Teles, Senhor Marciano Silvestre da Costa, fez sua primeira comunhão aos sessenta anos de idade,

junto com o tio, senhor Demétrio Silva da Costa, conhecido por senhor Cizico, e o pai dela, senhor Geraldo Clarimundo da Costa, fundadores dos grupos de Moçambique “Camisa Rosa” e posteriormente o Congo “Camisa Verde”, em Ituiutaba.

67 Ternos, compostos em geral pelas madrinhas, meninas, capitães, tocadores e dançarinos, é uma denominação

que identifica os grupos que compõem o Congado, conhecidos também pelos nomes de Guardas, Embaixadas, Batalhões ou Congos, diferenciando-se pela vestimenta, adereços, ritmos, instrumentos e performance.

se criavam os ternos. Com o devir do tempo, a festa tornou-se conhecida, a festa foi trazida para a cidade de Ituiutaba” (p. 3).

Na cidade de Ituiutaba, além do Moçambique “Camisa Rosa” (1951) e o Congo “Camisa Verde” (1954), existem os seguintes grupos de Congada, que são: Moçambique Estrela-D‟alva (1982), Terno de Congo Real (1987), Terno de Moçambique Lua Branca (1989), Terno de Moçambique Águia Branca (1994), Congo da Libertação (2004), ao que reforçam Naves e Katrik (2008), assim:

A festa em louvor a São Benedito é composta por sete ternos de Congado da cidade e pela participação de vários outros oriundos de cidades circunvizinhas que participam das comemorações há vários anos. Juntos eles formam uma das mais importantes expressões da cultura popular do estado de Minas Gerais. O Congado representa a união de vários ternos, guardas ou grupos de dançadores ou congadeiro, cada qual com fardamento específico que segue as cores de cada terno. O Congado segue uma organização hierárquica patenteada e gerida por uma Irmandade juntamente com uma corte de Reis (p. 5).

Apresentando reunido um conjunto de representações sonoras e visuais que, segundo Naves e Katrik (2008), propiciam um reencontro significativo com as raízes negras, essas festas têm início com uma alvorada festiva, com batuques, músicas, danças, coreografias, vestuários, cores e celebração. Congos e Moçambiques guardam suas diferenças e particularidades, principalmente em relação ao vestuário e suas cores, assim como as músicas e suas batidas. Os congos, por exemplo, têm uma batida menos acelerada, com floreios no canto, enquanto os ternos de Moçambique, com as caixas fazendo a marcação e “muita criação”, têm uma batida mais lenta, com repentes, conforme nos contou Teles (2014). Além de que, a primeira caixa a ser tocada no Moçambique “Camisa Rosa” foi feita de tronco de árvore esculpido e moldado e revestido de pele de boi, vaca ou carneiro, pelo seu avô Marciano, com a ajuda dela e de sua irmã Mariquita, que cuidaram da raspagem da madeira.

No Congo, os instrumentos usados em geral são caixas grandes e pequenas (também chamadas de repiques ou repiniques), sanfona, violão, cavaquinho, cuíca e reco-reco, enquanto no Moçambique são usadas caixas grandes, patangomas ou patangomes (instrumentos semelhantes a ganzás, que consistem de chumbos dentro de uma estrutura de metal) e gungas (conhecidas também por campanhas, instrumentos de percussão amarrados às pernas, como correias de couro com pequenos chocalhos presos), geralmente, embora os grupos tenham liberdade para inovar e modificar.