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A festa em homenagem à Santíssima Trindade era a maior e ocorria no primeiro domingo logo após a festa do Espírito Santo. No dia dos festejos, havia confissões e os irmãos deviam comungar. Eram ainda oferecidas indulgências às pessoas que participassem desse evento, como forma de o tornar mais concorrido. Também era o principal dia da entrada dos novos confrades. Nessa data, celebravam-se três missas em honra das três divinas pessoas. Tanto os irmãos, como todos cristãos em geral deviam aproveitar as “glórias” dessa ocasião, ou seja os benefícios espirituais que lhes eram disponibilizados. Estes avisos eram colocados à porta da Sé e proclamados no púlpito durante as celebrações. Como se tratava da festa, os altares tinham que estar totalmente limpos e ornamentados com ramos e boninas, acendiam- se tochas e a bandeira da confraria era colocada numa mesa posta. A igreja era atapetada com junco, tal como acontecia em outros espaços congêneres, por ocasião das festividades. Na segunda-feira logo após a festa, havia missa cantada no altar do Santíssimo Sacramento com órgão, charamelas, repiques e campainha. No final, era rezado o responso por fidelibus paretis e distribuía-se cera entre os confrades. Nos antigos acórdãos que possuímos não há                                                                                                                

70 AIP, Fundo da confraria da Santíssima Trindade, Estatutos da confraria da Santíssima Trindade, 1740, fls. 39v.-40v. Encontramos duas situações onde o servo é beneficiado com dinheiro, na primeira, lhe é dada uma esmola, a seu pedido, no valor de 2.400 réis. E na segunda situação, ao invés de lhe darem um vestido, lhe ofereceram uma esmola em dinheiro, já que seu vestido ainda estava em bom estado. No entanto, não temos informação da quantia que lhe foi oferecida no segundo caso.

referências à festa da Santíssima Trindade, apenas se afirma que quem não participasse da missa da Trindade teria que pagar uma multa de cinco soldos. A acontecer, estamos certos de que seria uma cerimónia mais modesta.

Por outro lado, nos estatutos de 1740, a festa segue os mesmos preceitos citados acima. No “dia da Sanctissima Trindade, queremos se faça a Festa, e que seja com toda a Solemnidade, para o que concorreràm os Officiaes de Mensa com tudo o que està disposto nos Capitulos das obrigações de cada hum”. Percebe-se que era dia de grandes festejos na

irmandade, com missas cantadas, muita música71 e toque de sinos. O anúncio fazia-se ao

meio-dia com três repiques e logo após estes, se iniciava o sermão que ficava por conta do celeireiro. No início da missa da festa, faziam-se também repiques dos sinos. O secretário tinha a obrigação de fazer uma lista com o nome de todos os irmãos e de entregar ao servo oito dias antes dos festejos para que esses nomes fossem lidos nas celebrações de forma que ninguém se esquecesse das suas obrigações. Recordavam-se também todos os fiéis as várias indulgências plenárias e as remissões dos pecados para quem acompanhasse os festejos, comungasse e se confessasse. Esta forma de chamar os crentes ao altar é muito comum na Idade Moderna e pretende dinamizar a atividade destas associações.

Não há muita diferença entre os dois estatutos na forma como descrevem a festa, acreditamos que o modo de como eram realizados os festejos da Santíssima Trindade eram basicamente iguais, havendo algumas mudanças de acordo com o investimento aplicado para o evento.

A confraria da Santíssima Trindade celebrava também as vésperas dos dias de Corpus Christi e do dia de Nossa Senhora da Purificação. No dia de Corpus Christi, os irmãos tinham que acompanhar a procissão do Santíssimo Sacramento pelo corpo da Sé com círios acessos. No dia da Purificação de Nossa Senhora os confrades acompanhavam a sua procissão com círios e a cruz. Esses círios eram disponibilizados pela irmandade. Outros festejos também eram realizados no dia de “São João Ante Porta Latina” e no dia de Santa Marta.

Nos antigos pergaminhos, datado dos anos de 1413 e de 1416, há apenas referências à festa de “São João Ante Porta Latina”. Nesse dia “por exaltamento da Santa Vera Crus de Jesus Cristo vão a irmida de Santa Cruz por dia de Sam Joane do mes de Mayo cada anno e

                                                                                                               

71 Em relação ao uso da música após o Concílio de Trento, veja-se Donella, Valentino, “Le vie della musica sacra dopo il Concilio de Trento”, in Mozzarelli, Cesare; Zardin, Danilo (eds.), I tempi del concilio..., pp. 461-471.

lhe mandem dizer hua missa oficiada que levem as tochas e doze sírios que arçam em quanto dizem a missa”.

Entretanto, nos estatutos de 1629, fica mais claro a falta de interesse dos irmãos a estas festividades. Assim, no dia seis de maio, dia de “São João Ante Porta Latina”, os irmãos da Santíssima Trindade iam em procissão e litanias até a ermida da Santa Cruz do Monte, mas devido a “mudança de tempo e a falta da devoção da gente se veio a mudar esta procissão pera São Vitouro (sic.) por espaço de annos”. Ficou regulamentado que se dissesse uma missa na Sé, indo no final todos os irmãos à “Misericórdia Velha” com a cruz e tochas acesas dizer “amentas” pelos irmãos vivos e defuntos. O mesmo se faria no dia da festa de Santa Marta. O espaço a percorrer implicava apenas alguns metros, uma vez que a sede primitiva da Misericórdia se localizava na capela de Jesus da Misericórdia, na própria Sé.

Por outro lado, os estatutos de 1740 são mais pródigos em informações sobre estas últimas duas festas. No dia de São João, os irmãos iam até Santa Cruz do Monte e lá celebravam uma missa, acompanhada por acólitos, cantores charamelas, trombetas e atabales e em seguida rezavam pelos irmãos benfeitores da confraria. Depois, passavam pela ermida de Nossa Senhora-a-Branca, onde faziam uma procissão com o pálio, cruz, bandeira e sacerdotes paramentados com sobrepeliz e capa de asperge. Sob o pálio encontrava-se a imagem da Santíssima Trindade. Por fim, seguiam cantando até a Sé onde se recolhiam. Já no dia de Santa Marta, fazia-se igual procedimento à festa de São João. Entretanto, a procissão que vinha da ermida de Santa Marta do Monte seguia para a capela do Espírito Santo, situada no campo de São Marcos de pertença da Misericórdia, e depois recolhia-se na Sé.

Devido à falta de interesse dos irmãos nestas festividades, assim como desordens e

escândalos ocorridos72, estas festas foram alteradas. Assim, ficou estabelecido que em vez da

missa ser celebrada na ermida do Monte passou a ser na igreja de São Victor e a que era dita na ermida de Santa Marta do Monte se dissesse na capela do Espírito Santo. Em seguida, ambas a procissões acabavam na Sé. Percebe-se que os confrades circunscreviam as deslocações que tinham de efetuar para a festejo destas celebrações, fazendo-as mais próximo do núcleo urbano, onde estavam sediados. Em várias ocasiões, acorriam somente o                                                                                                                

72 A respeito dos escândalos e das desordens ocorridas durante os festejos religiosos, confira-se Fabre, Daniel, “Famílias. O privado contra o costume”, in Ariès, Philippe; Duby, Georges (dir.), História da Vida Privada. Do Renascimento ao Século das Luzes, vol. 3, Porto, Edições Afrontamento, 1990, pp. 575-576.

escrivão e os mordomos, o que levou os confrades a determinarem o fim das procissões e a celebração das missas na Sé, passando as mesmas a serem acompanhadas por órgãos e as orações fossem ditas na “Misericórdia Velha”. Dessa maneira, permaneceu até 1717, quando através de um termo de Mesa, ficou acordado que tanto as missas de São João, Santa Marta, como as missas do dia da festa da Santíssima Trindade fossem celebradas a cantochão e que entre os padres, assistentes e cantores não se ultrapassasse o máximo de oito clérigos, não houvesse repiques e nem cantassem as missas. Nestas celebrações devia invocar-se também os irmãos defuntos.

Com o passar dos anos, os festejos foram perdendo suas principais características, como a realização das procissões e o uso da música, devido ao circuito que era necessário percorrer e talvez aos gastos que era preciso fazer. Todavia, pensamos que a decisão de diminuir estes festejos está também associado ao facto dos confrades preferirem investir na festa da sua padroeira.

Por outro lado, as festas foram adaptadas às novas exigências da irmandade sem perder sua devoção. Mesmo com a diminuição dos festejos durante as festas de “São João Ante Porta Latina” e Santa Marta, a confraria não as deixou de celebrar, por fazerem parte da devoção dos antigos irmãos.

No dia da festa da Santíssima Trindade era obrigação dos irmãos compor o retábulo, o altar e a capela com bastante atenção, zelo, fervor e devoção. Caso fosse necessário, teriam que providenciar os arranjos da capela às suas custas, assim como ajudar o procurador a pagar os músicos convidados. Muitas vezes, eram artistas estrangeiros que traziam consigo gaitas, clarins e tambores, e tomavam para si a responsabilidade de animar os festejos. Em épocas de artistas convidados, as despesas aumentavam muito, por outro lado, esse desejo de convidar estrangeiros para os grandes eventos reforçava ainda mais o poder e a ostentação das irmandades. Era um dia dedicado ao lazer, com celebrações de missas e banquetes festivos, ao mesmo tempo que os irmãos podiam demonstrar devoção aos seus santos protetores.