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CAPÍTULO 1 – UM ORIENTE DISTANTE E

1.2. O século XX e as mediações contemporãneas de apropriação do oriente

1.2.2. Filósofos, Escritores, Vagabundos e o Zen

Como vimos anteriormente com Benjamin e Agamben, as condições de vida nas sociedades ocidentais, sobretudo a partir do início do século XX, geraram um grande vazio de construção e transmissão de experiências. É interessante percebermos que essas mesmas condições de vida geraram movimentos de contraposição e de insuflação de novas possibilidades de construção de experiências de vida em meio, e a partir das próprias contradições da sociedade ocidentais contemporâneas. Nesse sentido, além de impulsionar esses movimentos de contraposição a essa lógica, o empobrecimento da experiência humana nesse período fez com que essas novas insurgências buscassem influências em tradições e perspectivas de organizações sociais oriundas de sociedades distintas daquela vivenciada até então. Sobretudo por parte de uma geração jovem, que se pretendia desbancar o estado de coisas estabelecido pelas gerações anteriores à sua com críticas às condições de vida predominantes em seu tempo. E que para essa empreitada, tiveram também influências decisivas de tradições do pensamento desenvolvidas em contextos sociais e culturalmente distintos de sua sociedade como é o caso do Budismo, Taoísmo e da cultura Hindu. Podemos ver como nos mostra Campbell (1997), que um dos fatores favoráveis a entrada de valores fundados principalmente nos modelos de espiritualidade e tradições do pensamento oriental, reside no fato de que essas manifestações não haviam se encontrado diretamente, tais quais as religiões e filosofias do ocidente, como foco dos ferrenhos debates e criticas promovidas, sobretudo, pela ciência moderna. São perspectivas que figuraram por muito tempo como “pré-modernas” nos imaginários ocidentais, e que justamente em decorrência disso nunca haviam gozado de prestígio, nem de grandes espaços para sua difusão em tal contexto. As novas possibilidades de fluxos não apenas de pessoas, mas de práticas e produtos culturais entre diversas sociedades fez com que essas manifestações fossem acessadas no ocidente contemporâneo sob diversas perspectivas. Vejamos como alguns desses movimentos se processaram.

Em 1924, um filósofo alemão de orientação neo-kantiana é convidado para lecionar na Universidade Imperial de Tohoku, no Japão, seu nome era Eugen Herrigel. Desde sua juventude já havia despertado interesse pelas tradições do pensamento do extremo oriente, e como ele mesmo se refere, pela experiência mística por elas

proposta.41 Contudo, havia constatado que não poderia apreender essa experiência ou os ensinamentos sobre ela de um ponto de vista externo e distanciado. Essa tentativa já havia sido empreendida por alguns de seus contemporâneos como o já citado Max Weber, que se interessou em analisar alguns aspectos da organização social e das religiosidades do extremo oriente a partir de uma perspectiva de distanciamento, apenas do âmbito acadêmico. Herrigel já havia percorrido a literatura disponível em seu tempo em busca de perspectivas para acessar àquele tipo de experiências. Desiludido com essas investidas ele chega à seguinte conclusão:

(...) só quem verdadeiramente se isola é capaz de aprender o que significa o isolamento, e só quem leva uma vida contemplativa está completamente livre e desprendido de si para a união com o ‘Deus supradivino’. Eu compreendera que na havia outro caminho que conduzisse ao misticismo, a não se o da própria vivência e do sofrimento. Se faltam essas premissas, fica apenas o inconseqüente palavrório (HERRIGEL, 1995: 26).

A partir dessas constatações ele se propõe alguns questionamentos. Como se acessa o caminho místico? Como se alcança o estado do verdadeiro isolamento? E mais, como um ocidental moderno, cujas condições de vida são tão particulares (às quais foram tratadas no tópico anterior), e que está separado dos grandes mestres, temporal, cultural e geograficamente, poderia encontrar um caminho para esse acesso?42 A oportunidade de lecionar na cátedra de História da Filosofia na Universidade Imperial de Tohoku serviu como uma oportunidade para, além de conhecer o Japão e os japoneses, de entrar em contato com a prática viva de uma de suas tradições em particular: o Zen-Budismo. Herrigel se propõe a vivenciá-las de através da experiência prática, não-especulativa, tal qual recomendam os mestres Zen. É-lhe recomendado que para esse fim deva praticar alguma arte vinculada ao Zen43. Dentre tantas ele escolhe o tiro com arco, Kyudô (o caminho do arco), pois supunha que sua prática anterior de tiro

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O emprego da categoria misticismo pelo autor consistiria em uma tentativa de utilizar uma noção para se referir, de maneira inteligível ao ocidental, a experiência contemplativa, de integração com si mesmo e com o mundo, sem que aja essa separação entre o eu interior e o mundo exterior. Vale ressaltar, pois, que “místico” não é uma expressão oriunda dos textos clássicos ou das chamadas escrituras sagradas do Zen- Budismo, tradição qual ele se refere em seus escritos. Refere-se a uma expressão utilizada pelo autor para aludir a experiência por eles proposta, na eminência de buscar palavras para melhor descrever aquilo que nem sempre podem ser traduzido em palavras.

42 Herrigel (1995: 26) no que diz respeito à distância dos mestres, fala apenas do aspecto temporal. Resolvi mencionar o aspecto da distância cultural e geográfica para evidenciar o abismo que separa as sociedades, ocidental e do extremo oriental tradicional. E ainda mais, para explicitar o papel relevante do contato com o mestre no caminho da elevação do discípulo como aspecto fundamental da tradição budista

Zen, cuja origem encontramos na vertente chinesa Chan, como mencionado no capítulo anterior.

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com fuzis e pistolas viria a lhe servir em algo (e que posteriormente iria perceber estar enganado). Um dos primeiros questionamentos que ele lança na sobre a prática do Kyudô diz respeito a como o tiro com arco, que para nós ocidentais seria visto unicamente como uma modalidade esportiva, e que outrora fora utilizado com fins de combate, poderia se constituir como exercício espiritual? (HERRIGEL, 1995: 16).

Esse é um tema problematizado também por Marcel Mauss (2003) em seu artigo As técnicas do corpo, de 1934. Ele percebe que uma mesma técnica pode adquirir significados e usos diversos tal qual variam os valores e anseios da sociedade onde é praticada. Como por exemplo, a prática do tiro com arco, que para os ocidentais adquiriu um caráter eminentemente esportivo, chegando a compor inclusive o conjunto de modalidades presentes nos jogos olímpicos, e que para os praticantes do Kyudô consistia em uma via através da qual poderia acessar o estágio de Zen, de propricepção, e de integração com o mundo. Ou mesmo se atentarmos apenas para a experiência ocidental, poderemos perceber que os arqueiros do século XXI não atiram do mesmo modo e nem com as mesmas finalidades dos arqueiros medievais. Ou por exemplo, como na experiência analisada nesta pesquisa, onde o Tai Chi Chuan, que surge inicialmente como técnica do corpo voltada para o combate, é apropriado no ocidente dentro do contexto de uma política pública de esporte e lazer, sendo praticado como modalidade de exercício corporal. O aspecto relevante do trabalho de Mauss para as análises aqui propostas reside justamente da compreensão de que os usos sociais do corpo e as técnicas que dele surgem, são produções culturais diversas cujas variações dependem de inúmeros valores presentes no seio de cada cultura. Uma técnica do corpo específica pode adquirir usos e significados diversos a partir do momento que é praticada em um contexto diverso ao de sua origem.

Para os mestres japoneses no uso do arco (...) o combate consiste no fato de que o arqueiro se mira e no entanto não se atinge, e que por vezes ele pode se atingir sem ser se atingido, de maneira que será simultaneamente o que mira e o que é mirado, o que acerta e o que é acertado. (...) (HERRIGEL, 1995: 17). E por isso, a natureza misteriosa dessa arte se revela unicamente neste combate do arqueiro contra ele mesmo. Uma das primeiras constatações de Herrigel é que para os ocidentais, acostumados a conceitos e definições claras, a um pensamento objetivo, tais proposições aparentemente “enigmáticas” podem parecer um tanto quanto difíceis de tornarem-se inteligíveis. Na verdade, muito mais do que a reflexão, o que as palavras dos mestres propõem é que seu significado real seja acessado pelo discípulo através de

experiências práticas. E estas só podem acontecer de fato quando o praticante conseguir silenciar a mente racional, e extinguir a separação entre si, como sujeito, e a experiência a qual se propõe acessar, ou os meios através dos quais acessá-la enquanto objeto de tal realização. Eis, pois uma das principais características da construção da experiência no ocidente moderno: a separação entre sujeito e objeto da experiência, tal qual apresentado no tópico anterior deste capítulo.

Ao relatar sua experiência com a prática do Kyudô no livro A arte cavalheiresca do arqueiro Zen (Zen in der Kunst dês Bogenschiessens), publicado originalmente em 1948, Herrigel (1995) não pretende, pois apresentar um roteiro, ou caminho linear para a elevação espiritual. Ele não se propõe também a apresentar um manual da boa- aventurança, pois reconhece a impossibilidade de percorrer o caminho do Zen meramente com o estudo de textos, e que para isso é imprescindível a relação com um mestre. Além disso, a experiência do Zen através de uma de suas inúmeras artes só tem um sentido concreto para quem realmente as vivenciou. O que se propõe na verdade, através do relato e da descrição da experiência vivida, é apresentar essa possibilidade do encontro com ela por um sujeito ocidental moderno. Ele assume a árdua e não menos complicada tarefa de tentar transformar em palavras aquilo que somente se experiência corporalmente na prática. Como ele mesmo narra:

(...) seria irresponsável de minha parte oferecer fórmulas complicadas e paradoxais, expostas em palavras de efeito. Meu desejo é, ao contrário, fazer reluzir a essência do Zen através do modo como se manifesta numa das artes por ele eleita. Esse reluzir não é, porém, a iluminação, na acepção de um termo tão fundamental para o Zen, mas insinua, pelo menos a presença de algo, como o súbito clarão de um relâmpago longínquo que vemos através da neblina espessa. Aprendida deste modo, a arte do tiro com o arco representa, por assim dizer, um curso preparatório para o Zen, pois graças a ela é possível que um acontecimento à primeira vista incompreensível se torne transparente, o que por si mesmo antes era impossível (HERRIGEL, 1995: 24)

As experiências de contato com o oriente as quais teve acesso Eugen Herrigel apresentam-se como uma perspectiva através da qual um ocidental, forjado justamente pela orientação do pensamento científico, que concebe uma separação fundamental entre sujeito e objeto da experiência (ou daquilo que se experiencia), vivência a possibilidade de construção dessa experiência tal qual recomenda uma das tradições mais antagônicas dessa abordagem: o caminho do Zen. Onde não há essa cisão, e indivíduo, objeto e a própria experiência se apresentam como um só, e cuja perspectiva se constrói muito mais por aquilo que consegue ser vivido de maneira prática, do que

por aquilo que se consegue daí refletir ou induzir. Uma possibilidade de construção de experiência que ocorre justamente em um período em que, na sociedade ocidental, como nos mostra Roszak (1972) a modernidade e a racionalidade científica que a acompanha, despojaram o ser humano comum de inúmeras competências, atribuindo assim à solução dos problemas que se apresentam na vida cotidiana a especialistas, detentores de conhecimentos específicos. Homem e natureza foram convertidos em objeto de manipulação da técnica. Nesse sentido o cidadão comum, que não consegue acessar esse saber técnico legítimo, se depara com uma realidade que transcende a sua competência. A especialização seja ela, científica, administrativa, militar, educacional, médica, transforma-se no grande artifício da sociedade tecnocrática.

Eis que a partir de um contexto similar a esse, no início da década de 1950 surge nos Estados Unidos, particularmente na cidade de São Francisco, um grupo de jovens escritores imbuídos justamente de criticar esse modelo de sociedade na qual viviam. Um dos primeiros indícios da crítica que propunham residia na estética literária que apresentavam, completamente avessa aos formalismos e a erudição daquele tempo. Como nos textos de Allen Guinsberg, onde o processo criativo não ocorria com fins de seguir regras normativas na linguagem, e ao invés disso o que se buscava era o fluxo espontâneo e incontido na escrita. Era comum que seus poemas não passassem nem sequer por processos de revisão. A idéia era que eles aparecessem no papel tal qual haviam imediatamente sido concebidos, e essa aparente falta de cuidado revelava um desejo de que os textos parecessem o mais natural, e portanto, honestos o possível. O que temos aí, como mostra Roszak (1972) é a busca por uma forma de expressão artística que não tenha o intelecto como mediador ou filtro da experiência. Para tanto, além de suas incursões no âmbito literário, Guinsberg sentiu necessidade de que essas manifestações de espontaneidade criadora perpassassem todo o seu estilo de vida. Além de poeta, e para além do conteúdo dos poemas ele se torna um ícone desse estilo de vida que emergia entre os jovens de sua geração.

O tipo de experiência que galgavam não apontava nem para um misticismo escapista, que os faz transcender as coisas da matéria e do mundo, nem para um ascetismo exacerbado, distante das corrupções da carne. Ao invés disso, como ressalta Roszak:

(...) o que procuram é um misticismo bastante mundano: um êxtase do corpo e da terra que de algum modo abranja e transforme a mortalidade. Têm como

meta uma alegria que inclua até (ou, talvez, principalmente) as obscenidades corriqueiras da nossa existência (ROSZAK, 1972:136)

Essa geração vai encontrar uma via para manifestação dessas experiências principalmente através da incorporação de princípios da tradição zen-budista oriunda do Japão. O contato desses escritores com o Zen-Budismo ocorreu principalmente através da influência de dois contemporâneos ocidentais: o poeta Gary Snyder e o filósofo Alan Watts.44 Snyder, desde o começo da década de 1950 ao se “converter” ao Budismo, encontrara seu caminho para uma vida Zen dedicada à pobreza, à simplicidade e à meditação. Foi o primeiro da geração beat a viajar ao Japão para receber instruções formais no Zen-Budismo, e trilhar um caminho de desapego aos bens materiais, do vínculo com a natureza, e atentar para a importância do autoconhecimento. Ele buscava, através de seus poemas, aludir a fundamentos da tradição budista. Como nos versos abaixo de seu poema Canção do Amanhã, (Tomorrow's song, s/d) onde faz referência a esses princípios para criticar o modo de vista consumista ocidental.

Olhamos pro futuro com prazer não precisamos de combustível fóssil obtemos poder de nosso interior crescemos fortes com menos. Agarramos as ferramentas

e nos movemos no ritmo lado a lado lampejos de lucidez e de conhecimento olho no olho sentados quietos como gatos ou pedras tão completos e seguros

como o céu noturno azulado. dóceis e inocentes como lobos tão enganosos como um príncipe.

Outro escritor importante dessa época foi o filósofo Alan Watts, nascido na Inglaterra, em 1915, e profundo admirador e estudioso das tradições do pensamento oriental, com atenção especial ao Budismo e ao Taoísmo. Em 1938 muda-se para Nova York e inicia seus estudos formais no Zen-Budismo, sem, no entanto concluí-los e se tornar monge. Até pouco antes da I Guerra Mundial, com exceção de alguns trabalhos produzidos por orientalistas45, o único livro em idioma ocidental a tratar do Zen era The Religion of the Samurai, de Kaiten Nukariya. No ano de 1927 é publicado na Europa

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A experiência de contato com o Budismo desses jovens escritores foi diferentemente, por exemplo, da experiência vivenciada por Eugen Herrigel, que viajou ao Japão para acessar o Zen através da prática de uma de suas artes, o Kyudo.

45 E com o intuito eminentemente acadêmico de investigar essas tradições, na esteira dos orientalismos já abordados no início deste capítulo.

Essays in Zen Buddhism, uma edição em francês dos trabalhos produzidos pelo professor Daisetsu Teitaru Suzuki, uma das maiores autoridades do mundo nos estudos budistas. A publicação da obra abre um precedente para despertar o interesse do europeu pelo tema. D. T. Suzuki se torna um dos principais interlocutores de Alan Watts nos estudos do Budismo, e essa parceria é uma das grandes responsáveis pela difusão dessa tradição no ocidente, no início do século XX. Em 1936, quando tinha apenas 20 anos de idade, Watts publica o livro O espírito do Zen (WATTS, 2010) 46, trabalho produzido em língua inglesa, e um dos primeiros livros escritos por um ocidental a tratar sobre o Zen-Budismo.47 Além deste título, Watts produziu vasta bibliografia sobre a filosofia e as religiões do extremo oriente, principalmente sobre o Budismo e o Taoísmo.

Além dos poetas Guinsberg e Snyder citados anteriormente, outro escritor dessa geração dos anos 50, talvez o que alcançou maior projeção, e que é reverenciado como o símbolo da geração beat, foi Jack Kerouac. A característica marcante de sua prosa residia no fato de que ele contava as histórias ao leitor como quem narra um episódio real a um amigo, em torno de uma fogueira, ou mesmo em uma mesa de bar. A experiência de seus personagens é de fato uma experiência vivida (pelo autor, por seus amigos), que convida o leitor a se tornar um cúmplice dos acontecimentos. Sobre essa escrita, o próprio autor fala que:

(...) histórias e romances inventados sobre o que aconteceria SE são para crianças e adultos cretinos que têm medo de ler sobre si mesmos em um livro assim como teriam medo de olhar no espelho quando estivessem doentes ou feridos ou de ressaca ou insanos. (KEROUAC, 2010.b: 8)

O Budismo era foco recorrente em suas narrativas, seja pela estética experiencial através da qual as histórias eram contadas, ou mesmo pela evocação de termos oriundos dessa tradição para aludir características de seus personagens ou experiências vivenciadas por eles. Como por exemplo, na narrativa de Satori em Paris, livro publicado originalmente em 1966, que trata da viagem de Jack Kerouac à França para investigar as raízes genealógicas de sua família48. Em meio às diversidades culturais com as quais se depara na Europa, os problemas lingüísticos de entendimento

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The spirit of Zen, no original.

47 A publicação precede inclusive a edição de Zen in der Kunst dês Bogenschiessens (A arte cavalheiresca do arqueiro Zen) de Eugen Herrigel, cuja primeira edição só viria a ser publicada em 1948, quase vinte anos depois retorno de Herrigel do Japão.

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gerados a partir de seu francês canadense, os encontros e conversas com pessoas de diferentes nacionalidades, ele percebe que o seu satori, sua iluminação, não está no fim que pretende atingir, mas justamente no caminho que percorre para chegar até ele.

O contato dos escritores da geração beat com o Budismo e com Gary Snyder e Alan Watts imprimiu em sua escrita um forte apelo a temas como o auto- descobrimento, aquisição de conhecimento através da experiência mundana, integração homem-mundo. Contudo, a experiência do Zen que eles experimentaram não era a do claustro e do isolamento com fins de uma descoberta de si mesmo e do mundo, de um si-mesmo-no-mundo, ou de um “eu” que também “é” o mundo. O satori, como é chamado o memento de iluminação súbita, espontânea, para eles vinha embalado em meio a um solo de Jazz, um gole de uma bebida qualquer, uma “conversa fiada” em uma mesa de bar, uma viagem de trem, um encontro com os amigos, um orgasmo. Este último elemento, o da sexualidade, constituía-se de uma prática que se misturava ao desenvolvimento das experiências do autoconhecimento vivenciadas pelos personagens (e por seus autores) nas narrativas. É o que podemos constatar em um trecho de Os vagabundos iluminados, de 1958. Jack Kerouac descreve a cena de uma orgia entre quatro personagens, e o dilema de um deles (Ray Smith) em participar da experiência, pois até então procurara manter abstinência sexual, tal qual as recomendam as tradições