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Filha de seu pai

No documento CDD CDU 82-93 (páginas 35-60)

– Devemos convidar sua tia Jane, é claro – disse a senhora Spencer.

Rachel fez um movimento de protesto com suas mãos grandes, brancas e bem-feitas – mãos tão diferentes das entrelaçadas na mesa à frente, com dedos magros, morenos e angulosos. A diferença não se devia ao trabalho árduo ou à falta dele; Rachel trabalhara arduamente a vida inteira. Era uma diferença de temperamento. Os Spencer, não importava como ou o quanto trabalhassem, sempre tinham mãos rechonchudas, brancas e macias, com dedos firmes e flexíveis; os Chiswick, mesmo aqueles que não trabalhavam ou teciam, tinham mãos calejadas, nodosas e aduncas. Além disso, era um contraste mais interno que externo, enredado nas fibras mais recônditas da vida, do pensamento e da razão.

– Não vejo por que devemos convidar tia Jane – disse Rachel, com o máximo de impaciência que sua voz suave e rouca podia expressar. – Tia Jane não gosta de mim e eu não gosto dela.

– Realmente não consigo entender o motivo de sua antipatia – disse a senhora Spencer. – É ingratidão da sua parte. Ela sempre foi muito gentil com você.

– Ela sempre demonstrou sua gentileza com a mão – sorriu Rachel. – Eu me lembro da primeira vez que vi tia Jane. Eu tinha seis anos. Ela me deu uma pequena alfineteira de veludo com

miçangas. E porque na minha timidez eu não agradeci tão prontamente quanto deveria, ela bateu na minha cabeça com um dedal, a fim de me “ensinar boas maneiras”. Doeu muito. Eu sempre tive uma cabeça sensível. E esse tem sido o modo como tia Jane me trata desde então. Quando fiquei grande demais para ser punida com o dedal, ela passou a usar sua língua – e isso doía ainda mais.

E você sabe, mãe, como ela costumava falar do meu noivado. Ela é capaz de estragar o casamento se estiver de mau humor. Eu não a quero aqui.

– Precisamos convidá-la. As pessoas vão falar se ela não for convidada.

– Não vejo por que falariam. Ela é apenas minha tia-avó por casamento. Não me importarei nem um pouco se as pessoas falarem. Eles vão falar de qualquer maneira. Você sabe disso, mãe.

– Ah, nós devemos convidá-la – disse a senhora Spencer, com a indiferente determinação que sinalizava todas as suas palavras e decisões e contra a qual raramente valia a pena lutar. As pessoas que a conheciam poucas vezes tentavam; estranhos por vezes o faziam, iludidos pela sua aparência.

Isabella Spencer era uma mulher pequenina, com um rosto pálido e bonito, olhos acinzentados, de um tom incerto, cílios longos e uma grande massa de cabelos castanho-escuros, macios e sedosos. Ela possuía delicados traços aquilinos e uma pequena e infantil boca vermelha. Parecia alguém que seria levada facilmente pelo vento. A verdade é que sequer um tornado podia fazê-la desviar um centímetro do caminho que ela escolhia.

Por um momento, Rachel pareceu se rebelar; mas então cedeu, como geralmente fazia quando tinha uma opinião diferente da opinião da mãe. Não valia a pena discutir sobre um assunto que, em comparação, parecia tão sem importância, como o convite de tia

Jane. Uma briga seria inevitável mais tarde; Rachel queria salvar todos os seus recursos para isso. Ela deu de ombros e escreveu o nome de tia Jane na lista de casamento,com sua letra grande, um pouco desleixada, era uma letra que sempre parecia irritar a mãe.

Rachel nunca conseguiu entender essa irritação. Ela jamais imaginaria que era porque sua escrita se parecia muitíssimo com a de um certo pacote de cartas desbotadas que a senhora Spencer mantinha no fundo de um velho baú revestido de crina de cavalo que guardava em seu quarto. Elas tinham sido carimbadas em portos marítimos do mundo inteiro. A senhora Spencer nunca as lia ou olhava para elas, mas lembrava de cada traço e curva da caligrafia.

Isabella Spencer havia superado muitas coisas na sua vida por pura persistência e força de vontade. Mas não conseguiu levar a melhor sobre a hereditariedade. Rachel era filha de seu pai em todos os aspectos, e Isabella Spencer escapou de odiá-la apenas por amá-la ainda mais ferozmente por causa disso. Ainda assim, houve muitas ocasiões em que ela precisou desviar seu olhar do rosto de Rachel, por causa da súbita emoção que lembranças mais sutis provocavam; e nunca, desde que sua filha havia nascido, Isabella Spencer conseguiu contemplar a criança adormecida.

Rachel iria se casar com Frank Bell em duas semanas. A senhora Spencer estava satisfeita com a união. Ela gostava muito de Frank, e a fazenda dele era tão perto que ela não perderia Rachel por completo. Rachel acreditava afetuosamente que sua mãe não a perderia de modo algum, mas Isabella Spencer, com a sabedoria que a experiência lhe dera, sabia o que o casamento da filha significava para ela e preparou seu coração para suportá-lo com a coragem que conseguiu reunir.

Elas estavam na sala de estar, decidindo os convidados do

casamento e outros detalhes. O sol de setembro penetrava pelos galhos tremulantes da macieira que crescia perto da janela baixa.

Os raios de luz bruxuleavam no rosto de Rachel, que era branco como um lírio, com apenas um leve toque de rosa nas bochechas.

Ela usava seu cabelo dourado e lustroso preso no topo da cabeça, de modo singular. A fronte era muito larga e branca. Ela era jovem, vibrante e esperançosa. Seu coração de mãe se contraiu num espasmo de dor quando ela olhou para a filha. A garota era tão, tão e tão parecida com os Spencer! Aqueles traços afáveis, curvos, aqueles grandes e alegres olhos azuis, aquele queixo delicadamente modulado! Isabella Spencer cerrou os lábios com firmeza e reprimiu algumas lembranças espontâneas, indesejáveis.

– Ao todo, teremos cerca de sessenta convidados – ela disse, como se isso fosse a única coisa que ocupasse seus pensamentos.

– Devemos tirar os móveis desta sala e pôr a mesa de jantar aqui. A sala de jantar é muito pequena. Devemos pedir emprestados os garfos e as colheres da senhora Bell. Ela os ofereceu. Eu jamais teria pensado em pedir para ela. As toalhas de mesa de damasco com fitas devem ser lavadas e branqueadas amanhã. Ninguém mais em Avonlea possui toalhas de mesa como essas. E colocaremos a mesinha da sala de jantar no patamar do corredor, no andar de cima, para os presentes.

Rachel não pensava nos presentes nem nos detalhes econômicos do casamento. Sua respiração se acelerou, e o leve rubor em suas bochechas macias transformou-se num profundo carmesim. Ela sabia que o momento crítico se aproximava. Com a mão firme, escreveu o último nome em sua lista e desenhou uma linha embaixo.

– Bem, já terminou? – perguntou sua mãe, impaciente. – Dê-me isso e deixe-me verificar se você não deixou alguém importante de

fora.

Rachel, em silêncio, entregou o papel por cima da mesa. O quarto lhe pareceu ficar muito quieto. Ela podia ouvir as moscas zumbir nas vidraças, o suave ronronar do vento sobre os beirais baixos e por entre os galhos da macieira, as batidas convulsivas do seu próprio coração. Estava assustada e nervosa, mas resoluta.

A senhora Spencer olhou a lista, murmurando os nomes em voz alta e assentindo em aprovação a cada um. Mas, quando chegou ao último nome, ela emudeceu. Lançou um olhar furioso para Rachel, e faíscas brotaram das profundezas dos olhos claros. Na sua face se misturavam raiva, espanto e, acima de tudo, incredulidade.

O nome final na lista de convidados do casamento era David Spencer. David Spencer morava sozinho num pequeno chalé na baía. Ele era uma combinação de marinheiro e pescador. Também era o marido de Isabella Spencer e o pai de Rachel.

– Rachel Spencer, você perdeu o juízo? O que pretende com esse absurdo?

– Simplesmente convidar meu pai para o meu casamento – respondeu Rachel, calmamente.

– Não na minha casa – exclamou a senhora Spencer, com os lábios lívidos, como se seu tom ardente os houvesse fulminado.

Rachel inclinou-se para a frente, cruzou deliberadamente sobre a mesa as mãos grandes e habilidosas e olhou com firmeza para o rosto amargo da mãe. Seu medo e nervosismo tinham desaparecido. Agora que o conflito finalmente se deflagrara, ela descobriu que estava gostando daquilo. Pensou um pouco e concluiu que devia ser uma pessoa má. Ela não era dada a autoanálises, ou poderia ter concluído que o que ela achava tão agradável era a repentina afirmação de sua própria personalidade, há tanto tempo dominada pela mãe.

– Então não haverá casamento, mãe – disse ela. – Frank e eu simplesmente iremos ao presbitério, nos casaremos e voltaremos para casa. Se eu não posso convidar meu próprio pai para me ver casar, não quero convidar ninguém.

Os lábios dela se estreitaram com força. Pela primeira vez na vida, Isabella Spencer viu um reflexo de si no rosto da filha, uma estranha, indefinível semelhança que era mais de alma e espírito que de carne e sangue. Apesar da raiva, seu coração se emocionou. Como nunca antes, ela percebeu que a garota era filha sua e do marido, um vínculo vivo entre eles, no qual suas naturezas conflitantes se misturavam e reconciliavam. Ela percebeu, também, que Rachel, que há tanto tempo se comportava de maneira docemente submissa e obediente, pretendia fazer as coisas do seu jeito, nesse caso e o faria.

– Devo dizer que não consigo entender por que você está tão decidida a ter seu pai no casamento – ela disse, com amargo sarcasmo. – Ele nunca se lembrou de que é seu pai. Não se importa com você e nunca se importou.

Rachel não percebeu essa provocação. Ela não tinha o poder de machucá-la, pois seu veneno tinha sido neutralizado por uma informação secreta que ela possuía, da qual sua mãe não tinha conhecimento.

– Ou convidamos meu pai para o casamento ou não haverá casamento – ela repetiu firmemente, adotando as mesmas e eficazes táticas de repetição de sua mãe, que não se deixava distrair por argumentos.

– Convide-o, então – retrucou a senhora Spencer, com a deselegante irritação de uma mulher que há tempos estava acostumada a fazer as coisas do seu jeito e que era obrigada, pela primeira vez, a ceder. – Vai ser como colocar batatas fritas no

mingau, de qualquer modo – não é bom, mas também não faz mal.

Ele não virá.

Rachel não respondeu. Agora que a batalha terminara e ela fora alçada à condição de vencedora, via-se muito trêmula, à beira das lágrimas. Ela se levantou rapidamente e subiu as escadas, em direção a seu quarto, um pequeno e escuro aposento sombreado pelas bétulas brancas que cresciam densamente do lado de fora – um quarto virginal, feito sob medida para uma donzela. Ela deitou-se na colcha de retalhos azul e branca que cobria sua cama e chorou baixinho, com amargor.

Seu coração, nesse momento crucial da sua vida, ansiava pelo pai, que era quase um estranho para ela. Ela sabia que sua mãe provavelmente falara a verdade quando disse que ele não viria. Mas Rachel sentia que faltaria uma inexplicável sacralidade a seus votos de casamento se o pai não estivesse lá presente para ouvi-los.

Vinte e cinco anos antes, David Spencer e Isabella Chiswick tinham se casado. As más línguas disseram que não havia dúvida de que Isabella se casara com David por amor, já que ele não possuía terras nem dinheiro para atraí-la a uma união de barganha e venda. David era um rapaz bonito, com o sangue de uma raça de navegantes correndo nas veias.

Ele era marinheiro, assim como seu pai e avô, mas, quando se casou com Isabella, ela o convenceu a desistir do mar e se estabelecer com ela numa confortável fazenda que seu pai havia lhe deixado. Isabella gostava de cultivar a terra e amava seus acres férteis e pomares opulentos. Ela abominava o mar e tudo o que ele representava, menos por medo dos perigos do que por uma convicção congênita de que os marinheiros eram criaturas “baixas”

na escala social, uma espécie de vagabundos necessários. A seus olhos, havia uma mancha de desonra em tal vocação. David deveria

ser transformado num respeitável e eterno lavrador de vastas terras.

Durante cinco anos, tudo correu muito bem. Se, por vezes, o desejo de David pelo mar o acometia, ele o sufocava e ignorava sua voz sedutora. Ele e Isabella eram muito felizes; o único empecilho em sua felicidade jazia no lamentável fato de ainda não terem filhos.

E então, no sexto ano, houve uma desavença e tudo mudou. O capitão Barrett, um velho camarada de David, queria que ele o acompanhasse numa viagem, como imediato. Ao ouvir a proposta, o desejo pelas vastas águas azuis do oceano, pelo vento assobiando entre os mastros, com seu hálito salgado de espuma do mar, desejos há tempos sufocados, eclodiram com uma paixão ainda mais avassaladora, justamente por causa dessa repressão. Ele precisava embarcar nessa viagem com James Barrett, precisava ! Depois disso, ficaria satisfeito novamente, mas precisava ir. Dentro dele, sua alma lutava como uma criatura acorrentada.

Isabella se opôs ao plano veementemente, com insensatez, sarcasmo mordaz e acusações injustas. A obstinação latente do caráter de David veio ao encontro do seu anseio, um anseio que Isabella, com o amor pela terra de cinco gerações de ancestrais lavradores, jamais conseguiria entender.

Ele estava determinado a ir e disse isso a Isabella.

– Estou cansado de arar e ordenhar vacas – disse, exaltado.

– Ou seja, está cansado de uma vida respeitável – zombou Isabella.

– Talvez – disse David, dando de ombros com desdém. – Enfim, de qualquer maneira, eu vou.

– Se for nessa viagem, David Spencer, não precisa mais voltar – disse Isabella, resoluta.

David foi; não acreditou que ela estivesse falando sério. Isabella entendeu que ele não se importava se ela falava a sério ou não. A

mulher que David Spencer deixou para trás aparentava calma, mas por dentro era um vulcão raivoso, em ebulição, cujo orgulho tinha sido ferido e a vontade contrariada.

Ele encontrou precisamente a mesma mulher quando voltou para casa, bronzeado, alegre, domado por algum tempo do seu anseio de viajar e pronto, com genuína afeição, para voltar aos campos da fazenda e ao curral.

Isabella o esperava na porta, sem sorrir, com os olhos frios e os lábios contraídos.

– O que você faz aqui? – ela disse, no tom que costumava usar com vagabundos e mascates sírios.

– O que eu quero? – A surpresa de David o deixou sem palavras.

– O que eu quero? Ora, eu... eu... quero a minha esposa. Voltei para casa.

– Esta não é sua casa. Eu não sou sua esposa. Você fez a sua escolha quando foi embora – replicou Isabella. E então entrou, bateu a porta na cara dele e a trancou.

David permaneceu no mesmo lugar por alguns minutos, como um homem atordoado. Por fim, virou-se e foi embora, seguindo o caminho entre as bétulas. Ele não disse nada – naquele momento ou em algum outro. Daquele dia em diante, nenhuma menção à esposa ou a seus interesses jamais passou por seus lábios.

Foi diretamente para o porto e embarcou com o capitão Barrett em outra viagem. Quando voltou, um mês depois, comprou uma casinha e a rebocou até a “baía”, uma enseada solitária na qual não havia mais nenhuma outra habitação humana. Entre suas viagens ao mar, ele vivia ali a vida de um recluso; pescar e tocar violino eram suas únicas ocupações. Ele não ia a lugar algum e não recebia visitas.

Isabella Spencer também adotara a tática do silêncio. Quando os

escandalizados Chiswick, encabeçados por tia Jane, tentaram incentivar a reconciliação com argumentos e súplicas, Isabella recebeu-os rigidamente, como uma estátua de pedra, parecendo surda a seus apelos e não respondendo a nenhuma pergunta. Ela os derrotou categoricamente. Tia Jane disse, com desgosto: “O que se pode fazer com uma mulher que sequer fala ?”.

Cinco meses após David Spencer ser rejeitado na porta de casa por sua esposa, Rachel nasceu. Talvez, se David a tivesse procurado, com a devida penitência e humildade, o coração de Isabella, suavizado pela dor e alegria de sua longa e ardentemente desejada maternidade, poderia ter expulsado a peçonha raivosa de ressentimento que o envenenara e aceitasse o marido de volta. Mas David não veio; ele não deu sinal algum de que sabia que sua tão desejada filha havia nascido ou que se importava com ela.

Quando Isabella foi novamente capaz de cuidar de seus afazeres, seu rosto pálido estava mais duro do que nunca; e, se houvesse alguém a seu lado com algum discernimento, seria possível notar que uma sutil mudança se operara em sua conduta e suas maneiras. Aquela expectativa nervosa, aquela inquietação palpitante a tinha abandonado. Isabella deixou de esperar secretamente que o marido voltasse. Nas profundezas de sua alma, achava que ele voltaria e pretendia perdoá-lo quando o tivesse humilhado suficientemente e ele se rebaixasse, como achou que ele faria. Mas agora ela sabia que ele não pretendia suplicar o seu perdão, e o ódio que brotou do seu antigo amor era um tumor que crescia de modo rápido e persistente.

Rachel, desde suas mais tenras lembranças, tinha uma vaga consciência da diferença entre sua vida e a de seus colegas. Por muito tempo, isso foi um enigma para seu cérebro infantil.

Finalmente, ela concluiu que a diferença consistia no fato de que

eles tinham um pai, e ela, Rachel Spencer, não, sequer no cemitério, como Carrie Bell e Lilian Boulter. E por quê? Rachel foi até a mãe, pôs uma mãozinha rechonchuda e cheia de covinhas no joelho de Isabella Spencer, olhou para cima com seus grandes e curiosos olhos azuis e perguntou gravemente:

– Mãe, por que eu não tenho um pai como as outras meninas?

Isabella Spencer deixou de lado sua costura, pôs a criança de sete anos no colo e contou para ela a história toda em poucas, diretas e amargas palavras, que logo ficaram marcadas indelevelmente na memória de Rachel. Ela compreendeu claramente, desesperadamente, que nunca poderia ter um pai, que sempre seria diferente das outras pessoas nesse quesito.

– Seu pai não se importa com você – disse Isabella Spencer finalmente. – Nunca se importou. Não deve mais falar dele com ninguém.

Rachel deslizou silenciosamente do joelho da mãe e correu para o jardim de primavera com o coração pesado. Lá, ela chorou copiosamente as últimas palavras de sua mãe. Pareceu-lhe uma coisa terrível seu pai não amá-la e uma crueldade pedir que ela nunca falasse dele.

Um fato curioso é que a solidariedade de Rachel estava inteiramente com o pai, na medida em que ela compreendia a antiga briga. Ela não sonhava em desobedecer à mãe e de fato não o fazia. A criança nunca mais mencionou o pai, mas Isabella não a tinha proibido de pensar nele, e desde então Rachel passou a pensar nele constantemente, tão constantemente que, de um jeito estranho, ele parecia se tornar uma parte misteriosa de sua vida interior, era um companheiro invisível e sempre presente em todas as suas experiências.

Ela era uma criança imaginativa e, nas suas fantasias, havia

conhecido o pai. Ela nunca o vira antes, mas ele era mais real para ela do que a maioria das pessoas que ela conhecia. Ele brincava e conversava com ela como sua mãe jamais fizera; caminhava com ela pelo pomar, pelos campos e pelo jardim; sentava-se ao lado dela, no mesmo travesseiro, para assistir ao entardecer; para o pai, ela sussurrava segredos que jamais havia contado a ninguém.

Certa vez, sua mãe lhe perguntou impacientemente por que ela falava tanto sozinha.

– Não estou falando sozinha. Estou falando com um amigo muito querido – respondeu Rachel, solenemente.

– Criança tola – riu sua mãe, em parte com indulgência, em parte com reprovação.

Dois anos depois, algo maravilhoso aconteceu com Rachel. Numa tarde de verão, ela foi ao porto com várias de suas amiguinhas. Tal excursão foi um raro presente para a criança, pois Isabella Spencer quase nunca permitia que ela saísse de casa com outra pessoa que não ela. E Isabella não era uma companhia divertida. Rachel nunca gostou particularmente de passear com a mãe.

As crianças caminharam bastante ao longo da costa; por fim, chegaram a um lugar que Rachel nunca tinha visto antes. Era uma enseada rasa onde as águas vibravam na areia amarela. Além disso, as ondas riam, exibindo-se vaidosas e sedutoras como uma bela e coquete mulher. Ao ar livre, o vento era barulhento e

As crianças caminharam bastante ao longo da costa; por fim, chegaram a um lugar que Rachel nunca tinha visto antes. Era uma enseada rasa onde as águas vibravam na areia amarela. Além disso, as ondas riam, exibindo-se vaidosas e sedutoras como uma bela e coquete mulher. Ao ar livre, o vento era barulhento e

No documento CDD CDU 82-93 (páginas 35-60)