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3. Famílias escravas no sertão seridoense

3.5. Filhos legítimos e naturais

É difícil não perceber nos livros de batismo da Vila do Príncipe, o grande número de filhos ilegítimos entre os escravos. Os dados indicam que 61% das mães escravas eram solteiras e havia tido apenas filhos naturais, ao passo que os filhos de pais livres sempre dispunham de maior taxa de legitimidade, um padrão que também pode ser percebido entre os libertos (TABELA 12 ).

TABELA 12: Percentuais de filhos legítimos e naturais entre a população livre e escrava da Vila do Príncipe

Fonte: Livros de Batismo da Freguesia da Gloriosa Sant’Ana do Seridó 1856-1888

Estudos desenvolvidos por Solange Pereira da ROCHA, sobre a Paraíba oitocentista, têm mostrados resultados semelhantes. Ao analisar os assentos de batismos da Freguesia do Livramento a autora observa que, entre os bebês escravos 71,6% eram filhos naturais e apenas 28,4% eram legítimos (ROCHA : 2009, p.227).

Já Sheila de Castro FARIA (1998, p.323), ao encontrar esse mesmo padrão em Campos dos Goitacases/ RJ, chega a duas importantes conclusões: primeiramente a autora argumenta que fatores como tipos de produção, localização e o tamanho das unidades produtivas influíam nas possibilidades de casamentos de escravos. Sua segunda observação refere-se à frequente entrada de africanos nas escravarias. A seu entender, a compra de novos Filhos legítimos

e naturais

Livre Escravo Liberto Total

Legítimo 2.540 (95,7%) 104 (3,9%) 9 (0,3%) 2.653 Natural 285 (38%) 454 (61%) 2 (1%) 741 Total 2.825 558 11 3.394

123 escravos africanos e consequentemente a venda dos que já não serviam, tornava inviável aos senhores a existência de familiais legalmente constituídas. Tais considerações nos chamaram a atenção. A incapacidade de adaptarmos essa última informação à realidade da Vila do Príncipe, nos fez questionamor os fatores que, provavelmente, justificam a existência de tantas crianças de filiação natural na região. Conforme vimos no segundo capítulo, o percentual de africanos era de 2% entre os escravos. A presença de cativos crioulos e mestiços era o que engrossava as fazendas da Vila em questão.

A maioria dos fazendeiros possuía poucos escravos e por economia, ou falta de melhores condições financeiras, preferiam as facilidades da reprodução endógena dos seus escravos à renovação da mão-de-obra através da compra constante de novos elementos. Com base nos inventários post mortem, observarmos ainda que, a população escrava da Vila do Príncipe esteve, para segunda metade do século XIX, sempre em situação de relativo equilíbrio no que se refere aos gêneros masculinos e femininos.

Até aqui, os indícios nos descreviam um cenário propício ao casamento escravo. Como é possível deslindar na TABELA seguinte, a própria expectativa de vida dos cativos, tanto para homens quanto para mulheres, era relativamente equilibrada. Embora eles não gozassem de uma expectativa de vida muito longa – os homens vivendo em média 35 anos e as mulheres 28 anos.

TABELA 13: Média das idades da população negra da Vila do Príncipe falecida entre 1857 a 1888

Condição jurídica Homem Mulher

Escravo 35 anos 28 anos

Liberto 64 anos 53 anos

Livre 51 anos 39 anos

Fonte: Livros de Óbito da Freguesia da Gloriosa Sant’Ana do Seridó 1857-188

Reunidas todas essas informações é pertinente retornamos à questão da indisposição dos senhores com casamentos escravos, pois de fato, essa

124 parece ser a explicação mais plausível para as restrições desse mercado matrimonial, bem como para as frequentes gestações ilegítimas.

Para além dessas cogitações de caráter puramente especulativo, resta o indício de que fatores externos, a exemplo da intensificação do tráfico interprovincial, também influía na construção dos arranjos domésticos dos escravos. Para os anos correspondentes a 1856-1862, os dados do assentamento de batismo mostram que população escrava era predominantemente de filiação natural. O percentual de crianças filhos de mães solteiras para este recorte era de 83% (TABELA 14). Já para os anos de 1862 a 1866, doze anos após a abolição do tráfico internacional esse percentual cai para 76%.

TABELA 14: Percentual de filhos legítimos e naturais da população negra da Vila do Príncipe

Fonte: Livros de Batismo da Freguesia da Gloriosa Sant’Ana do Seridó 1856-1888 Acervo paroquial.

Entre 1866 a 1871, o número de filhos naturais torna a crescer chegando a 85%, ao passo que o percentual de filhos legítimos que era de 24 % de 1862 a 1866, atinge o mínimo de 15%. A presença dos filhos naturais mostra comportamento diverso, pois logo após atingir o máximo de 85%, cai abruptamente para 14%. A discrepância entre os números de legítimos e naturais aludida na TABELA acima, nos dá compreensão de que suas participações na composição dos plantéis não segue um padrão; vários fatores,

Livres Total Escravos Total Total

absoluto Filho legítimo Filho natural Filho natural 1856 -1862 482 (86%) 76 (14%) 558 40 (17%) 189 (83%) 229 787 1862-1866 463 (90%) 49 (10%) 512 28 (24%) 89 (76%) 117 580 1866-1871 737 (93%) 58 (7%) 795 30 (15%) 175 (85%) 205 912 1871-1879 851 (89%) 100 (11%) 951 6 (86%) 1 (14%) 7 958 1885-1887 7 (78%) 2 (22%) 9 - - - 9 Total 2.540 285 2.825 104 454 558 3.383

125 de caráter econômico e social, combinados, contribuíam para produção de tal realidade.

É importante salientar que para os livros de batismo, referentes aos anos de 1885 a 1887, verificamos uma mudança estrutural nestes. Em resumo, aconteceram três alterações paralelas. O aparecimento do terno inocente, até então não usado, passa a ser empregado para identificar os recém-nascidos. Do mesmo modo, as profissões e os ofícios dos pais das crianças batizadas ganham visibilidade nos registros. De fato, não se trata de um número expressivo de negros. Ao todo computamos nove livres e três libertos, desempenhando, no geral, as funções de jornaleiro e agricultor. Já a outra terceira mudança, se refere à omissão da cor. Aí repousa a explicação para a baixa participação de crianças negras na composição do quadro geral. Sobre as livres, apesar da variação entre os períodos os dados apontam para forte presença casamentos regulares. As mulheres livres quase sempre registravam filhos legítimos. Esta evidência confirma que a esmagadoramaioria dos libertos e livres simplesmente corria banhos sem impedimento algum.

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