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1. CÓRREGO DE AREIA GEOGRAFIA DAS SOCIABILIDADES

1.3. A FILIAÇÃO DOS BRAÚNA

Embora Zé Pequeno tenha se tornado, principalmente a partir dos anos de 1980, o artesão mais conhecido fora do Córrego de Areia, o universo do barro, no local, também é constituído por outros artistas e os Braúna também têm seus descendentes. Segundo alguns dos moradores mais antigos da localidade, foram

os antepassados dessa família que iniciaram a produção de louça, mais precisamente, com Chico de Mercê, avô das artesãs que ainda se ocupam do artesanato. Na verdade, a origem das famílias é uma só, pois João Braúna Sobrinho, conhecido como João Mercê, pai delas, que faleceu no início dos anos 1990, era tio de Zé Pequeno. Dona Nilce e João Baúna faziam cerâmica, atividade que aliada ao cultivo de milho, feijão e algodão, servia de sustento para os onze filhos que tiveram. Desses, apenas três dedicaram-se exclusivamente ao trabalho artesanal: Veranilde, Ercília e Avelanda, mas outras filhas foram iniciadas.

Nove mulher e dois homem. Só nós três que faz, tinha uma irmã minha que sabia, casou e deixou de fazer, a mais velha, só fazia quando era solteira.

(Ercília Braúna, julho de 2008)

A família Braúna tem melhores condições financeiras do que a família de Zé Pequeno. De modo geral, tem casas maiores, têm um lugar para armazenar a louça já queimada, e possui bens materiais de maior valor como motocicletas e antenas parabólicas.

À medida que foram casando, os filhos foram ganhando pedaços de chão e hoje moram praticamente todos juntos, numa espécie de sítio, com cerca de meio hectare, rodeado de limoeiros, goiabeiras, cajueiros, onde nenhuma casa é cercada, cada uma tem seu galinheiro e a água é retirada de um poço comum. Alguns criam porcos. Também há plantas ornamentais, que dão muitas flores e aliadas às árvores frutíferas, formam sombras muito agradáveis, que amenizam a sensação de calor.

Para se chegar até lá, é necessário dobrar à direita num beco estreito chamado de corredor, logo após o Módulo Esportivo Dulce de Almeida Maia, prédio comunitário que fica na estrada principal, usado para a prática de esportes e reuniões, referência para quem é de fora se orientar no lugar. Hoje, aos 74 anos, dona Nilce, a matriarca, conta que abandonou a arte em decorrência do cansaço e da dor nas costas, mas relembra que aprendeu a fazer louça com a avó, aos sete anos, e quando casou ensinou ao marido e depois às filhas. A casa onde mora e o

forno ainda são herança do esposo, e continua preservado como se fosse uma homenagem.

Foi, papai era chamado de João Mercê, que era da família que fazia louça. Mamãe já sabia quando casou com ele, a mãe dela fazia

(Ercília Braúna, julho de 2008)

Avelanda tem 51 anos, é a mais velha das três irmãs louceiras e mora na primeira casa do “sítio” dos Braúnas. Casou-se duas vezes38 e tem um filho adulto e uma filha adolescente. É especialista em fazer grandes jarros ornamentais, às vezes vazados, além de fazer também gamelas e travessas. Sua casa tem um alpendre na frente, dois quartos, uma sala, uma cozinha e um grande quintal de uso comum. A mobília é composta por itens como camas, sofás, geladeira, televisor e fogão a gás. É engajada em movimentos comunitários como clube de mãos e associações esportivas, o que lhe preenche parte do dia com reuniões, para as quais ela se desloca em sua motocicleta de cem cilindradas.

Já Ercília, 45 anos, a mais nova das três irmãs e quinta da família, mora na segunda casa, seguindo a ordem do corredor, vizinha de Avelanda. Tem uma filha de doze anos e seu marido alterna a agricultura com a profissão de moto- taxista em Limoeiro do Norte. A casa dela casa segue mais ou menos os padrões das outras irmãs: também tem um pequeno alpendre na frente, dois quartos, cozinha, banheiro, sala de estar e os objetos que compõem a mobília são quase os mesmos, com exceção da antena parabólica que esta possui. Prefere “mexer” no barro à tarde, depois de cuidar das coisa de casa, tarefa esta realizada durante o período da manhã. Sua especialidade é a manufatura de cinzeiros em forma de triângulos ou animais (pato, coruja) e mealheiros, chamados por elas de coisa

miúda.

38 Avelanda ficou viúva no primeiro casamento e no segundo casou-se com um irmão de Toinha, louceira que

será descrita no próximo item. Essa informação é importante para que possamos entender os níveis de parentesco no local.

Enquanto Avelanda e Ercília são consideravelmente detalhistas, Veranilde, a outra irmã artesã, está mais preocupada, de acordo com a fala das duas primeiras, com a quantidade do que com a qualidade. Ao contrário das outras, Veranilde, que também está no segundo casamento39 e já tem, até netos, costuma fazer louça de manhã cedo, antes de começar os afazeres domésticos. Também é ela que vai para a feira da cidade, aos sábados, junto com seu tio Raimundinho (que vende as peças dele), vender a produção de sua família. Sua casa se assemelha à das irmãs. A queima da louça de toda a família Braúna é realizada pelo marido dela, De Assis.

Figura 11 – Avelanda Braúna fazendo o acabamento em uma de suas peças. Fonte: Francisca Mendes. Acervo Pessoal. 2007.

Além da venda na feira de Limoeiro do Norte elas também recebem encomendas individuais, além de vender para a CEART. Seus produtos mais conhecidos são os cofres, mealheiros em formato de bichos como coruja, pombinha, porquinho e pata, além dos cinzeiros triangulares e em forma de sapato, feitos por Ercília. As peças são levadas numa pequena carroça, puxada

39 Veranilde casou-se a primeira vez com um irmão de Toinha, ficando então dois irmãos, casados com duas

por uma motocicleta, que tanto pode ser pilotada pelo marido de Veranilde como pelo de Ercília.

Esse grupo é mais aberto, tanto aos visitantes como às sugestões de desenho para suas peças, diferenciando-se da família de Zé Pequeno. Também parecem não defender sua tradição de forma tão ávida quanto Maria. Isso não quer dizer, porém, que elas também não respeitem o saber herdado do pai, João Mercê, que, assim como Zé Pequeno ensinou os filhos a moldar o barro. Elas se referem a ele com grande admiração e respeito40, além de verbalizar uma memória do tempo em que ele era quem queimava a produção de toda a família, gerando dificuldades para as filhas, após a sua morte.

porque quem queimava a louça era pai, aí depois que pai morreu, depois que pai morreu é uma dificuldade medonha pra queimar num tinha quem queimasse, aí o marido de Veranilde começou a queimar

(Avelanda Braúna, julho de 2008)

Como ocorre também com as outras louceiras do Córrego de Areia, a produção é feita de forma individual, mas reunida na hora da queima da louça. Além de estarem presas aos laços de parentesco e de compartilharem relações de vizinhança, no entanto, se aproximam pela forma de escoamento da produção, uma vez que mesmo vendendo sob encomenda para a CEART ou para algum comprador avulso, as irmãs Braúna jamais abandonaram o lugar na feira semanal da cidade de Limoeiro do Norte, deixado pela sua mãe. Elas se revezam tanto no transporte da louça quanto na venda, que, apesar de ser encabeçada por Veranilde, sempre tem uma das irmãs ou Dona Nilce por perto, revelando que a colaboração mútua, assim como o parentesco que rege a família de Zé Pequeno, são os elos que concedem coesão a essas louceiras.