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Filiação e reprodução humana assistida

PARTE II – REPRODUÇÃO ASSISTIDA E O DIREITO DE FAMÍLIA

CAPÍTULO 4: Princípios constitucionais de direito de família relacionados à

4.2. Filiação e reprodução humana assistida

Quando da entrada em vigor do Código Civil de 1916, como já estudado, havia a distinção entre os filhos legítimos e os ilegítimos, ou seja, os legítimos eram aqueles gerados na constância do casamento, enquanto que os ilegítimos eram os havidos fora do casamento, sendo seu reconhecimento vedado por força do artigo 358.

Presumia-se como concebido na constância do casamento aquele nascido há pelo menos 180 dias após o estabelecimento da convivência conjugal, ou ainda, o concebido em até 300 dias subsequentes à dissolução do casamento por morte, desquite ou anulação, lembrando que não era considerado o divórcio por não existir tal instituto, somente permitido com a emenda Constitucional nº 9, em 1977.

Nessa esfera, a filiação, era tida como uma relação existente entre parentes consanguíneos em linha reta de primeiro grau. Entretanto, com o passar dos anos, este conceito teve de ser alterado, tendo em vista o instituto da adoção e os avanços biotecnológicos ligados à reprodução, sendo, então, definido novo conceito de filiação, que nas palavras de Silvio Rodrigues se consubstancia na “relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquela que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado”66.

Diante do evidente avanço do direito brasileiro, Paulo Luiz Neto Lôbo afirma que:

A igualdade entre filhos biológicos e adotivos implodiu o fundamento da filiação na origem genética. A concepção de família, a partir de um único pai ou mãe e seus filhos, elava-os à mesma dignidade da família matrimonializada. O que há em comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação entre eles fundada no afeto67.

66 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: volume 6. 27. ed., atualizada por Francisco Cahali, com notações

ao novo código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 321.

67 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado – direito de família, relações de parentesco,

direito patrimonial: arts. 1591 a 1.693, volume XVI. Álvaro Villaça de Azevedo (coordenador). São Paulo: Atlas, 2003, p. 43.

Hoje, ainda existe a presunção de paternidade decorrente do casamento, entretanto, ela não é exclusivamente ligada à consanguinidade, pois novas fontes de parentesco foram reconhecidas pela Constituição, como a adotiva e a decorrente da reprodução assistida.

Nesse sentido, temos posicionamento do Conselho Federa da Justiça, através do Enunciado 103 das I Jornada de Direito Civil, no tocante à interpretação do artigo 1.593 do Código Civil:

O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho.

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça, que já se manifestou quanto à filiação socioafetiva, conforme decisão da relatora Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.401.719:

FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO.

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA.

ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. 5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 6. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor

supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua identidade genética. 9. Recurso especial desprovido68.

Assim, com os avanços no campo da medicina genético-reprodutiva, torna-se perceptível que a ligação consanguínea não pressupõe a geração do filho, acarretando, deste modo, novas questões jurídicas para o conceito de filiação e ampliando a possibilidade para o reconhecimento de filho, seja ele decorrente de afeto, adoção ou reprodução assistida69.

68 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1021719/MG. Rel. Min. Nancy Andrighi,

Terceira Turma. Julgado em: 08/10/2013 e publicado em: 15/10/2013. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24274948/recurso-especial-resp-1401719-mg-2012-

0022035-1-stj>. Acesso em: 12.05.2016.

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