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HÁ UMA FILOSOFIA DA HISTÓRIA MARXISTA?

2 O INDIVÍDUO E AS SUAS IDEIAS NA HISTÓRIA: UM DEBATE TEÓRICO

2.5 HÁ UMA FILOSOFIA DA HISTÓRIA MARXISTA?

Além do chamado “determinismo econômico”, existe outra questão polêmica entre

da História? Isto é, o marxismo busca o conhecimento das leis gerais que determinam as

sociedades ao longo da história? Seria cômodo para o estudante que escreve este trabalho

selecionar uma parte da rica tradição marxista com que se identifica mais e responder a esta

questão de acordo com seus pressupostos. Contudo, é inegável que a interpretação do

desenvolvimento do método e ideias de Marx foi, enquanto uma Filosofia da História, muito

forte entre os marxistas, desde os contemporâneos do pensador comunista.

Estes elementos interpretativos se intensificam, ainda mais, através da “oficialização”

ideológica do marxismo via era stalinista na URSS. Selecionamos este trecho de um livro de

Stalin comentando sobre esta questão:

Ora, se o mundo é cognoscível e nossos conhecimentos sobre as leis que regem o desenvolvimento da natureza são conhecimentos verdadeiros, que têm valor de verdades objetivas, isto quer dizer que também a vida social, o desenvolvimento da sociedade são suscetíveis de serem conhecidos; e que os dados que a ciência nos proporciona sobre as leis do desenvolvimento social são dados verídicos, que têm valor de verdades objetivas.

Isto quer dizer que a ciência que estuda a história da sociedade pode adquirir, apesar de toda a complexidade dos fenômenos da vida social, a mesma precisão que a biologia, por exemplo, oferecendo-nos a possibilidade de dar uma aplicação prática às leis que regem o desenvolvimento da sociedade (STALIN, 1945).

A breve passagem já indica alguns indícios importantes da concepção de marxismo da

era Stalinista. O primeiro elemento mais latente é a centralidade da busca pelas leis gerais que

movimentam a história das sociedades, com uma grande aproximação metodológica com as

ciências naturais. O materialismo histórico, neste esquema, é visto como um mero momento

de aplicação do método dialético, que por sua vez, se caracterizava pela contraposição ao

idealismo, sendo o mundo das ideias uma derivação da economia. Para além desta passagem,

esta compreensão do marxismo transforma a história em uma única fórmula de leis gerais das

sociedades.

O stalinismo talvez sintetize com maior intensidade a influência positivista em

marxismo tenha sido uma ideologia oficial de Estado potencializou elementos de conservação

de um status quo na visão de mundo comunista. No entanto, identificamos que estes

elementos filosóficos e políticos já se faziam presentes na cultura marxista desde os

contemporâneos de Marx, passando pela II Internacional e os próprios bolcheviques, questões

que iremos analisar brevemente no capítulo seguinte.

Mesmo com estas debilidades e limites, uma reconhecida parte da tradição marxista

recuperou parte de um dos legados centrais da obra revolucionária de Marx e Engels: o pensamento dialético “casado” com incansável historicização das sociedades e seus modos de

vida, tendo como perspectiva a práxis como elemento central desta visão de mundo, isto é, a

unidade da teoria com a prática revolucionária.

Dentro do debate mais amplo, sobre a história ser guiada por leis genéricas ou não,

poderíamos responder com autores contemporâneos marxistas, com o chamado marxismo

ocidental, ou com autores que bem traduziram as reflexões teóricas com a prática, como

Lenin, Gramsci ou Lukács. Mas optamos por uma resposta de Marx sobre este tema, que já

era polêmico em sua época:

Mas é muito pouco para o meu crítico. Ele tem absoluta necessidade de transformar o meu esboço histórico da gênese do capitalismo na Europa Ocidental numa teoria histórico-filosófica do caminho geral, fatalmente imposto a todos os povos, se qualquer que sejam as circunstâncias históricas em que eles se encontrem, para chegar finalmente a essa formação econômica que assegura, com o maior desenvolvimento das capacidades produtivas do trabalho social, o desenvolvimento integral do homem. Mas eu lhe peço desculpas, ele quer, ao mesmo tempo, me prestar demasiadamente homenagem e me ofender bastante (MARX, 2013).

Nesta carta, Marx protesta contra a generalização do seu método,8 mesmo identificando tendências históricas na gênese do desenvolvimento econômico. Ele nega a

transformação de sua proposição em uma filosofia racionalista do progresso encontrada em

Hegel, só tendo como diferença o pressuposto econômico. A própria caracterização de

8 No caso, a carta era uma resposta à tentativa de generalizar a acumulação prévia de capitais na Inglaterra para a

classicidade, em Marx, é histórica, justamente por estas estruturas não serem eternas, mas

fruto de determinada formação, de fase determinada.

Esta unidade estrutural-histórica em Marx nos remete a outro elemento crucial para

compreendermos a sua revolta em relação à transformação de seu método em uma filosofia da

história. Em Marx, desde a A Ideologia Alemã, com maior ênfase, indica-se a tendência de

internacionalização da história da humanidade como uma especificidade do capitalismo. Pela

primeira vez, temos o estabelecimento de relações das mais diversas e interligadas entre os

distintos povos. Para Lukács, desta condição objetiva do desenvolvimento é que poderá surgir a ideia de um “gênero humano” na história, visto que esta não seria mais algo local e

específico de cada povo, mas total, interligada entre os mesmos (LUKÁCS, 1979).

No entanto, contraditoriamente, esta história global do capitalismo imprime uma

tendência desigual e combinada em seu desenvolvimento. Suas sínteses são produto da ação

de diversos complexos e elementos objetivos, como a luta de classes, o grau de

desenvolvimento das forças sociais produtivas, grupos, e até mesmo o acaso imprevisível na

história. Esta rica compreensão elimina qualquer indício de linearidade, teleologia e