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O fim de Luiz Baú O imaginário nos boatos que alimentaram um mito

No documento 2007HumbertoJoseDaRocha (páginas 86-90)

A FIGURA DO MONSTRO E A CAÇADA

CAPÍTULO 4 – A MEMÓRIA E O JUDICIÁRIO: O FINAL DO CASO PARA A JUSTIÇA E PARA AS FAMÍLIAS

4.3 O fim de Luiz Baú O imaginário nos boatos que alimentaram um mito

No decorrer do trabalho, tratou-se o caso dos crimes de Luiz Baú a partir de elementos da História, Sociologia, Psicologia e do Direito. Em se tratando de uma história pelo viés das mentalidades, as falas das pessoas podem constituir fraudes, lendas, falhas de percepção e até erros honestos, despropositais.

O que chamou a atenção para pesquisar o caso e acabou se confirmando ao longo do trabalho, foi a forma como o imaginário popular assimilou os crimes - ou como os crimes influenciaram o imaginário popular -, pois as conversas sobre os fatos, quase três décadas depois, ainda deixam explícitos os contornos místicos da história. Boatos que começaram na época dos crimes e que com o passar do tempo alimentaram o que pode ser chamado de uma “lenda urbana”, ou um “mito” em torno do “Monstro de Erechim”.

É natural buscarmos explicações para as coisas que acontecem a nossa volta. Pode-se dizer que chega ser até uma necessidade, contarmos com respostas para nossas alegações e experiências para nos tranqüilizarmos. Mas, nem sempre as coisas possibilitam respostas e explicações imediatas, fáceis, espontâneas, e/ou, nem sempre estamos aptos a desvendar determinadas questões. Então, tem-se a tendência de estabelecer uma explicação provável - embora muitas vezes estejamos convictos dela -, mesmo que parta de uma suposição, invenção, metáfora ou experiência passada de quem coube apresentar uma resposta (Clark, 1997: XXI). Foi isso o que aconteceu neste caso, cada pessoa tratou de explicar que fim teria levado o criminoso.

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O desconhecido tem a força de ativar o imaginário popular no sentido de tentar explicar, entender, justificar determinado fato. No caso de Luiz Baú, desde sua juventude, até seu desaparecimento em julho de 1980, vários aspectos isolados, que se associaram à natureza de seus crimes, forneceram elementos para que se formasse em torno da figura do criminoso, uma relação com o ocultismo, o misticismo, que de certa forma acabou dando sentido aos acontecimentos no/pelo imaginário popular.

As falas de pessoas que conviveram com Luiz Baú na juventude são unânimes no sentido de que se tratava de uma pessoa pelo menos “estranha”, de poucas palavras, com períodos de isolamento, e com uma intrigante relação com as coisas da natureza (mateiro). Lembra um dos entrevistados que quando iam coletar mel, Luiz dispensava proteções, e geralmente não era agredido pelas abelhas, isso impressionava a todos. Além desse perfil, por volta dos vinte anos de idade, passou a exercer curandeirismo, fato que acabou aproximando- o da sua primeira vítima na Linha Jubaré. Com o passar do tempo, esses elementos - de intimidade com a natureza e curandeirismo - possibilitaram a Luiz Baú a uma identificação com o ocultismo.

Preso pelo primeiro crime na Linha Jubaré, Baú consegue fugir do presídio e passa um mês em fuga, o que ficou conhecida como uma verdadeira “caçada humana”. A habilidade para fugir - “desaparecer” - o fato de ter sido visto “ao mesmo tempo” em diferentes lugares e o despiste do faro dos cães da polícia, são elementos que, enriquecidos pela passagem do “cachorro branco” no bairro Aeroporto37, acabaram originando boatos acerca de um “poder sobrenatural” do criminoso, que no imaginário de uma comunidade que vive um clima de tensão, ganha força e acaba sendo terreno fértil para “lendas urbanas”.

O modo como cometeu os crimes, os requintes de crueldade, a seqüência de um padrão, e, por conseguinte, no momento de sua prisão, portar “orações”38, que pouca gente

soube na realidade quais eram, acabaram alimentando o boato de que o criminoso seguia uma “seita satânica” e que os crimes nada mais eram do que “sacrifícios”, tudo reforçado pelo perfil das vítimas - crianças, inocentes.

Desaparecido do Instituto Psiquiátrico Forense em 30 de junho de 1980, o último boato acerca do criminoso seria sobre seu destino após a fuga: “Aquele tá no fundo do [rio] Guaíba”. Diante do fato da fuga com outros internos, sendo que Luiz Baú foi o único a não ser recapturado, isso aliado ao histórico de periculosidade do criminoso, ofereceu ao imaginário popular a possibilidade de que Luiz Baú teria tido sua fuga facilitada pelos agentes

37 Ver sub-capítulo 3.2.

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de segurança do I.P.F. para que fosse executado, já que se trataria de um paciente “irrecuperável”, “incômodo” no cotidiano do Instituto em decorrência da repercussão dos seus crimes.

Quanto ao paradeiro do criminoso, várias hipóteses são comentadas entre a população de Erechim até os dias de hoje. Além da hipótese da execução, a fuga para o estado do Paraná e até para o exterior (Paraguai, Uruguai), são teses populares apresentadas pelas diferentes opiniões com que se teve contato durante a pesquisa.

O advogado Rovílio Collet, nomeado para defesa do criminoso, resume sobre o paradeiro de Luiz Baú:

Depois ele foi transferido para Porto Alegre e eu nunca mais fiquei sabendo dele, como terminou ou se terminou, se está morto ou não está.

Em depoimento judicial em 11 de agosto de 1981, o policial militar Adão Soares Vieira (atualmente residente em Alegrete), que participou da caçada ao criminoso, quando perguntado sobre os fatos relatou a história, mas sobre o destino do criminoso admitiu a impossibilidade de se saber, dizendo que depois de tudo o que aconteceu:

tem em sua casa uma fotografia de Luiz Baú, que guardou como lembrança do elemento que cometeu o maior ato de banditismo de que se tem notícia em Erechim (Depoimento anexado ao Processo-Crime n° 5497, p. 120).

Nada sobre os boatos tem alguma base documental ou confirmação das autoridades daquela época, mas o que é importante para esta análise é o fato de que o boato - verdadeiro ou falso - serviu para o imaginário popular responder às questões apresentadas pelo caso, já que o imaginário (interno) e as informações cotidianas (externas) agem reciprocamente como guias da conduta social.

O aspecto psicológico - psicopatia, doença mental, dissimulação, imaginário, memória, lendas urbanas - esteve presente desde o primeiro capítulo deste trabalho, e pode ser considerado o elemento central desta abordagem da história. Quanto ao fim do criminoso, viu-se que o imaginário popular aponta para diferentes possibilidades. Porém, a partir do

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exposto ao longo deste trabalho, é possível uma conclusão a partir de alguns elementos que, se analisados de forma conjunta, apontam um desfecho elementar para o caso.

Primeiro, sabendo se tratar de uma pessoa com problemas mentais que teriam condicionado um perfil assassino, é pouco provável que, solto depois da fuga do IPF, ele não teria reincidido nos mesmos atos, o que só aconteceria mediante a cura da doença, o que teria que ter acontecido sem que o paciente tenha sido submetido a tratamento especializado. Logo, esta hipótese é pouco provável.

Segundo, há que se considerar que um fugitivo que troca tiros com a polícia, e chega a criar desavenças dentro da instituição - sobre a discussão entre o comando da Polícia Civil e Militar de Erechim -, tudo isso somado ao fato de que os policiais organizaram-se espontaneamente para perseguir o criminoso, permite indagar até que ponto este condenado teria “provocado” a ira policial, pois há que se lembrar que a história se passou no período da Ditadura Militar no Brasil, premissa que sugere um “endurecimento” da ação policial.

Finalmente, a partir do exposto neste trabalho, pode-se concluir como provável destino do criminoso, a sua morte. Já quanto ao modo como teria morrido ou possíveis destinos diferentes, isso sim, é trabalho para o imaginário.

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No documento 2007HumbertoJoseDaRocha (páginas 86-90)